Precarização do trabalho

Projeto de Lei da Terceirização transforma em regra o que deveria ser exceção

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26 de abril de 2015, 7h30

Em menos de duas semanas, a Câmara dos Deputados colocou em votação, em regime de urgência, o controverso Projeto de Lei 4330/2004, que define as regras da terceirização no país e amplia a possibilidade deste tipo de contratação para estendê-la às atividades-fim. A questão, polêmica, altera profundamente a estrutura da relação patrão-empregado construída ao longo de quase um século, se tomarmos por base as primeiras leis trabalhistas de 1920, consolidadas nas décadas seguintes por Getúlio Vargas quando da criação da CLT e modernizadas pela atual Constituição. Logo após esta etapa, o texto da PL seguirá para a revisão do Senado Federal, que – pelo constatado no noticiário político – deve imprimir também vertiginosa carreira em sua apreciação. De lá, será encaminhado para validação (sanção), ou não (veto), da Presidência da República – muito embora a condição de (hipotético) veto seja provisória e possa ser derrubada no próprio Congresso Nacional.

Apesar dos acalorados debates no meio jurídico e das manifestações trabalhistas nas ruas, o fato irrefutável deste processo é que a PL 4330 – até então, estagnada por 11 anos no Congresso – segue firme no caminho da aprovação. E virá com boa dose de inconsistência jurídica. A mais notável é sua inconstitucionalidade, por não se alinhar ao artigo 7º da Constituição (Direitos e Garantias Fundamentais do Trabalhador). Sendo cláusula pétrea (indisponível, portanto) da garantia dos direitos sociais, o artigo contém itens só alteráveis, ou relativizados, mediante nova Constituinte. Um projeto de lei não tem força para tanto. 

Em nota pública, o Conselho Federal da OAB (por intermédio de sua Comissão Especial de Direito Sindical) elencou ainda uma série de graves afrontas à valorização do trabalho humano e à relação do emprego bilateral, institutos consolidados nos artigos 6º, 7º, 8º e 170º de nossa Carta Magna. Neste cenário, litigioso já em seu nascedouro, desenha-se também um aumento na sobrecarga da Justiça do Trabalho, na qual as queixas trabalhistas irão se avolumar, ameaçando a já morosa capacidade de resolução de processos do Judiciário, talvez ao ponto da paralisia.

Fruto da economia globalizada, a terceirização cresceu nos anos 1980 graças às facilidades que proporciona na contratação de mão de obra em atividades-meio, substancialmente nas áreas de apoio (transporte, alimentação, segurança, manutenção, TI etc). Ou seja, aquelas não ligadas ao core business da empresa. Um hospital não funciona apenas com médicos, enfermeiros e técnicos, precisando recorrer diariamente aos serviços periféricos, tais como limpeza, coleta seletiva de resíduos, brigada de incêndio, vigilância, entre outros. Para muitos, a terceirização é um modo produtivo que veio para ficar, a despeito dos altos níveis de precarização que traz à dinâmica trabalhista (salários menores, aumento da carga de trabalho e nos índices de acidentes).

Não é de hoje, portanto, o anseio das correntes jurídico-trabalhistas pela elaboração de lei nacional que não só regulasse às funções do setor – em substituição ao Enunciado 331, do Tribunal Superior do Trabalho (no momento, o único marco legal a fundamentar a prática) – como também trouxesse mais garantias ao prestador de serviços. E uma Lei regulamentando a terceirização deveria partir, em tese, da premissa desta natureza, sempre atuando como suporte secundário, sem intervir na atividade-fim.

Acontece que o texto do PL 4330 inverte e desequilibra esta dinâmica, transformando em regra o que deveria ser exceção. Ao permitir um aprofundamento da mão de obra terceirizada em todos os níveis de atividade de uma empresa, a norma alastra os riscos da precarização, colocando em cheque a relação entre o patrão e empregado assegurada pela CLT. Afinal, terceirizar é vender o trabalho de outrem por meio de um intermediário que se apropria do pagamento dos salários sem a necessidade de garantir a amplitude do leque dos direitos trabalhistas. Casos extremos acontecem no Brasil e em diversas partes do mundo, sendo a China um expoente negativo.

Também será um grande desafio implantar a terceirização em atividades-fim nas quais é alto o grau de pessoalidade entre o profissional e o público alvo. Elos de confiança como os encontrados, por exemplo, entre médico e paciente ou professor e aluno, são construídos através do tempo e do convívio. Como se dará a evolução interpessoal, prioritária, seja no tratamento de doentes, seja na alfabetização de estudantes, diante da impossibilidade da estabilizar estes postos? Pelo mesmo princípio, como manter a expertise de técnicos de uma empresa?

Ao nos aproximarmos do Dia do Trabalho, que celebra as principais conquistas fundamentais para o trabalhador, é necessário refletir sobre o impacto desta lei, que se fará sentir na vida de grande parte dos 90 milhões de brasileiros em postos de trabalho. A velocidade e a condução da aprovação do PL validam a força de resolução do atual quadro congressista. Mas não atendem ao clamor social.

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