Reformadores da Reforma

Cúpula do Judiciário busca meios para dar efetividade à EC 45

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12 de abril de 2015, 14h02

A revista Consultor Jurídico lança nesta terça-feira (14/4), em Brasília, a nona edição do Anuário da Justiça Brasil, a radiografia completa da cúpula do Judiciário brasileiro. Leia, abaixo, o texto de apresentação da obra:

Se os dez anos da Emenda Constitucional 45 ensinaram alguma coisa ao Judiciário, foi que o sistema não tem como resolver sozinho os dramas que o cercam. Quem está dentro dele tem de se adaptar para fazer a roda girar. Em se tratando da Emenda da Reforma do Judiciário, a roda mudou de formato.

Ao elevar à condição de fundamentais direitos ligados à cidadania e dar condições para o particular defender-se do poder do Estado, a Constituição de 1988 provocou uma explosão de procura pelo Judiciário. Cidadãos esquecidos passaram a ter meios de se ver representados e foram em busca de direitos. Diante da pressão de demanda por Justiça, veio a necessidade de se criar uma forma de fazer com que as teses dos tribunais superiores orientassem as instâncias locais e não permitissem que dois pedidos iguais tivessem soluções opostas.

Em 2004, foi aprovada a Emenda Constitucional 45, que começou a ser gestada ainda em 1993, sob coordenação do ministro Nelson Jobim e com a participação do ministro Gilmar Mendes. A emenda introduziu no ordenamento jurídico a repercussão geral – critério de admissão de recursos no Supremo Tribunal Federal – e o rito dos recursos repetitivos, filtro que permite ao Superior Tribunal de Justiça pinçar um caso representativo de tema que se repete na Justiça e julgar apenas ele.

Funcionou para reduzir drasticamente a demanda ao Supremo. Em 2007, ano da regulamentação da repercussão geral, o tribunal distribuiu para os ministros julgarem mais de 100 mil casos. Em 2014, foram distribuídos 57 mil. Só que começou outra crise. Por definição constitucional, os processos cujos temas têm repercussão geral reconhecida pelo STF ficam parados nas instâncias inferiores. E o STF passou a admitir mais recursos do que podia julgar. Em 2012, o Supremo admitiu a subida de 106 recursos com repercussão geral e julgou 12. Em 2013, reconheceu a repercussão de 67 e julgou 46.

O fato, identificado há muito pelo ministro Marco Aurélio, é que o Plenário estava inviabilizado. Foi esse o quadro analisado pelo ministro Dias Toffoli quando disse que “o Plenário é uma roda presa”. De fato, mesmo antes de o tribunal se ver diante da AP 470, não conseguia dar conta da quantidade de recursos com repercussão geral. Em 2011, o Supremo julgou o mérito de 38 recursos com repercussão geral reconhecida, mas reconheceu a repercussão em 157 casos. Em 2010, foram 22 casos que tiveram o mérito julgado. Um ano antes, 25. O ministro Teori Zavascki, diante do quadro, diagnosticou: “O sistema é bom, mas não funciona”.

A solução foi desenhada pelo ministro Luís Roberto Barroso. Depois de um ano no tribunal, ele concluiu: “se o sistema não funciona, que se mude o sistema”. Por sugestão dele, os ministros aprovaram, em junho de 2014, emenda regimental que transferiu do Pleno para as turmas a competência para julgar as ações penais.

A medida, como observou o ministro Teori Zavascki, dobrou a capacidade de trabalho da corte. O Plenário tem duas sessões por semana, às quartas e quintas-feiras. A sessão de quinta-feira, que entrou no calendário por causa da grande demanda de casos penais, passou a ser dedicada também a recursos com repercussão geral e ações de controle de constitucionalidade. E os resultados são incontestáveis. Entre o primeiro semestre de 2014, quando não havia emenda, e o segundo, depois de já em vigor a mudança, o Plenário multiplicou por cinco o volume de casos apreciados. Entre janeiro e junho, foram julgados 11 recursos com repercussão geral. Entre agosto e dezembro, foram 51 os recursos julgados. As questões criminais também passaram a deixar as gavetas do tribunal. Nos primeiros seis meses de 2014, foram 11 inquéritos analisados e 11 ações penais julgadas. Na segunda metade do ano, foram, respectivamente, 41 inquéritos e 25 ações penais.

A aprovação veio de todos os lados. Toffoli foi o primeiro a dizer que a realidade mostra que o tribunal pode, sim, julgar 200 recursos com repercussão geral reconhecida por ano – e não mais 20, como vinha ocorrendo. O ministro Gilmar Mendes também comemora a “retomada” do ritmo de trabalho. “Vínhamos daquela parada do mensalão e voltamos a avançar. Agora precisamos calibrar isso”, comenta.

Contribuiu para isso o fato de o presidente, Ricardo Lewandowski, ter estabelecido como política de sua gestão dar mais atenção a casos com repercussão geral e súmulas vinculantes. Desde 2014, o ministro reclamava da burocratização por que passou o processo de edição de súmulas vinculantes. Uma emenda regimental estabeleceu que as propostas de súmula precisam ser publicadas no Diário Oficial, enviadas à Procuradoria-Geral da República e, a seguir, à Comissão de Jurisprudência do STF. Só depois é que o Plenário discute a minuta de texto. Antes, bastava apresentar um projeto de texto ao Pleno e, se aprovado, era publicada a súmula.

A emenda regimental é de 2011. Entre aquele ano e o primeiro semestre de 2014, só uma súmula foi aprovada. Entre 2007, quando foi criado o instituto, e 2010, foram 30 os textos editados. Entre setembro de 2014, já com Lewandowski na presidência, e novembro daquele ano, foram quatro súmulas vinculantes aprovadas. Em março de 2015, outras quatro foram aprovadas.

