Entendimento do Carf

Contribuições sociais não devem incidir em stock options de empresas fechadas

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23 de abril de 2015, 7h30

Recentemente, a incidência de contribuições previdenciárias sobre as chamadas stock options tem recebido constante atenção da mídia, especialmente em virtude das decisões proferidas pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF, sobre o tema[i].

A matéria, sabidamente, não é nova. Executivos brasileiros, há algumas décadas, já participam dos mais diversos tipos de planos de stock options[ii], concedidos tanto por empresas brasileiras quanto por suas controladoras sediadas no exterior.

Todavia, após a edição da Lei 11.638/07, seguida pelo Pronunciamento Técnico CPC 10[iii], a atenção do fisco a esse assunto foi intensificada, especialmente em matéria de contribuições previdenciárias, haja vista que se estabeleceu a necessidade de serem reconhecidos, nos demonstrativos contábeis, os supostos benefícios decorrentes desse tipo de plano como sendo remuneração pela prestação de serviços.

Desde logo, devo adiantar que, em minha opinião, a aplicação do CPC 10 aos planos de stock options oferecidos aos colaboradores da empresa deveria estar restrita exclusivamente às situações nas quais as próprias condições do plano demonstrem que efetivamente o desconto fornecido na aquisição das ações seja decorrente dos serviços prestados.

Ocorre que os planos de stock options consistem, resumidamente, na outorga aos colaboradores da empresa de opções de compras de ações (ou quotas), por valores inferiores aos de mercado. Em geral, todavia, me parece que os planos de stock options não tem como objetivo propriamente retribuir o trabalho, pelo contrário, seu intuito é justamente o de dividir o risco e também o retorno com os colaboradores da empresa, de modo a alinhar os interesses dos acionistas aos dos colaboradores que, após adquirirem as ações acabam também se tornando acionistas.

Desse modo, na maioria das vezes, o desconto, nos parece, deve ser entendido não como remuneração pelo trabalho, mas como incentivo para que os colaboradores (que em geral podem não ter o perfil de investidores) adquiram participação societária e, portanto, mantenham seus interesses alinhados com os dos acionistas. Nesse contexto, o desconto estaria efetivamente no bojo de verdadeira operação comercial (de compra e venda de ações) e não da relação laboral, escapando efetivamente à incidência de contribuições previdenciárias.

Mas, nesse momento, nosso objetivo não é propriamente analisar os precedentes do CARF nem tentar afastar os fundamentos dessa exigência em relação às sociedades anônimas de capital aberto (principal foco das recentes decisões do CARF e sobre as quais diversos estudos já foram produzidos), mas sim de analisar referida incidência em relação às empresas de capital fechado.

Como se sabe, em empresas de capital aberto, o valor de mercado pode ser aferido pela simples consulta à cotação de referidas ações, de modo que a fiscalização tem entendido que a diferença entre os valores efetivamente pagos pela aquisição das ações e o respectivo valor de mercado constitui remuneração dos beneficiários (como uma forma de salário utilidade).

No entanto, o mesmo raciocínio não pode ser aplicado às empresas de capital fechado que, obviamente, não tem suas ações negociadas em bolsa. Aliás, a própria circunstância de as ações (ou quotas) não serem listadas em bolsa de valores já lhes retira uma característica fundamental que consiste na capacidade de sua livre circulação e, portanto, reduz sensivelmente a suposta “utilidade” das próprias ações.

Assim, deve-se destacar que possuir pequena parcela de ações de uma empresa de capital fechado é absolutamente diferente de deter ações de empresas de capital aberto que, ao menos em princípio, gozam de liquidez. É certo que em empresas de capital fechado o acionista minoritário claramente tem possibilidades muito mais restritas de realização de sua participação. Em geral, a venda a terceiros não se opera de forma livre ou é absolutamente vedada, as ações estão sujeitas ao chamado drag along ou outros tipos de restrições quanto à sua livre disposição. Ou seja, não se pode dizer que exista um mercado ativo para referidas ações.

