Jantar do bilhão

Brasileiros que combatem amianto são premiados por escritórios americanos

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27 de abril de 2015, 21h32

Um jantar de gala oferecido no último dia 18 por uma entidade privada americana no luxuoso hotel Crystal Gateway Marriot, em Washington (EUA), serviu de palco para homenagear três servidores públicos brasileiros: o procurador-geral do trabalho, Luís Antonio Camargo de Melo, e seus colegas Marcia Kamei Lopez Aliaga e Philippe Gomes Jardim. Eles receberam o troféu “Tributo Inspiração”, por sua atuação contra o uso do amianto no Brasil, concedido pela Asbestos Disease Awareness Organization, conhecida pela sigla Adao. O cenário reúne quase todos os ingredientes para orgulhar o país do futebol. Não fosse a suspeita de que a causa, em vez de nobre, é lucrativa.

A premiação fez parte da 11ª Conferência Anual Internacional do Amianto, que reúne grandes escritórios de advocacia e ativistas ligados a movimentos pró-banimento do amianto ao redor do mundo. Em edições anteriores, outros brasileiros foram homenageados, como a auditora do trabalho atualmente aposentada Fernanda Giannasi. Desta vez, a premiação coincide com a ofensiva do Ministério Público do Trabalho em alguns estados, como Paraná e Santa Catarina, contra lojistas e revendedores para acabar com as vendas de telhas de fibrocimento com amianto, sob pena de retaliações judiciais.

Chefe da Coordenadoria Nacional de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho, Philippe Jardim revelou durante o jantar que a estratégia do MPT consiste, atualmente, em “estimular a edição de mais leis estaduais e municipais proibindo o uso da fibra”, e, também, “buscar responsabilizar judicialmente empresas que já produziram e ainda produzem passivos sociais pelo uso do amianto.”

Ao mesmo tempo, há outra ofensiva em andamento, esta empresarial, de tornar a marca francesa Saint Gobain mais conhecida no mercado brasileiro. A empresa estrangeira tenta ganhar espaço para a venda de suas telhas de fibras sintéticas. “Vamos gastar um caminhão de dinheiro” nesse objetivo, disse à revista Época Negócios o presidente da Saint Gobain, Thierry Fournier. Como o banimento do amianto é parte essencial dessa estratégia, na mesma entrevista Fournier deixou escapar o que parece ser o curso a ser tomado pelo seu “caminhão” ao declarar: “Temos um trabalho forte sendo feito em Brasília, nas comissões”. Contudo, ele não explica o que vem a ser “um trabalho muito forte”, nem revela que “comissões” seriam essas.

Por fim, tudo isso ocorre em meio à real possibilidade de o Supremo Tribunal Federal julgar ao menos uma das sete ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) questionando leis estaduais que proíbem o uso do amianto. Trata-se do momento mais aguardado por alguns dos maiores escritórios de advocacia que já faturaram bilhões de dólares com ações movidas ao redor do mundo de indenizações por danos que teriam sido causados pelo amianto. O que vier a ser decidido no Brasil, terceiro maior produtor de amianto do mundo, terá reflexos jurídicos não só na América Latina, como na produção global de telhas.

As cortes superiores, na Europa, já começaram a barrar tentativas de organizações, advogados, médicos e seguradoras que dizem defender "vítimas do amianto". O Judiciário europeu passou a olhar com desconfiança acusações feitas sem provas ou embasamento científico. Duas decisões recentes dão essa indicação. Na Inglaterra, o Supremo Tribunal do Reino Unido anulou um projeto de lei apresentado na Assembleia do País de Gales que previa sanções para seguradoras e empresas do setor. Na França, o Tribunal de Cassação confirmou a anulação de acusações de um grupo de ativistas contra a deputada Martine Aubry e outras sete pessoas, que defenderam por anos o uso do amianto. Nesse mesmo contexto, a Comissão Europeia se posicionou sobre o uso do amianto e rejeitou o pedido em favor de uma campanha de banimento do amianto da Europa.

