Dois gumes

"O problema é que direitos trabalhistas são considerados intocáveis"

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19 de abril de 2015, 7h47

Spacca
A Justiça do Trabalho se preocupa tanto em proteger o trabalhador e a relação de emprego que acaba se manifestando sobre entendimento doutrinário. Não é papel do juiz se manifestar contra ou a favor de um projeto de lei. O juiz deve ser escravo da lei e sua obrigação é fazer com que ela seja cumprida. Mas na Justiça do Trabalho não é bem assim. Essa é a visão de Paulo Eduardo Barcellos, sócio do escritório Rocha e Barcellos Advogados. O advogado defende uma mudança na legislação trabalhista para que ela cubra, de uma vez, as relações de trabalho que existem hoje em dia.

O problema, segundo o advogado, é que os “direitos trabalhistas” são considerados pela sociedade, políticos e trabalhadores “direitos intocáveis”. Ele afirma que há uma ideia de que o propósito das empresas é diminuir os direitos ou fraudar a legislação trabalhista. A avalanche de reclamações trabalhistas que chegam nas empresas todos os dias acabam fazendo com que os empregadores considerem a perda de um processo no salário dos trabalhadores.

“Essas reclamações trabalhistas têm uma influência muito grande no resultado da empresa. Se entrarem dez reclamações grandes num ano ou em dezembro numa empresa isso vai refletir no resultado e muitos que estão trabalhando não vão receber bônus”, afirma.

Além disso, Barcellos diz que há uma falta de conhecimento de muitos dirigentes sindicais de como pleitear os direitos que realmente são relevantes para os trabalhadores. Salário é o motivo comum entre os pedidos dos sindicalistas, mas, para o advogado, os sindicais também precisam saber pedir por melhores condições de trabalho, como saúde, jornada de trabalho, trabalho perigoso. “Esse tem que ser o foco do sindicato”.  

Vindo de uma família de advogados, Paulo Barcellos logo que entrou na faculdade prestou o concurso do Banco de Brasil, foi trabalhar como escriturário da instituição e fez seu caminho até chegar na área jurídica do banco. Lá, conheceu o Roberto Rocha e passou a ser o seu secretário. A parceria dura até hoje na sociedade Rocha e Barcellos Advogados. Eles acabam de inaugurar o escritório em Alphaville. E já se pode falar que eles estão avançados no uso das tecnolgoias: quase não se vê papel nas mesas dos advogados e há apenas um pequeno lixo para todo o escritório. Barcellos é totalmente a favor do processo eletrônico. “Já veio tarde”, diz ele, que trata a mudança de forma natural e não se deixar atrasar pelas adaptações do sistema.

Leia a entrevista:

ConJur — Quando o senhor trabalhou no Banco no Brasil, o advogado poderia exercer atividade fora da instituição. Isso deveria ser possível ainda?
Paulo Barcellos —
Sim. Na época, como agora, a jornada de bancário era de seis horas, mas o advogado podia trabalhar para outros clientes, porque se entendia na ocasião, e até hoje deveria ser assim, que trabalhar em outras áreas possibilitaria um desenvolvimento melhor para o advogado. E assim, ele estaria mais preparado para defender os interesses do banco, conhecendo outras áreas. E foi assim que eu e o Rocha fomos criando um escritório paralelo à atividade do banco. Eu era advogado de lá e também trabalhava para os funcionários do banco particularmente.

ConJur — Qual é a visão do mundo jurídico em relação a área trabalhista? É um ramo do Direito realmente “mal visto”?
Paulo Barcellos —
A área trabalhista parece ser o patinho feio do mundo jurídico. Até a maneira como os juízes tratam o advogado trabalhista é diferenciada. Os advogados, que representam os reclamantes, peticionam de uma forma diferente, se aproveitam de meandros da legislação trabalhista para tentar receber mais do que na verdade o empregado tem direito… A visão é um pouco diferente. Mas, no Brasil, há muitos advogados trabalhistas excelentes, que trabalham tanto do lado do empregado, quanto do empregador.

