Conselhos Consultivos

Democracia e transparência: é isso que esperamos do CNJ

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16 de abril de 2015, 6h00

Causam perplexidade as manifestações contra a criação, pela atual gestão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), dos Conselhos Consultivos de presidentes de tribunais de Justiça e de associações de juízes. Sem qualquer intenção de intervir nas questões internas do CNJ, ação que não compete a uma entidade de classe, impõe-se uma contraposição para que não pairem dúvidas sobre os propósitos da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) ao buscar espaço institucional para contribuir nas políticas nacionais emanadas pelo mais importante órgão da Justiça Brasileira.

Distinto do que sustentam tais críticas, não está nas intenções da magistratura brasileira esvaziar o CNJ, ao contrário, a postura histórica da AMB sempre foi de buscar a máxima efetividade das políticas nacionais para o Poder Judiciário. Assim, as manifestações públicas, inclusive de membros do próprio Conselho, surpreendem e pecam por um equívoco conceitual, notadamente como revela o primeiro artigo assinado por uma conselheira, intitulado “Cortejo Fúnebre. O Enterro Precoce do CNJ”, em tom de obituário, quando, sem disfarces, demonstra a intenção de controlar a magistratura na medida que pauta seu texto por uma concepção subvertida da ordem constitucional e alheia aos parâmetros basilares de uma instituição que deve primar pela independência.

O CNJ não pode e não deve controlar a independência dos juízes pelo mesmo motivo que a imprensa não deve ser controlada, pois é requisito da democracia a existência de juízes independentes e de uma imprensa livre. Simples assim. Desnecessário, mas é importante a leitura atenta do parágrafo 4º do artigo 103-B da Constituição Federal — Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe foram conferidas pelo Estatuto da Magistratura.

Nos incisos seguintes não há qualquer autorização para o exercício do controle de magistrados nos termos sugeridos no texto da conselheira indicada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O indisfarçável desejo talvez justifique o ato falho.

Controle financeiro e administrativo do Judiciário não é, e não deve ser, sinônimo de controle da magistratura, e a fiscalização dos deveres funcionais dos juízes sintetiza a competência disciplinar, o que não se questiona.

A memória seletiva imperou nas manifestações, talvez fruto destes tempos de extremismos consequentes da febre de indignação que aflige a sociedade brasileira. Tempos propícios para se buscar retrocessos sociais pela via do discurso da moralidade. Com muita naturalidade, o devido processo legal e seus componentes, como a publicidade dos atos processuais, deixam de ser axiomas e a sua abolição se transforma em subterfúgio moral do discurso. O fim das sessões secretas, requerida pela AMB e deferida pelo atual presidente do Conselho, ministro Ricardo Lewandowski, virou absurdo. Afinal, tal prática era corriqueira em gestões anteriores sem qualquer assombro.

Nos dez anos de existência do CNJ a magistratura brasileira sempre esteve à frente das medidas que deram mais transparência, moralidade e efetividade aos tribunais. Muitas das determinações do CNJ neste sentido foram requeridas pelas associações de juízes. Lutamos no Conselho pelo fim do nepotismo e, editada a Resolução 07, a AMB ajuizou no STF a ADC 12, diante da relutância de alguns tribunais em cumprir a resolução. O resultado foi a Súmula Vinculante 13, que estendeu a medida aos Três Poderes da República. Foram vários os requerimentos questionando os critérios de promoções e outros tantos buscando a melhor distribuição de recursos nos tribunais. A adjetivação como entidade meramente corporativa contrasta com o histórico da AMB.

É um reducionismo agressivo. No ambiente democrático é necessário habituar-se às críticas e o CNJ não está imune a elas. É factual que o Conselho nestes dez anos ainda não tenha dado uma resposta satisfatória à sociedade no que diz ao maior problema do Judiciário Brasileiro, que é a morosidade.

A competência disciplinar que deu proeminência pública a alguns atores do órgão não pode suprimir o que tem de mais grave na Justiça Brasileira que é o alto e crescente índice de congestionamento judicial. O Banco Mundial, em relatório emitido no início da primeira década do milênio, concluiu que o problema do Judiciário Brasileiro não é a corrupção, mas a morosidade. O documento não serve como justificativa, por óbvio, para que o Conselho descure de seu caráter disciplinar, que é importante, mas não se compreende sua omissão histórica em promover o debate público sobre o congestionamento judicial com pelo menos igual intensidade com que se expõe as questões disciplinares.

