Jurisprudência fiscal

Carf, a discussão de crédito parcelado e outras questões tributárias

Autores

  • Mary Elbe Queiroz

    é advogada tributarista sócia da Queiroz Advogados Associados pós–doutora em Direito Tributário (Universidade de Lisboa – Portugal) Doutora em Direito Tributário (PUC-SP) mestre em Direito Público (UFPE) professora e presidente do Conselho Jurídico do Ibrei.

  • Antonio Elmo Queiroz

    é advogado sócio do escritório Queiroz Advogados Associados e diretor do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário e Finanças Públicas do Brasil.

23 de abril de 2015, 8h00

Spacca
Quando um contribuinte adere a um parcelamento, usualmente as normas exigem que desista do recurso em que esteja discutindo o crédito tributário parcelado.

Todavia, havendo também responsáveis tributários pelo crédito, surge o questionamento se perderiam o interesse em continuar o litígio administrativo, já que o parcelamento feito por um beneficia a todos, o que poderia deixar a responsabilização inócua. 

Enfrentando a questão, Turma do Carf decide que não há impeditivo para os responsáveis persistirem nos seus próprios recursos, pois somente no final o parcelamento extinguirá o crédito tributário; continuando, até lá, o interesse na discussão tanto do mérito do crédito quanto da responsabilização; assim ementado e fundamentado:   

Acórdão 3202-001.588 (publicado em 15.04.2015)

PARCELAMENTO. LEI Nº 11.941/2009. ADESÃO. PEDIDO DE DESISTÊNCIA.

O pedido de desistência do recurso voluntário, realizado pela “XX” deve ser homologado, uma vez que essa empresa aderiu ao parcelamento da Lei nº 11.941/2009, na modalidade de dívidas não parceladas anteriormente – art. 1° – demais débitos no âmbito da RFB.

Quanto aos demais recursos voluntários, interpostos pelas pessoas jurídica e físicas apontadas como responsáveis solidárias, persiste o interesse desses de vê-los julgados, não podendo a adesão ao parcelamento da “XX” interferir no justo empenho dos mencionados particulares de ver apreciadas as questões de fato e de direito trazidas por eles para o CARF, em grau recursal.

O recurso interposto por um dos autuados a todos aproveita, salvo se distintos ou opostos os seus interesses.

Voto (…)

Até porque o parcelamento (ao contrário do pagamento integral da dívida), realizado pela “XX”, pode ser futuramente rescindido. Nesse cenário, todas as pessoas a quem fora atribuída a responsabilidade tributária estariam submetidas à eventual cobrança, sem que tenham sido debatidos os temas veiculados em seus respectivos recursos voluntários.

Note-se que, em prevalecendo decisão favorável aos recorrentes remanescentes, no âmbito do CARF, relativamente à diminuição/exoneração do valor da cobrança, tal acórdão aproveitará à “XX”. O mesmo não ocorrerá se houver provimento dos recursos voluntários, apenas para afastar a responsabilidade tributária de algum dos recorrentes.

Serviço personalíssimo
A exploração de serviço personalíssimo por pessoa jurídica sempre foi alvo de questionamento por parte do fisco federal, apontando que o faturamento dessa PJ seria, por natureza, remuneração do sócio pessoa física, que tem tributação maior.

Mas, com o passar do tempo, o artigo 129 da Lei 11.196/05, que normatizou o tratamento fiscal dessas pessoas jurídicas, vem lhes garantindo a regularidade; como se nota no caso abaixo, em que atleta de futebol cedeu a exploração da sua imagem para PJ, mas sofreu autuação pois o faturamento foi tido como rendimento pessoal.

Contestando judicialmente o enquadramento, o contribuinte obteve provimento liminar assim fundamentado:

Mandado de Segurança nº 0028627-20.2015.4.02.5101 (publicado em 17.04.2015)

Com efeito, o direito à imagem é direito personalíssimo, protegido de forma genérica na Constituição Federal e no Código Civil (respectivamente, no artigo 5º, inciso X e nos artigos 16 a 20). É, nesse sentido, direito de todo cidadão. Aos atletas e artistas foram conferidos, além dessa garantia genérica, direitos especiais, relacionados às suas imagens, quando no exercício de suas profissões. Com efeito, o artigo 5º, inciso XXVIII, “a” do Texto Constitucional assegura “a proteção às participações individuais em obras coletivas e a reprodução da imagem e voz humanas, inclusive, nas atividades desportivas”.

Visto dessa forma, o direito de imagem de um artista ou atleta constitui um ativo, passível de exploração econômica por seu titular, ou por quem ele autorize. É legítimo que opte por explorá-lo através de pessoa jurídica constituída para tal fim.

Ademais, com a edição da Lei n.º 11.196/2005, apelidada de Lei do Bem, foi instituído um novo tipo de pessoa jurídica, que se caracteriza pelo exercício de atividade tipicamente não empresarial, tendo como elemento nuclear a prestação de serviço personalíssimo, ou não, de natureza intelectual, inclusive o científico, artístico e o cultural pelos seus sócios ou empregados.