ConJur — A área trabalhista sempre foi a principal área do escritório?
Paulo Barcellos —
Eu e o Rocha começamos a advogar há 25 anos, não na área trabalhista, e sim na área cível, fazendo cobranças e ações ordinárias para a empresa Bayer. Foi quando o diretor da Bayer recebeu uma reclamação trabalhista e nos pediu para fazer essa defesa. Nós fizemos e tivemos sucesso! Isso mostrou a nossa tendência para a área trabalhista. Isso aconteceu com várias empresas. Somos bastante exigentes com a qualidade, o vigor, e forma de peticionar as ações trabalhistas. A gente trata aos processos trabalhistas da mesma forma do que qualquer outra área. E isso trás para os clientes um resultado mais positivo do que a média.  

ConJur — É necessário ter uma reforma trabalhista no Brasil? 
Paulo Barcellos —
Claro. O problema é que os “direitos trabalhistas” são considerados pela sociedade, políticos e trabalhadores como “direitos intocáveis”. Como se houvesse realmente um propósito de diminuir esses direitos. Hoje, os direitos trabalhistas são tantos, não em termos de benefício, mas de inúmeras interpretações, que tornam a relação de trabalho muito insegura. De modo que toda essa vasta legislação acaba prejudicando o trabalhador. É muito comum empresas que pretendem dar um determinado benefício aos funcionários e os advogados recomendam que não dê. Isso porque o benefício, dado uma vez, nunca mais pode ser tirado; ou o benefício pode ser considerado salário; pode ter autuação do INSS, da Receita Federal. Ou seja, pode gerar consequências inimagináveis. Muitas vezes, esses direitos são limitados em razão dessa dificuldade de interpretação.

ConJur — Como deveria ser feita essa reforma?
Paulo Barcellos —
A reforma deveria ser de toda a base e não apenas da área de Direito Material. No Direito Material, a mudança deveria ser feita em relação aos direitos do empregado, e, no Judiciário, deveria estabelecer também em conjunto com o direito material, uma diferenciação entre o empregado inicialmente incapaz de defender seus direitos, aquele empregado economicamente e intelectualmente prejudicado em relação ao empregador, que eu acho que esse precisa de uma proteção. Como por exemplo, existir a possibilidade de haver um acordo individual entre o trabalhador e a empresa, como existe em vários países. O contrato entre a empresa e o empregado é que determina as regras da relação trabalhista. Hoje, a lei e a jurisprudência prevalecem sobre isso. Não adianta o empregado propor ao patrão que trabalhe de segunda à quinta-feira, 12 horas por dia, e folgar sexta, sábado e domingo. Mesmo se o trabalhador quiser. A lei não permite isso.

ConJur — A Justiça Trabalhista trata a relação de trabalho como se as empresas tivessem o objetivo de fraude os direitos trabalhistas?
Paulo Barcellos —
Há uma ideia pré-fixada e até um pouco doentia do Judiciário Trabalhista de que as empresas têm a vontade e a pretensão do tempo inteiro fraudar os direitos trabalhistas. A frase “fraudar o direito trabalhista” é repetida por diversas vezes pelo Judiciário quando na verdade algumas empresas pagam mais do que a lei exige. Pelo menos no meio em que eu trabalho, que são empresas grandes, nacionais e estrangeiras. Por exemplo, algumas empresas, em vez de dar o acréscimo de um terço do salário nas férias, dão dois salários. Outras, pagam previdência privada integral para o trabalhador, o que não é obrigado por lei. Mas todas essas empresas são normalmente punidas por interpretações da lei que não correspondem à verdadeira intenção das partes na hora de contratar.

ConJur — Essa livre negociação com o trabalhador precisaria ter um limite?
Paulo Barcellos —
Deveria estar diretamente relacionado com o salário. Porque se o salário é alto, o empregador depende muito mais dele do que de outro e não quer perdê-lo. Então, de um certo nível salarial para cima, ficaria livre a negociação com o empregado.

