Quinhão devido

Jurisprudência sobre fraude à execução trabalhista ainda não é pacífica

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22 de abril de 2015, 7h36

De acordo com o Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais, são diversos os estratagemas que alguns devedores usam na tentativa de se esquivarem de cumprir as obrigações reconhecidas em juízo. Um deles é a fraude à execução, prevista pelo artigo 593, inciso II, do Código de Processo Civil, que se caracteriza pela alienação ou oneração de bens pelo devedor, quando há contra ele demanda em curso.

Na prática, o devedor transfere seu patrimônio para que ele não seja penhorado na Justiça para pagamento da dívida. Porém, a norma processual o obriga a conservar bens suficientes para atender ao cumprimento de suas obrigações.

Desrespeitada essa norma, estará configurada a fraude à execução. Com isso, a venda ou transferência do bem pelo devedor será considerada sem efeito, podendo ser penhorado pela Justiça para quitação das dívidas do antigo proprietário, executado na ação. Nesse caso, a má-fé por parte do devedor não precisa ser provada pelo credor, pois ela é presumida pela própria normal legal.

Esse era o entendimento razoavelmente pacificado acerca da matéria, até que alterações legislativas trouxeram à tona novas discussões acerca dessa questão.

A Lei 11.382 de 2006 acrescentou ao CPC o artigo 615-A,  estabelecendo que a penhora realizada sobre um bem imóvel deve ser averbada no Cartório de Registro de Imóveis, sendo esse um requisito indispensável para a validade da constrição judicial. E o artigo 659, parágrafo 4º, do CPC, determinou a averbação do gravame judicial no ofício imobiliário, pelo exequente, para presunção absoluta de conhecimento por terceiros.

Vale lembrar ainda que, antes mesmo dessa alteração legislativa, o artigo 245 da Lei 6.015/73 já dispunha que a inscrição da penhora faz prova quanto à fraude de qualquer transação posterior.

Nesse cenário, a jurisprudência, buscando assegurar maior garantia e segurança dos negócios jurídicos, passou a examinar com maior rigor as alegações de fraude à execução nas situações em que o terceiro adquirente age de boa fé na aquisição de bens e direitos do devedor insolvente.

Em março de 2009, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 375, com o seguinte teor: "Reconhecimento Fraude à Execução — Registro de Penhora — Prova de Má-Fé do Terceiro Adquirente. O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da de má-fé do terceiro adquirente". De acordo com o entendimento nela expresso, a fraude à execução somente se configurará com a ocorrência de um destes dois fatos: a) registro da penhora do bem alienado; ou b) má-fé por parte do terceiro adquirente.

Essa jurisprudência ganhou aderência na Justiça Trabalhista, tanto que, atualmente, existe relevante divergência acerca da matéria. De um lado, prevalece o entendimento de que a fraude à execução se caracteriza pelo simples fato objetivo de o devedor ter alienado ou onerado bens sem reservar o quinhão necessário ao cumprimento de suas obrigações, sendo irrelevante o desconhecimento, pelo terceiro, da existência de ação trabalhista contra o vendedor. Assim, a má-fé do devedor é sempre presumida. Não se dá preeminência ao terceiro adquirente, mesmo tendo agido de boa-fé, uma vez que a execução, por expressa disposição de lei, se processa no interesse do credor e ao crédito trabalhista deve ser dispensada atenção especial. Caberia ao terceiro de boa-fé promover ação em face de quem lhe vendeu os bens em fraude à execução. Assim, para essa corrente, a súmula, cujo entendimento dificulta a configuração do ilícito processual, seria inaplicável ao processo do trabalho.

Por outro lado, ganhou vários adeptos a corrente de que fraude à execução somente se configurará com a ocorrência de um destes dois fatos: registro da penhora do bem alienado ou má-fé por parte do terceiro adquirente. Nesse caso, torna-se fundamental averiguar se o terceiro é pessoa absolutamente estranha às relações do devedor ou se, ao adquirir o bem, ele dispunha dos meios ordinários para verificar a real situação do bem do devedor. Isso a fim de se constatar se ele é ou não adquirente de boa fé.

TRT-3
No TRT-MG, a jurisprudência entende que configura fraude à execução a alienação levada a efeito ao tempo em que corria contra o executado demanda capaz de reduzi-lo à insolvência, sendo irrelevante que o terceiro adquirente não tenha agido de má-fé (conforme decisões nos processos 0000665-43.2014.5.03.0090; 0001646-79.2013.5.03.0099; e 0014200-85.1996.5.03.0020).

A transferência formal de bem após a data do ajuizamento da ação trabalhista também configura verdadeira fraude à execução, atentando contra o eficaz desenvolvimento da atuação jurisdicional já em curso, subtraindo o objeto sobre o qual a execução deverá recair (processo 01744-2012-072-03-00-0).

Já em casos de transferências do imóvel dentro do mesmo círculo familiar, dispensa-se a comprovação de má-fé para se concluir pela fraude à execução, uma vez que a transferência ocorreu quando já havia execução contra o devedor (processo 0157300-53.2001.5.03.0043).

Outra corrente do TRT de Minas, entende que tratando-se de penhora de imóvel, o artigo 659, parágrafo 4º, do CPC, na redação da Lei 11.382/06, determina a averbação do gravame judicial no ofício imobiliário como providência a qual ficará subordinada a eficácia perante terceiros. Por isso, para que se configure a fraude à execução é necessária a prova de que o adquirente teve ciência da constrição antes de adquirir o imóvel (processo 0000791-54.2012.5.03.0061).

Não são classificados como má-fé aquisições de bem imóvel quando não há inscrição da penhora no registro imobiliário (processos 0002259-84.2013.5.03.0104 e 0000791-40.2014.5.03.0043) ou quando o terceiro interessado demonstrou ter diligenciado em diversos órgãos a respeito da situação financeira da executada antes da celebração do contrato de alienação fiduciária, sendo surpreendido por execução trabalhista movida em estado distinto da sede da empresa e do local do imóvel penhorado (processo 0090600-02.2009.5.03.0048).

Dentro da jurisprudência do tribunal, não se reconhece fraude à execução, quando a alienação do imóvel é anterior à inclusão do executado no polo passivo da demanda. A teor da Súmula 375 do STJ, a boa-fé do terceiro adquirente, na espécie, é presumida, incumbindo ao exequente comprovar a existência de conluio e má-fé na concretização do negócio jurídico (processo 0001213-89.2012.5.03.0138). Com informações da Assessoria de Imprensa do TRT-3.

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