Judiciário aberto

Tribunal de Iowa vai decidir se frente da casa é lugar público ou privado

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14 de abril de 2015, 11h27

De tempos em tempos, o Tribunal Superior de Iowa leva seus julgamentos para auditórios de escolas públicas de uma ou outra cidade do estado. O comparecimento da população é grande e o objetivo dos ministros é esse mesmo: expor a Justiça ao interesse público. Normalmente, o caso também tem apelo popular. Na semana passada, por exemplo, o tribunal fez a primeira audiência pública de um caso em que vai decidir se a frente da casa de um cidadão é um lugar público ou privado.

Os moradores do Condado de Winneshiek e região realmente querem saber o que é lugar público e o que é lugar privado em suas cidades, porque há implicações jurídicas — mais exatamente, penais. Por exemplo, embriaguez em lugar público é uma contravenção penal em Iowa. Em outros estados, a lei se refere a embriaguez acompanhada de desordem pública.

Na verdade, a contravenção se refere a public intoxication, que significa estar sob a influência de álcool, drogas ou substâncias controladas. Em alguns estados, uma pessoa sob tal influência, que cai — ou se deita — na calçada, pode ser condenada por atrapalhar a passagem dos cidadãos sóbrios.

Os moradores da região também estão curiosos para saber se Patience Paye, moradora do Condado de Black Hawk, irá para a cadeia ou não — ou se, afinal, será mantida a sua condenação e terá de pagar alguma pena alternativa. Contravenções penais, nos EUA, podem dar penas de até um ano de prisão.

A história começou em meados de 2013, quando Patience chamou a polícia, por causa de uma “situação doméstica”, segundo os autos, dentro de sua casa em Waterloo. Quando os policiais chegaram à casa, Patience saiu para fora da casa para explicar o que aconteceu. Mas os policiais perceberam que ela estava embriagada, fizeram o teste do bafômetro, confirmaram a suspeita e a levaram presa. Razão: ela estava embriagada em lugar público.

Em quase todas as cidades americanas, o projeto residencial urbano segue a mesma fórmula: as casas se situam a uma certa distância da rua, há um gramado na frente e um quintal nos fundos. Normalmente, não há cercas ou muros e portões. Na maioria dos estados, as casas têm um porão e, por causa disso, o primeiro plano é um pouco mais elevado. Isso faz com que o acesso à entrada principal tenha uma escada, geralmente de três ou quatro degraus.

Não é assim em todos os estados. Na Flórida, por exemplo, as casas não têm porão, porque qualquer escavação dá na água. Mas a casa de Patience é em Iowa e, por isso, tem porão e uma escada de acesso à entrada principal. Foi até o pé dessa escada — e não mais longe que isso — que ela saiu para falar com os policiais, segundo emissoras de TV locais. Ela foi presa por estar embriagada em lugar público.

De uma maneira geral, os advogados da região consideraram absurda a prisão, da mesma forma que acharam absurdo o fato de a Justiça gastar o dinheiro do contribuinte para julgar um assunto tão banal quanto esse. Afinal, a propriedade como um todo — casa e terreno — pertencem ao cidadão, que pagou por ela, ou paga o financiamento, e paga todos os anos o imposto predial e territorial urbano.

Se fosse propriedade pública, dizem os advogados, o governo deveria pagar todas as despesas de manutenção da propriedade, como cortar a grama regularmente, cortar galhos de árvores, entre outros. Porém, o cidadão é obrigado a arcar, ele mesmo, com esses custos.

Mas os policiais, os promotores e os juízes das instâncias inferiores pensam diferentemente. Como as casas não têm cercas, muros e portões, qualquer pessoa tem acesso à porta da frente da casa. E, portanto, o espaço que vai da rua à porta da entrada, disseram os juízes, é um lugar público. E, portanto, Patience foi pega embriagada em lugar público.

O Tribunal Superior de Iowa considerou importante, o suficiente, decidir se uma pessoa pode ser acusada de embriaguez em lugar público, quando está dentro de sua propriedade, embora parte da propriedade permita o acesso público. Isso pode afetar os direitos de muita gente, disseram os ministros, já na primeira audiência.

De acordo com a promotoria, os legisladores definiram, expressamente, como lugar público, “qualquer lugar, prédio ou dependência em que o público tem permissão para acessar”. Em muitas áreas, as casas têm uma varanda na frente, à qual qualquer pessoa tem acesso, quando quer bater à porta. É também um lugar público?

Os ministros têm até junho para tomar uma decisão. Em uma decisão anterior, eles decidiram que o acesso a um apartamento, em um condomínio, é lugar público, porque qualquer pessoa pode transitar por esse espaço. Mencionaram, na decisão, que em caso de residências particulares, a situação poderia ser diferente. Mas não tomaram uma decisão sobre isso, porque essa questão não estava em julgamento. Agora, está.

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