ConJur — Como as empresas lidam com a avalanche de reclamações trabalhistas que ocorre no Brasil?
Paulo Barcellos —
Eu trabalho para um banco pequeno, por exemplo, que todo o empregado que sai, demitido ou que pediu demissão, entra com reclamação trabalhista. E todos têm uma grande chance de ganhar e quase sempre ganham. O mesmo acontece com outras empresas que já consideram a reclamação trabalhista na hora da contratação. Por exemplo, o empregado que seria contratado por R$ 5 mil, acaba recebendo R$ 4,5, já que a empresa leva em consideração o risco de perder um processo [quando aquele funcionário sair]. Essas reclamações trabalhistas têm uma influência muito grande no resultado da empresa. Se entrarem dez reclamações grandes num ano ou — em dezembro — numa empresa, isso vai refletir no resultado e muitos que estão trabalhando não vão receber bônus.

ConJur — Devemos reformar nosso modelo de relações trabalhistas, apostando mais na negociação coletiva e na conciliação, entre outros meios alternativos de solução de conflitos?
Paulo Barcellos —
Na prática, hoje não funciona. Há um despreparo tanto dos advogados, quanto das entidades sindicais que na verdade deveriam incentivar essas conciliações. A lei que prevê essas comissões de conciliação prévia não pegou. Em São Paulo, temos sindicatos muito bons, muito bem administrados e liderados por excelentes pessoas. Mas isso não é a realidade do Brasil. Na maioria dos casos prevalece sempre os interesses políticos dos sindicalistas, ou o interesse pessoal, o que prejudica uma isenção numa conciliação. Numa conciliação, precisamos pressupor que as partes estão de alma aberta, com vontade de fazer um acordo e reconhecer se há erros ou não. Não estamos preparados ainda para isso.

ConJur — Os meios alternativos de solução de conflitos funcionam melhor quando o cargo do empregado é mais alto?
Paulo Barcellos —
Eu defendo que acima de determinas faixas salariais, a arbitragem é plenamente viável para solucionar os conflitos trabalhistas. Nós fazemos muitos contratos de dirigentes de empresas que têm muitos detalhes e determinam muitas vantagens tanto para o empregado quanto para a empresa. Quando a empresa contrata alguém e paga muito, a empresa não quer perder o funcionário. Não há interesse em fraudar a lei.

ConJur — A CLT precisa ser reformada?
Paulo Barcellos —
Alguns retoques da CLT são importantes. É lógico que a lei deve continuar dando os direitos básicos ao trabalhador, como jornada de trabalho, intervalo para refeição, intervalo intrajornada, horas extras e férias. Mas, existem alguns ajustes que poderiam ser feitos, por exemplo, a questão de insalubridade e periculosidade. O Brasil é talvez o único país do mundo que paga por prejudicar a saúde do trabalhador. Quer dizer, se o empregado trabalha num ambiente insalubre, basta o empregador dar uma quantia de dinheiro pra ele que está resolvido? Não. Não está resolvido. A empresa tem que se adequar para que aquele trabalho não afete a saúde do trabalhador.

ConJur — O mesmo acontece com a periculosidade?
Paulo Barcellos —
Sim, o empregado trabalha em um ambiente perigoso então ele ganha 30% a mais de um salário mínimo. Isso não resolve o problema. O trabalho vai continuar sendo perigoso. A não ser que as empresas adotem equipamentos, medidas de segurança que minimizem aquela possibilidade iminente de um perigo que possa afetar a saúde o trabalhador. Isso por exemplo tem que rever. Posso citar um exemplo de uma empresa da área de automobilística que resolveu, em comum acordo com os funcionários, que o almoço seria de meia hora, ao invés de uma hora. E assim, eles poderiam sair meia hora mais cedo. Todos concordaram com a medida, inclusive o sindicato. Mas os funcionários que foram mandados embora entraram com reclamações trabalhistas, dizendo que eram obrigados àquilo. E todos ganharam, já que o tribunal entende que ter uma hora de almoço é uma questão de saúde e condenou a empresa a pagar hora extra. A empresa então resolveu tirar essa medida e os empregados deixaram de sair mais cedo. Ou seja, o sindicato quer, os empregados querem, a empresa quer, mas a Justiça não quer. O Estado deveria criar uma legislação mais moderna e atual, para tratar das relações de trabalho que existem hoje.