De acordo com o artigo 129 do respectivo diploma, ―para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, se sujeita tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da observância do disposto no art. 50 da Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil. (…)

Demais disso, não se vislumbra, na hipótese dos autos, a ocorrência de simulação, uma vez que a pessoa jurídica tratada nos autos tem por objeto atividade lícita, não cabendo questionamento quanto à natureza personalíssima dos serviços, visto que não há expressa proibição legal nesse sentido. (…)

Assim, nas situações em que o contribuinte constitui empresas por meio das quais realiza contratos de prestação de serviços, somente serão tributáveis na pessoa física aqueles rendimentos provenientes de prestação de serviços de natureza personalíssima, cujo fato gerador tenha ocorrido antes da vigência da Lei n.° 11.196/2005. (…)

Do exposto, DEFIRO A MEDIDA LIMINAR requerida, para suspender a exigibilidade da cobrança oriunda do processo 15586.720.521/2014-24, e, como consequência, determinar que as autoridades impetradas forneçam a Certidão Positiva de Débito com Efeitos de Negativa (CPD-EN), desde que o único óbice à sua expedição seja a inscrição apontada nos presentes autos.

De fato e de direito
Durante um período, uma contribuinte não destacou o IPI das Notas Fiscais do seu estabelecimento industrial, pois a distribuidora destinatária das mercadorias possuía decisão judicial liminar suspendendo a exigibilidade do tributo.

Posteriormente, houve a revogação da liminar, e o fisco autuou o IPI que deveria ter sido destacado e recolhido em todo o período.

A contribuinte defendeu-se apontando “sua condição de terceira no processo judicial e da ausência de responsabilidade quanto ao objeto da referida ação, e defende que o IPI não pode ser dela exigido, tendo em vista que no período em que estava vigente a determinação judicial sob pena de descumprimento de ordem judicial”.

Apreciando a questão, Turma do Carf afastou a autuação do “contribuinte de direito”, pois a “contribuinte de fato”, ao alegar perante o judiciário que suportava todo o ônus econômico do tributo e conseguir medida liminar, seria a única responsável pelo não recolhimento do tributo; assim ementado:

Acórdão 3403-003.538 (publicado em 11.03.2015)

RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA. MEDIDA JUDICIAL. ART. 121 DO CTN E ARTS. 472 E 811 DO CPC. AUSÊNCIA DE CONDUTA ANTIJURÍDICA.

Quando "contribuinte de fato" ingressa em Juízo, sob o argumento de suportar o ônus econômico do tributo, e obtém provimento judicial que impeça os seus fornecedores de reterem e recolherem o tributo devido, tal ordem judicial constitui norma individual e concreta que desloca a responsabilidade tributária do tributo, sendo ele quem exclusivamente deu causa ao não recolhimento e ele quem tem legitimidade, reconhecida pela decisão, para responder por eventuais prejuízos ao Fisco.

A discussão judicial entre o "contribuinte de fato" e o Fisco apenas gera efeito entre ambos, fazendo "lei" entre tais partes, não envolvendo o contribuinte, sendo que em razão do artigo 811 do CPC é o "contribuinte de fato", quem deu início à discussão judicial e obteve provimento judicial em seu favor, que deve responder pela reversão da medida liminar.

RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA. MEDIDA JUDICIAL. ART. 121 DO CTN E ARTS. 472 E 811 DO CPC. AUSÊNCIA DE CONDUTA ANTIJURÍDICA. AUSÊNCIA DE COBRANÇA.

Se não há conduta antijurídica e por essa razão o afastamento das penalidades, sob o ponto de vista lógico não há que se falar em dever jurídico de recolhimento do IPI, o que impede que o contribuinte que simplesmente recebeu e cumpriu a ordem judicial obtida por "contribuinte de fato" sofra a exigência do tributo em questão por meio de atos jurídicos denominados auto de infração e de imposição de multa, pois ausente a ilicitude a fundamentar o AIIM.

RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA. MEDIDA JUDICIAL. ART. 121 DO CTN E ARTS. 472 E 811 DO CPC. AUSÊNCIA DE CONDUTA ANTIJURÍDICA. IMPOSTO COBRADO A PARTE. ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.

A cobrança dirigida ao contribuinte que recebeu e cumpriu ordem judicial ofende o próprio mecanismo de cobrança do IPI, pois como o Imposto é cobrado à parte, o contribuinte seria cobrado do Imposto (acrescido de multa punitiva e juros) que não foi repassado ao próximo elo da cadeia (contribuinte de fato), que justamente é o "contribuinte de fato", que se valeu da medida judicial para maximizar os seus lucros, não respondendo, com a autuação do contribuinte, pelo prejuízo que causou, e enriquecendo sem causa, o que é vedado em nosso Direito, ao se locupletar indevidamente de forma dupla.

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    é advogada e professora, pós-doutora em Direito Tributário pela Universidade de Lisboa, e doutora pela PUC-SP; mestre em Direito Público pela UFPE; presidente do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário e Finanças Públicas do Brasil; presidente do Instituto Pernambucano de Estudos Tributários; membro imortal da Academia Brasileira de Ciências Econômicas, Políticas e Sociais; membro do Conselho Jurídico da Fiesp (Conjur); sócia do escritório Queiroz Advogados Associados e Palestrante da FocoFiscal.

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    é advogado, sócio do escritório Queiroz Advogados Associados e diretor do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário e Finanças Públicas do Brasil.

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