Apenas essa característica, a meu sentir, já seria suficiente para descaracterizar eventual “desconto” na compra dessas ações como constituindo, de fato, uma utilidade para o beneficiário do plano, uma vez que, na prática, o único benefício imediato talvez seja a possibilidade de receber algum dividendo, se e quando houver referida distribuição.

A segunda característica que me parece impedir a tributação das stock options concedidas por empresas de capital fechado decorre da absoluta ausência de um valor de mercado para as ações adquiridas.

Entendemos que o CPC 10 determina a avaliação do valor das ações a partir de metodologias usualmente aplicáveis à precificação de ações ou opções, como forma de permitir o reconhecimento dos custos de referidas transações. Todavia, essas avaliações, ainda que admitidas pela regra contábil, não passam de meras estimativas do valor que o mercado eventualmente atribuiria a referidas participações se, de fato, estivessem disponíveis para negociação.

Nesse contexto, não se poderia, validamente, exigir as contribuições previdenciárias tendo como base de cálculo mera estimativa, baseada simplesmente em um modelo de precificação, ainda que aceito academicamente.

Com efeito, as contribuições previdenciárias devem incidir sobre os rendimentos pagos ou creditados[iv] e, em se tratando de suposto pagamento realizado mediante utilidades, entendemos que a única forma de avaliação possível seria a valores reais, ou seja, valores de mercado[v], mas como se sabe, para que a avaliação seja feita a mercado é necessário que haja mercado ativo, o que não ocorre com as ações de companhias fechadas.

Aliás, na verdade, essa estimativa de ganho pode sequer vir a se realizar. Em uma empresa negociada em bolsa se poderia argumentar que, a partir da aquisição das ações, se o colaborador tiver optado por manter as ações e, posteriormente, seu valor diminuir, tal fato teria ensejado efetivamente uma perda, experimentada pela singela circunstância de que o beneficiário teria assumido o risco na oscilação de seu ativo, que já estaria livre e disponível.

Não é isso, contudo, o que ocorre com ações de empresas de capital fechado, nas quais a manutenção das ações decorre muito mais de restrições do próprio contrato ou do mercado do que ao efetivo interesse de assumir riscos de oscilação nos valores.

Em suma, a despeito de as normas contábeis determinarem, também para empresas de capital fechado, a necessidade de se reconhecer os eventuais descontos concedidos aos colaboradores da empresa na aquisição de ações como parcela integrante de sua remuneração, somos de opinião que essa estimativa contábil não pode servir de base de cálculo das contribuições previdenciárias, justamente por não corresponder ao valor real de eventual benefício.

[i] Especialmente as proferidas nos Processos 15889.000245/2010-46, 10980.724030/2011-33, 10925.723207/2011-49, 11624.720211/2012-93, 10830.720566/2012-84, 16561.720198/2012-78

[ii] A referência a stock options, nesse contexto, deve ser entendida da maneira mais ampla possível, envolvendo tanto a concessão de opções de compra de ações, quanto planos de compra de ações ou a concessão das chamadas phantom shares.

[iii] Pagamento Baseado em Ações

[iv] Nos termos do art. 195, I, “a”, da Constituição Federal:

“Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;”

[v] Nesse sentido, deve-se notar que o art. 214, §11, I do decreto 3.048/99 (Regulamento da Previdência Social) determina que os ganhos recebidos sob a forma de utilidades deverão ser avaliados por seus valores reais que, obviamente, devem corresponder aos de mercado e não a meras estimativas, por mais bem elaboradas que possam parecer. A propósito, entendemos não ser aplicável, às stock options, o disposto no inciso II do mesmo dispositivo, segundo o qual na ausência dos valores reais deverão ser utilizados “os valores resultantes da aplicação dos percentuais estabelecidos em lei em função do salário mínimo, aplicados sobre a remuneração paga caso não haja determinação dos valores de que trata o inciso I”, haja vista que nesse caso não existem percentuais definidos em lei.

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