ConJur — Os sindicatos ainda têm algum poder? Eles são levados em consideração quando o caso vai para o Judiciário?
Paulo Barcellos —
O peso é relativo. Se o juiz entender que a posição adotada pelo sindicato é prejudicial ao trabalhador, ele a desconsidera. Lembrando que os acordos coletivos são sempre submetidos a assembleias. Não é o sindicato que toma a decisão e negocia, à revelia dos trabalhadores. Mesmo assim, o tribunal pode dizer que o acordo não vale. Nos anos oitenta, houve uma greve em Belford Roxo, em um parque industrial da Bayer. A empresa montou fábricas enormes lá e os funcionários quebraram o local todo. Os alemães não se conformaram. Eles não entendiam como os empregados estavam quebrando o próprio ganha-pão. As fábricas ficavam no meio do mato e todo mundo vivia da empresa e tinham todos os benefícios das empresas alemãs. Então, a Bayer convidou o presidente do sindicato e mais três ou quatro funcionários para passar um tempo na Alemanha. Não na Bayer, mas no sindicato, para aprender a defender os trabalhadores. Eles foram treinados para conquistar melhores salários, condições de trabalho, segurança, plano de saúde. O presidente do sindicato voltou e nunca mais houve nenhuma greve e os funcionários da Bayer são super bem tratados.

ConJur — Os dirigentes sindicais não sabem como lutar pelos direitos dos trabalhadores?
Paulo Barcellos —
Há uma falta de conhecimento de muitos dirigentes sindicais de como pleitear os direitos que realmente são relevantes para os trabalhadores. É lógico que todo mundo quer ganhar mais, isso é indiscutível. Mas, os sindicais também precisam saber pedir por melhores condições de trabalho, como saúde, jornada de trabalho, trabalho perigoso. Esse tem que ser o foco do sindicato. Muitas vezes, vemos greves por bobagens, eles decretam greve sem motivos.

ConJur — Como analisa o tempo de tramitação dos processos trabalhistas? É rápido ou lento? O que poderia ser mudado?
Paulo Barcellos —
Houve uma queda significativa no tempo de duração do processo trabalhista que está cada vez mais rápido. A média de tramitação dos processos depende de cada região. Nos tribunais regionais em São Paulo são dois anos no máximo, em Minas Gerais, o processo termina em oito meses. A regra processual, já desde a época do início da lei trabalhista, é a audiência uma que consiste no juiz ouvir as partes, as testemunhas e proferir a sentença na hora. Essa é a regra, mas na prática, em razão do volume de trabalho, isso acaba se prolatando. Mesmo assim, no geral, o processo está rápido do que era antes.

ConJur — Servidora temporária tem direito à licença-maternidade?
Paulo Barcellos —
A lei trabalhista prevê a possibilidade de fazer um contrato de trabalho por tempo determinado e também diz que a empregada gestante tem direito a estabilidade. A estabilidade é dada à funcionária para impedir a dispensa obstativa, ou seja, impedir que o empregador dispense a empregada grávida para não ter de pagar a estabilidade dela. Mas, se o contrato for por prazo determinado, não há esse risco, porque a empregada já foi contratada sabendo que o contrato dela ia terminar naquele dia. A empregada não vai ser demitida porque está grávida, simplesmente o contrato dela vai terminar. A rigor, não deveria se aplicar a estabilidade para essa empregada, porque ela já ia sair da empresa. Ela teria direito a licença-saúde, se ela tiver o parto durante o contrato de trabalho, mas não a estabilidade para não ser demitida. Mas não é isso que entende o Judiciário.

ConJur — A jurisprudência entende que, independentemente de o contrato ser por prazo determinado, a empregada grávida tem estabilidade.  
Paulo Barcellos —
Acontece que tem certas situações de contrato de trabalho por prazo determinado em que a empregada sai de licença e ultrapassa o vencimento do contrato. A lei diz que se ultrapassado o vencimento do contrato e o trabalhador continuar trabalho, automaticamente, o contrato se torna por prazo indeterminado. Mas então se a empregada foi contratada por prazo determinado, ficou grávida, saiu de licença, o contrato dela se converteu para contrato por prazo indeterminado ou não? A jurisprudência tem entendido que converte em indeterminado…

