Caminho tortuoso

Com regime distorcido, impacto negativo do Decreto 8.426 é evidente

Autores

  • Bruna Camargo Ferrari

    é advogada contadora mestre em Direito Tributário pela FGV Direito-SP professora da pós-graduação lato sensu da FGV Direito-SP e sócia da área tributária do Lobo de Rizzo Advogados.

  • Nara Cristina Takeda Taga

    é professora da FGV Direito SP. Coordenadora do Núcleo de Direito Tributário Aplicado do Mestrado Profissional da FGV Direito SP.

16 de abril de 2015, 7h13

No último dia 1º de abril, os contribuintes foram novamente surpreendidos: as receitas financeiras, beneficiadas pela alíquota zero pelo PIS e pela Cofins desde 2005 pelo Decreto 5.442/05, voltaram a ser tributadas, respectivamente, pelas alíquotas de 0,65% e 4%, nos termos do Decreto 8.426/15, o qual produzirá efeitos a partir de julho de 2015.

Com o “retorno” das referidas alíquotas, também ressurgiram as discussões — temporariamente esquecidas por conta da alíquota zero — focadas na inconstitucionalidade do aumento dos tributos e na possível não observância ao princípio da não-cumulatividade.

Não bastassem tais questionamentos, o recente Decreto também suscita três questões relevantes que devem ser enfrentadas: (i) a definição do que sejam receitas financeiras, (ii) o momento da tributação de tais receitas e (iii) a imunidade da variação cambial atrelada às receitas de exportação.

São entendidas como receitas financeiras os juros recebidos, os descontos obtidos, o lucro na operação de reporte, o prêmio de resgate de títulos ou debêntures e os rendimentos nominais relativos a aplicações financeiras de renda fixa (Decreto-Lei 1.598/77). Consideram-se também receitas financeiras, para efeitos do PIS e da Cofins, as variações monetárias dos direitos de créditos e das obrigações do contribuinte (em função da taxa de câmbio ou de índices ou coeficientes aplicáveis por disposição legal ou contratual). De outro lado, assimetricamente, as despesas financeiras não representam créditos para a apuração de tais contribuições (artigos 3º da Lei 10.637/02 e 3º da Lei 10.833/03, com redação conferida pela Lei 10.865/04).  Da combinação de tais fatores, é possível concluir que há tributação da variação cambial positiva, sem a possibilidade de compensação da variação cambial negativa.

A tributação da variação cambial por competência agravava esta assincronia, gerando inúmeras controvérsias. A solução foi dada pelo artigo 30 da MP 2.158-35, que determinou a tributação somente no momento de liquidação da operação correspondente. A partir de então, a tributação passou ser realizada pelo regime de caixa, sendo opcional o regime de competência, para efeitos da legislação do imposto de renda, da contribuição social sobre o lucro líquido, do PIS e da Cofins.

Com a publicação do decreto em análise, deparamo-nos com a mesma situação de outrora: a pessoa jurídica tem o direito de efetuar a opção pelo regime de competência somente no mês de janeiro de cada ano, podendo alterar o regime adotado exclusivamente no caso de elevada oscilação da taxa de câmbio. Com o restabelecimento da tributação da variação cambial ativa pelo PIS/Cofins a partir de julho/2015, a pessoa jurídica optante poderá ser ainda mais penalizada. O impacto financeiro da tributação das variações cambiais ativas é substancial, piorado pela inclusão das operações de hedge atreladas à variação cambial e, de forma ainda mais gravosa, pela impossibilidade de compensação de eventual variação cambial negativa.

No caso das empresas exportadoras, a tributação da variação cambial atrelada às receitas de exportação a serem recebidas já foi questionada perante o STF, com repercussão geral reconhecida nos autos do RE 627.815. A decisão do Supremo afastou o argumento de que tais receitas seriam de natureza financeira, entendendo aplicável a imunidade do artigo 149, parágrafo 2º, inciso I, da Constituição Federal. Assim, as variações cambiais positivas são receitas de exportação, sendo os contratos de câmbio essenciais e etapa inafastável desse processo. Ao estender a desoneração a todas as receitas que têm sua causa na exportação, o STF buscou assegurar que as empresas exportassem produtos e não tributos.

A decisão, porém, pode suscitar questionamentos quanto à sua abrangência: somente as receitas de variação cambial de clientes no exterior diretamente atreladas a contratos de exportação de mercadorias estariam contempladas? Ou também estariam abarcadas as receitas de variação cambial decorrentes de contratos de pré-pagamento de exportação, adiantamento sobre contrato de câmbio e adiantamento sobre cambiais entregues?

Partindo-se da premissa, adotada pelo próprio Supremo, de que todas as receitas decorrentes direta e indiretamente de exportações são imunes, é possível argumentar que as variações cambiais referentes a contratos com instituições financeiras relacionados às exportações devem igualmente ser, ainda que para antecipação de recebíveis futuros.

Podemos dizer que o Decreto 8.426/2015 deixou rastros: emplacou mais um susto do Executivo, estabeleceu mais um desincentivo às aplicações financeiras e às operações de crédito de investidores residentes e, por fim, impôs novamente a majoração da carga tributária às pessoas jurídicas brasileiras. Resultados desse caminho tortuoso: sua previsão é inconstitucional, seu regime está distorcido e seu impacto negativo é evidente.

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