Desafios do Judiciário

Desjudicializar pode se tornar a forma mais eficaz de fazer justiça

Autor

  • Gustavo Binenbojm

    é procurador do estado do Rio de Janeiro professor Adjunto de Direito Administrativo da UERJ e membro da Comissão Julgadora do Prêmio Innovare

24 de abril de 2015, 13h33

O XII Prêmio Innovare, uma espécie de Oscar do Sistema de Justiça brasileiro, traz como destaque, no ano de 2015, o tema de seu prêmio especial: “redução das ações judiciais do Estado – menos processos, mais agilidade”. Aberto também a profissionais de áreas não especificamente jurídicas, seu objetivo é estimular e dar visibilidade a práticas que contribuam para a solução do que se poderia chamar de paradoxo da Justiça no Brasil: por que mais justiça tem significado, entre nós, menos justiça?

Em boa hora, o Instituto Innovare lança a sua luz sobre um de nossos problemas mais graves, que é o elevado grau de judicialização das questões que envolvem a Administração Pública, em todos os níveis da Federação. Logo à partida, convém evitar falsas soluções que preconizem curar a febre pondo o termômetro na geladeira. É preciso reconhecer que o número de demandas judiciais é alto porque, na média, os governos não costumam adotar as medidas que poderiam evitá-las ou, ao menos, atenuá-las. A procura ao Judiciário decorre da demanda gerada pela própria Administração. A advocacia pública tenta fazer a sua parte, mas ainda lhe falta a autonomia administrativa e técnica para impor aos gestores públicos o cumprimento preventivo da lei. O resultado disso é a pletora de processos que massifica o trabalho dos operadores do direito, emperra o funcionamento da máquina e difere a realização da justiça para um futuro distante e incerto.

O Innovare propõe aos profissionais responsáveis pelo exercício da jurisdição e de suas funções essenciais o desafio de pensar fora da caixa. Não é papel dos advogados públicos se tornarem meros enxugadores de gelo, gestores de centenas de milhares de casos cuja solução já se conhece, mas não se reconhece. De maneira velada, os agentes políticos acabam por transferir para governos futuros – e, em muitos casos, para gerações futuras – as obrigações que deveriam ser cumpridas desde logo, com a realização pronta e imediata da justiça.

Inovar é preciso, como o fizeram as Procuradorias dos estados do Ceará e do Rio de Janeiro, em práticas premiadas pelo Innovare em 2014.

No primeiro caso, surgido da necessidade de realizar desapropriações para a construção do Veículo Leve sobre Trilhos de Fortaleza, conseguiu-se evitar que centenas de ações fossem levadas à Justiça mediante esforço de acordos administrativos com os proprietários. Não apenas a Justiça cearense não foi sobrecarregada à toa, mas os proprietários receberam as indenizações que lhes eram devidas em tempo recorde, contando ainda com assistência para enquadramento nos programas habitacionais dos governos estadual e federal. É possível ainda imaginar a economia de gastos com os processos que foram evitados e com os encargos financeiros que deixaram de incidir sobre o valor das indenizações.

No segundo caso, a Procuradoria do estado do Rio de Janeiro liderou a implantação da Câmara de Resolução de Litígios de Saúde, prática colaborativa que procura atender, de forma antecipada, às pessoas que tradicionalmente buscam medicamentos, tratamentos ou internações por meio de ações judiciais. O atendimento feito por profissionais da área de saúde, com a supervisão de procuradores e defensores públicos, tem alcançado altos índices de conciliação prévia dos interesses em jogo e produzido a entrega mais ágil e desburocratizada dos remédios e serviços devidos pelo Poder Público.

Em suma, tais iniciativas demonstram que é possível enfrentar o problema da litigiosidade de massa envolvendo o Estado com meios alternativos à judicialização, sem relegar aqueles que têm pretensões legítimas contra a Fazenda Pública a segundo plano. Ao contrário, desjudicializar pode se tornar, em muitos casos e sem nenhum paradoxo, a forma mais eficaz de fazer justiça.

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