ConJur — Para o TST, subordinação, hierarquia e não eventualidade são essenciais para que seja reconhecido o vínculo empregatício. O sistema PJ também vincula o empregado ao empregador?
Paulo Barcellos —
Sim, é uma maneira. É por isso que eu digo que quem usa PJ são pessoas de um nível econômico acima. Determinadas atividades profissionais, em que há uma relação madura com o empregador e com o empregado, se decide correr o risco. Tanto um quanto o outro. O empregado core o risco, porque está recebendo um salário que ele chama de distribuição de lucros. Como salário, ele pagaria, dependendo do valor, 27,5% de imposto de renda. Como distribuição de lucro, ele vai pagar 15%. Então o empregado também está sujeito a ter que pagar imposto sobre essa verba. Se essa pessoa que é PJ entrar com uma reclamação trabalhista, pedir vínculo, e ganhar, ela tem que pagar imposto de renda. Mas na prática isso não acontece. A maioria dos juízes faz acordo porque, normalmente, é uma relação de emprego madura.

ConJur — O senhor acredita que a lei pode se adaptar à realidade dessas novas relações de trabalho?
Paulo Barcellos —
Não, porque isso está diretamente relacionado à arrecadação. Nessa relação entre as duas partes do PJ, o único prejudicado é o Estado, que deixa de arrecadar INSS e imposto de renda. INSS por parte do empregador e imposto de renda por parte do empregado. Então é 10% a menos do empregado e 20% a menos do empregador.

ConJur — Ministros do TST assinaram manifesto contra a terceirização. É papel do juiz se manifestar contra um projeto de lei?
Paulo Barcellos —
Obviamente não. A Justiça do Trabalho é um pouco diferente da Justiça normal. Eles têm essa preocupação muito grande em proteger o trabalhador, a relação de emprego e muitas vezes acabam se manifestando em relação a entendimento doutrinário. A regra é que o juiz é escravo da lei e é obrigada a fazer a lei ser cumprida. Na Justiça do Trabalho não é bem assim. Há uma interpretação da lei mais favorável aos valores que os juízes entendem que são mais importantes. É para proteger o empregado, para dar mais segurança. Isso gera uma insegurança jurídica.

ConJur — Juiz dar entrevista para a imprensa é bom ou ruim?
Paulo Barcellos —
Eu acho ruim. Porque o ministro deve ser absolutamente imparcial e as convicções pessoais dele não devem interferir em uma decisão judicial.  As leis foram aprovadas pelo Congresso. O juiz não pode, a critério dele, mudar a interpretação porque ele acha que aquilo não é bom. Ele tem que saber dividir o que ele pensa e o que ele tem como função profissional. Quando aceitamos que cada um interprete a lei da maneira que achar melhor, cria essa insegurança jurídica que vivemos.

ConJur — O critério de atividade-fim é suficiente para definir se a terceirização é legal ou ilegal?
Paulo Barcellos —
Atividade-fim não pode ser terceirizada. Mas, o que é atividade-fim para uma empresa? O que realmente precisa identificar para a terceirização é se o empregado terceirizado está sendo prejudicado. Às vezes, a terceirização é até mais cara para a empresa, mas no resultado final é mais vantajoso, porque o terceirizado é especialista no que faz. A empresa prefere contratar um especialista naquele tipo de atividade que vai baratear no final do custo. Por outro lado, muitas vezes, a terceirização ocorre para não dar aos empregados terceirizados os mesmos direitos dos empregados da empresa. E isso é fraude. Mas, não se pode tomar isso tudo como verdade e dizer que terceirização é fraude. Não é.

ConJur — Hoje em dia há muitas investigações de casos de situação análoga à escravidão. Os casos mais famosos são os das grandes lojas de roupa. Elas devem ser responsabilizadas porque a empresa terceirizada usou trabalho escravo?
Paulo Barcellos — Hoje estão atribuindo a essas empresas a responsabilidade. É o conceito do know your client. É preciso conhecer o seu cliente e com quem a empresa está fazendo negócio.