Fraude
No evento do dia 18, além dos brasileiros, foram homenageados também pela Adao escritórios de advocacia especializados no assunto, e que patrocinam a entidade, como o Simon Greenstone Panatier Bartlett. O escritório ganhou notoriedade em dezembro de 2014, quando o jornal The Wall Street Journal revelou uma série de fraudes nas ações de indenização nos EUA e o atingiu em cheio. Segundo a publicação, o principal patrocinador da Conferência da Adao 2015 usava a mesma “vítima” para processar diferentes empresas e fundos por causa da exposição ao amianto. Os advogados afirmavam que a vítima havia sido exposta ao asbesto e somente trabalhou na empresa “A”. Quando ganhavam a causa, os advogados abriam outra ação contra a empresa “B” e afirmavam novamente que a vítima trabalhou exclusivamente na empresa “B”, não sendo exposta ao amianto em nenhuma outra empresa. O caso foi chamado de “A Fraude da Dobradinha”.

Um dos juízes da corte americana descobriu o golpe ao comparar os processos de indenização e verificar que a mesma pessoa havia sido foi exposta ao asbesto em dezenas de empresas, mas que nas reclamações de indenização sempre afirmava que havia trabalhado a vida inteira em uma única empresa.

Em janeiro de 2015, foi a vez do jornal The New York Times revelar um esquema de corrupção envolvendo políticos, médicos e advogados. Antes de ser descoberto nas fraudes, o ex-presidente da Assembleia Legislativa de Nova York, Sheldon Silver, fazia parte do grupo mais poderoso do Estado. Esse grupo era chamado carinhosamente de “three men in a room” (três homens em uma sala). Os três eram: ele, o governador de Nova York e o líder da maioria no Senado estadual. Silver foi preso e afastado do cargo por montar um esquema milionário de corrupção, associado à indústria de ações de indenização contra fabricantes de produtos com amianto.

Silver foi denunciado por coletar mais de US$ 6 milhões em comissões pagas pela banca Weitz & Luxenberg e, principalmente, por destinar verbas de fundos públicos a pesquisas do médico Robert Taub, dentro do esquema de corrupção. Até então, Taub era o mais prestigiado e respeitado pesquisador do mesotelioma — uma doença que pode ser causada pelo mau uso do amianto. Ele também recebia propinas do escritório de advocacia, negociadas por Silver, segundo o The New York Times.

Nos Estados Unidos, escritórios de advocacia especializados em ações trabalhistas de indenização para doentes por exposição ao amianto costumam ser generosos com a Adao, que é presidida por Linda Reinstein, uma conhecida ativista ligada diretamente ao movimento internacional pelo banimento do amianto. O mais destacado desses escritórios tem sede nos EUA e pertence a Steve Kazan, irmão da principal ativista no mundo, Laurie Kazan. Ela é presidente do IBAS Secretariat, a ONG coordenadora do movimento mundial para banimento do amianto, baseada no Reino Unido e que congrega outras entidades similares. Estima-se que somente o escritório de Steve Kazan já recebeu bilhões de dólares em processos de indenização de vítimas do amianto nos EUA.

Em 2012, Linda Reinstein esteve no Brasil participando de um evento pró-banimento do amianto dentro da conferência Rio +20. Ela aproveitou e visitou a fábrica da Brasilit, pertencente à Saint Gobain, a empresa francesa que promete gastar “um caminhão de dinheiro” no Brasil e que produz fibras alternativas ao amianto.

No jantar de gala do último dia 18, Linda entregou pessoalmente o troféu ao procurador Luís Camargo, que subiu ao palco juntamente com Fernanda Giannasi, a auditora do trabalho que, depois de se aposentar, assumiu o cargo de consultora do escritório de advocacia Alino & Roberto Advogados, com sede em Brasília — não por acaso, o escritório que reúne o maior número de ações contra o amianto no Brasil.

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