Futuro sombrio

Não há razão para comemorar decisão do Supremo sobre precatórios

Autor

  • João Paulo Guimarães da Silveira

    advogado sócio de Bussamara e Silveira Advogados membro da Comissão de Precatórios da OAB/SP desde 2004 membro do Comitê Estadual de Precatórios do TJ/SP - biênio 2014/2015 membro do Comitê Gestor de Contas Especiais do TJ – SP – biênio 2014/2015.

15 de abril de 2015, 6h03

No dia 25 de março, o Supremo Tribunal de Federal concluiu a modulação do acórdão prolatado, em maio de 2013, na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.357), ajuizada pela OAB contra a Emenda Constitucional 62, de 09/12/2009. Em síntese, decidiu o STF que (i) o regime especial de pagamento de precatórios, apesar de inconstitucional, deve ser mantido por mais 5 anos, contados de 01/01/2016; e (ii) que, no tocante aos precatórios devidos pelas fazendas estaduais e municipais, fica mantida a correção monetária pelo  índice oficial da caderneta de poupança (TR), até 25/03/2015, data após a qual os créditos não-tributários devem ser corrigidos pelo IPCA-E/IBGE e os créditos tributários, pelos mesmos índices aplicados pelas referidas fazendas para a correção dos seus créditos tributários.

Nos dias que se seguiram à conclusão do julgamento, a decisão do STF foi comemorada pela Ordem dos Advogados do Brasil e por colegas advogados, que se manifestaram através de diversos órgãos de imprensa, festejando, sobretudo, o fato de o STF ter fixado um prazo (5 anos) para que o estoque de precatórios seja quitado. Porém, em que pese o notável trabalho feito pela OAB para combater em diversas frentes a “Emenda do Calote” (trabalho iniciado mais de 3 anos antes da sua promulgação, quando começou a tramitar no Congresso Nacional a então PEC 12/2006), penso que não há razão alguma para comemorar. Pelo contrário.

Primeiro, porque, postas as coisas sob perspectiva meramente cronológica, tem-se que a intenção da EC 62/2009 foi estabelecer uma moratória de 15 anos. Ora, até 31/12/2020, 11 anos terão transcorrido, a despeito da obscena inconstitucionalidade da medida em questão. Fosse o caso de se distribuir os ônus da sucumbência, a autora da ação (OAB) arcaria com 73,33% e o réu (Congresso Nacional) com apenas 26,66%.

Por outro lado, ao passo em que a TR sofreu uma variação positiva de apenas 3,43% entre dezembro/2009 e 25/03/2015, o INPC/IBGE (que é o índice adotado pelo TJ/SP para medir a inflação) variou, nesse mesmo período, 38,40%. A diferença entre um e outro é de 34,97 pontos percentuais, o que significa que a decisão do STF tem o efeito perverso de reduzir os direitos dos desafortunados credores estaduais e municipais em exatos 25,26% — mais de um quarto! Exemplificando: quem tinha um crédito de R$ 100 mil em dezembro/2009, deveria receber, em 25/03/2015, se a correção fosse pelo INPC/IBGE, R$ 138,4 mil. Mas, com a correção pela TR, como decidido pelo STF, o crédito cai para apenas R$ 103,4 mil.

O curioso (para se dizer o mínimo) dessa estória é que o próprio STF, em  maio/2013, ao julgar inconstitucional a EC 62/2009 no ponto em questão, havia afirmado, de forma contundente e, diga-se, em harmonia com a jurisprudência firmada naquela Corte desde o julgamento da ADIn 493, que a TR “não reflete a perda do poder aquisitivo da moeda”, de modo que, admitir a sua aplicação para correção dos precatórios seria permitir o enriquecimento ilícito dos devedores, além de implicar, como ressaltado pelo ministro Ayres Britto, em “indevida e intolerável constrição à eficácia da atividade jurisdicional. Uma afronta à garantia da coisa julgada e, por reverberação, ao protoprincípio da separação dos Poderes.” Mais ainda, como verberado pelo ministro Luiz Fux, “deixar de atualizar valores pecuniários ou atualizá-los segundo critérios evidentemente incapazes de capturar o fenômeno inflacionário representa aniquilar o direito propriedade em seu núcleo essencial.”

Portanto, com todo respeito, a verdade é que a decisão do STF — no ponto em que determinou a mantença da TR como índice de correção monetária dos precatórios estaduais e municipais até 25/03/2015, em flagrante contradição com o espírito da própria decisão então modulada — impôs aos credores desses precatórios inescondível e repudiável confisco de 25,26% dos seus créditos. Ainda bem que o julgamento da ADI 4.357 levou “só” 5 anos para ser concluído…

Abstraindo-se a violência dessa medida, poder-se-ia pensar (e há quem tenha verbalizado isso), que esse seria o preço a pagar pela certeza do recebimento no prazo máximo de 5 anos e que o deságio de 25% é muito menor do que os praticados no mercado secundário de precatórios. Ledo engano, todavia, pois não há certeza alguma de que os pagamentos realmente ocorrerão no prazo fixado pelo STF.

Muito pelo contrário, aliás, noticiou-se nos últimos dias que os dois maiores devedores de precatórios, que são o Governo do Estado de São Paulo e a Prefeitura do Município de São Paulo, já começaram a articular — com o apoio do deputado Federal Eduardo Cunha (que, em 2009, foi o relator da PEC 12/2006 na Câmara dos Deputados), uma nova emenda constitucional, visando, ao que tudo indica, prorrogar, de novo, para as calendas gregas o pagamento dos precatórios.

Mais uma vez, está anunciado o desastre: os devedores, agradecidos ao STF pelo confisco perpetrado, capitalizarão o que o julgamento da ADI 4.357 lhes trouxe de bom e darão um jeito de contornar aquilo que, em tese, seria positivo para os credores.

Alguma razão para comemorar? Definitivamente, penso que não. 

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