ConJur — Qual é o conceito de trabalho escravo? Há uma discussão sobre a portaria do Ministério do Trabalho que cria a chamada lista suja do trabalho escravo. O senhor é favorável a essa divulgação?
Paulo Barcellos —
Trabalho escravo é ter alguém trabalhando para a empresa sem receber os direitos básicos do trabalhador. Mas chega-se ao ponto de se admitir que se a empresa não deu férias ao empregado, ele é escravo. É um exagero. Eu acredito que existe trabalho escravo, mas fazer uma lista e definir que determinadas empresas trabalham com funcionários escravos é rigoroso demais, e isso pode ter uma repercussão gravíssima para a companhia. Para mim, falta critério definido para fazer a lista. Se não houver isso, eu acho que é uma temeridade definir uma empresa que trabalha com escravo.

ConJur — Qual a maior dificuldade da Justiça do Trabalho hoje?
Paulo Barcellos — É o volume de trabalho, que não permite que o juiz se concentre em apenas um assunto e profira uma decisão de muita qualidade. Eu até acho que os juízes fazem milagre. Lógico que, uma vez ou outra, sai alguma coisa errada, mas eles têm dado conta do recado.

ConJur — Qual a sua opinião sobre o processo eletrônico? Há resistência por parte dos advogados quanto ao PJe?
Paulo Barcellos —
Há uma resistência dos advogados, mas eu acho que o processo eletrônico já veio tarde. Aqui no escritório não temos papel há algum tempo. Eu acho isso fabuloso e que foi um grande passo pro Judiciário brasileiro. Não só no sistema trabalhista, mas no sistema civil, em todos os tribunais. É óbvio que existe um choque de cultura. Nós advogados somos muito apegados ao papel. Então precisa haver uma modificação mental para poder aceitar que agora o processo é eletrônico. Existem problemas ainda para saber qual é o melhor sistema, mas eu acho que é um caminho sem volta e que quanto mais isso for implantado no Brasil inteiro, mais rápido vai fluir as decisões judiciais.

ConJur — A liberdade sindical deveria ser plena no Brasil?
Paulo Barcellos —
Não, porque existem pessoas mal intencionadas que criam os sindicatos para proveito próprio. Hoje, para abrir um sindicato, é absolutamente simples. Basta fazer uma assembleia, com determinado número de pessoas em cada categoria, registrar isso no registro de títulos e documentos, e pedir o arquivamento disso no Ministério do Trabalho. O sindicato propicia, do ponto de vista econômico, uma receita considerável do imposto sindical, das receitas que são destinadas aos sindicatos. E ao mesmo tempo também dá algumas vantagens para os diretores dos sindicatos, como estabilidade no emprego. Deveria haver uma limitação, uma regra, para o funcionamento de um sindicato.

ConJur — O modelo único por categoria/localidade atende às nossas necessidades?
Paulo Barcellos —
Não. O Brasil é muito grande e tem diversas realidades. Eu defendo muito mais, ao invés dos acordos coletivos por categoria, esses acordos por empresa, ou por segmento, que são mais específicos da realidade daqueles trabalhadores.

ConJur — Os sindicatos perderam o poderio político que tinham nos anos 1980?
Paulo Barcellos — Eu acho que não. Eles estão no governo até hoje! No Brasil, os sindicalistas estão ocupando as principais posições do país. Eu acho até o contrário, aumentou o poder, o que não é ruim. É a realidade do país. Democracia é o governo do povo, para o povo e pelo o povo. Então o povo está representado no governo.

ConJur — O que pensa a respeito das mudanças feitas no seguro-desemprego?
Paulo Barcellos —
Eu sou favorável que sejam modificadas as regras, porque a gente tem assistido muitas situações em que as pessoas recebem o seguro-desemprego sem ter direito. Isso é absolutamente comum. Existe uma má interpretação do que é o seguro-desemprego. Na maioria dos países, as pessoas ficam envergonhadas de receber o seguro, e no Brasil não. Aqui é mais um “bolsa-família”. É preciso ter regras rígidas para o pagamento desse benefício que deveria ser pago apenas para aqueles que realmente precisam. Esse benefício e tanto outros, como auxílio-saúde, auxílio-doença, representam um custo muito grande para o país. Com todo mundo pedindo esses benefícios, muita gente que tem o direito, não consegue e fica na fila esperando.  

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