A ineficácia das políticas no âmbito da efetividade da jurisdição é constrangedoramente revelada nas sucessivas edições do relatório Justiça em Números. A cada ano, apesar de aumentar a produtividade dos juízes, aumentam as taxas de congestionamento. A justiça tardia é uma tragédia social que não alcança a percepção de organismos encastelados, mas pode ser melhor compreendida pelo CNJ se trabalhar em conjunto e com a participação de todos os magistrados brasileiros. Infelizmente, propósitos contrários foram expressados nas irresignações de alguns conselheiros.

Ao contrário do que expressados nos manifestos, as festejadas metas não são devidamente discutidas com a magistratura, talvez exatamente neste ponto resida a sua ineficácia, porque são programas impostos. Isso ficou bastante claro na fala dos presidentes das associações de magistrados, nos dez minutos concedidos no evento de 2014, que definiu as metas. Aliás, espaço inédito concedido pelo presidente Lewandowski, que inaugurou um novo momento de diálogo.

O CNJ não teve, ainda, a capacidade de blindar o sistema judicial brasileiro do seu uso predatório, o que se deve em boa parte à ausência da noção estratégica de sua atuação. Os magistrados brasileiros hipotecam no Conselho a esperança de que se consolide uma política eficaz para superar essa verdadeira crise judicial. Queremos ajudar e propor medidas que de fato possam dar à sociedade um serviço capaz de romper com a histórica morosidade da Justiça. Apontamos insistentemente esse problema e propomos políticas mais rigorosas no âmbito técnico e que comprometa os demais atores do Judiciário, já que a magistratura está cumprindo o seu papel.

Não aceitamos alardear produtividade sem que isso resulte em ganhos à sociedade, como ocorre nos resultados de algumas metas. A meta número quatro, que prioriza processos sobre corrupção, é um exemplo marcante. O cumprimento da meta é considerado com a prolação da sentença de primeiro grau, como se isso bastasse para dar efetividade ao processo. Não foi considerado o anacrônico sistema recursal brasileiro, que com muita facilidade suspende eternamente a aplicação das sentenças. E como fica o acompanhamento nos demais três graus de jurisdição? Esqueceram que é o trânsito em julgado das decisões que irá efetivar a punição e a reparação. O detalhe demonstra que a meta em questão serve mais para dar uma satisfação à sociedade do que buscar resultados concretos.

Não há um integral acompanhamento do processo em todos os degraus de jurisdição ou qualquer estudo sobre a quantidade infindável de recursos que levam à prescrição e à impunidade. Criticamos essa e qualquer outra política que não enfrente a fundo a questão e que sirva apenas para exaltar uma ação que alimenta a sociedade com vento.

O Conselho ainda não enfrentou com políticas bem definidas os graves obstáculos que impedem o Judiciário de ser mais efetivo no seu papel constitucional. Basta ver a timidez com que são propostas normas processuais compatíveis com a demanda judicial do nosso tempo. O novo Código de Processo Civil foi legislado praticamente à revelia do Conselho, que ficou inerte em um momento que deveria provocar um grande debate sobre o tema no Judiciário. Imperou no texto a lógica setecentista formada para tratar individualmente litígios que afetam milhões de cidadãos. O acúmulo de seus dez anos de atuação não foi vertido para influenciar nesta importante legislação. Uma oportunidade perdida para o desespero da magistratura que tem a função de processar e julgar em um sistema que lida com quase 100 milhões de processos.

A participação dos juízes e juízas neste contexto é fundamental. É inconcebível que políticas tão importantes para o funcionamento do Judiciário não tenham a participação ativa dos magistrados. A criação dos Conselhos Consultivos pela atual presidência do CNJ pavimenta a oportunidade de opinar e sugerir políticas mais efetivas, porque o conhecimento do sistema judicial brasileiro não se esgota na atuação dos conselheiros do CNJ, além do que uma das maiores críticas que temos ao órgão é a sua incapacidade de democratizar a Justiça Brasileira. Ao contrário, seu viés centralizador e unitário é um dos maiores obstáculos para que se apropriem do que está acontecendo no Judiciário de todo o país.

É imperioso reconhecer a complexidade desse sistema, talvez resida aqui a nossa inconveniente presença. Queremos fugir do tratamento superficial de questões complexas que exigem análise crítica e de profundidade. O momento é de abandonar a zona de conforto e escapar da política do ‘faz de conta’. É preciso buscar uma nova forma de intervenção, capaz de produzir efeitos reais de melhoramento. A razão monopolizada é incompatível com a democracia substancial, o que nos leva à saudável dependência institucional, sem a qual não avançamos.

É o momento de guardar as armas, construir e suspender o velório.

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