Lewandowski trabalhou, também, para evitar que julgamentos já encerrados fiquem perdidos entre as inúmeras seções do tribunal. Resolução do fim de 2014 estabeleceu que os ministros têm 60 dias, renováveis mediante pedido formal, para publicar os acórdãos dos quais são relatores. Caso percam o prazo, a decisão é publicada do jeito que está, mesmo sem as costumeiras “alterações de redação”.

Outro desafio são os pedidos de vista. Também em março de 2015, a Presidência do Supremo publicou um balanço segundo o qual mais de 200 julgamentos estão parados por pedido de vista, ainda não devolvidos. O presidente comprometeu-se a olhar com atenção esse quadro e a dar prioridade aos votos-vista que já foram enviados à pauta, mas ainda não foram levados à sessão de julgamento. Ao Anuário da Justiça Brasil 2015, Lewandowski falou sobre a necessidade de se emendar o Regimento Interno para tratar do assunto. A ideia aventada por ele foi, passado o prazo para o autor do pedido de vista levar seu voto a julgamento, que o processo seja pautado automaticamente. É semelhante à emenda regimental aprovada pelo Superior Tribunal de Justiça. Lá foram dados aos ministros 90 dias para levar seus votos-vista a julgamento. A ideia foi proposta ao plenário do STJ pelo ministro Luis Felipe Salomão, presidente da Comissão de Regimento Interno. Ele apresentou aos colegas um levantamento para mostrar o tamanho do problema.

Entre o início de 2008 e o fim de 2014, foram feitos 6 mil pedidos de vista, mil por ano. Desses casos, 4.613 votos-vista foram apresentados por escrito. Em 1.222 processos, o julgamento prosseguiu sem apresentação de voto por escrito: o ministro apenas disse que posicionamento acompanharia o do relator ou o da divergência. De acordo com Salomão, a média de tempo transcorrida entre o pedido de vista e o julgamento do processo é de 1.020 dias – quase três anos. O pedido de vista que mais demorou a voltar foi apresentado em 2.034 dias – mais de cinco anos de intervalo. A aprovação da emenda foi considerada um “momento histórico para o tribunal”, segundo o presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Francisco Falcão. Salomão destacou a preocupação do tribunal em dar sentido ao princípio constitucional da razoável duração do processo.

Outra medida fundamental foi a criação do núcleo de triagem de processos no STJ. Esse grupo de trabalho, que já existia na 2ª Seção, criado pelo ministro Sidnei Beneti, funciona para analisar os casos que sobem ao STJ antes da distribuição. Se seus integrantes entenderem que se trata de tese já pacificada pelo tribunal, não o distribuem e determinam a descida do caso.

O ministro Paulo de Tarso Sanseverino sente falta de mecanismos de “inteligência processual” nos tribunais locais. Ele coordena um grupo de trabalho, integrado também pelos ministros Rogerio Schietti e Assusete Magalhães, que pesquisa soluções para a repercussão geral. Por exemplo, formas de saber automaticamente que determinadas teses são repetidas, e por isso devem ir para o STJ, ou que determinada discussão já foi resolvida. Ou ainda saber quantos processos estão relacionados a determinado recurso repetitivo.

O TJ do Rio Grande do Sul, por exemplo, conseguiu organizar-se para saber que temas de scoring de crédito – as notas que serviços de restrição a crédito dão a consumidores de acordo com a capacidade de honrar as dívidas – estavam se repetindo no Judiciário local. O ministro Paulo de Tarso Sanseverino era o relator e imediatamente separou um recurso para afetá-lo pelo sistema dos repetitivos.

Discussão que começou a aparecer no STJ foi o estabelecimento de prazos para que se decidam recursos afetados como repetitivos. A ideia foi inspirada em propostas do ministro Luís Roberto Barroso para que o Supremo tenha prazos para resolver recursos com repercussão geral reconhecida e não reconheça mais repercussões do que pode julgar por ano.

No STJ, o pai da ideia é o ministro Mauro Campbell Marques. Integrante da 1ª Seção do tribunal, ele enviou aos colegas um conjunto de propostas para que o colegiado dê mais racionalidade ao julgamento desses casos. Ele não defende filtros. Inclusive é partidário de que as portas do STJ estejam sempre abertas. As ideias de Campbell são de fácil execução. A primeira é que os ministros, antes de afetar um caso como repetitivo, enviem por e-mail aos colegas o despacho da afetação com a delimitação da tese tratada no recurso. A segunda proposta é que o presidente da seção convoque os demais ministros e se estabeleça uma data para julgar aquele recurso. Depois, essas informações devem ser enviadas à Secretaria de Comunicação Social para divulgação no site de STJ. Por último, há a possibilidade de o relator separar o julgamento em duas etapas: uma data para as sustentações orais e leitura do relatório e outra para o julgamento. As ideias agradaram o ministro Francisco Falcão, que as encaminhou à comissão responsável por estudar soluções generalizadas para o gargalo do sobrestamento de casos.

No Tribunal Superior do Trabalho, solução elogiadíssima foi aprovada pelo Congresso. A Lei 13.015/2014 criou critérios de admissibilidade de recursos para o TST, colocando o tribunal de volta nos trilhos de sua verdadeira função: pacificar teses sobre a interpretação da legislação trabalhista infraconstitucional. Antes da lei, para que um caso chegasse ao Tribunal Superior do Trabalho, bastava haver divergência entre decisões de turmas de julgamento de tribunais regionais do trabalho distintos.

Com a nova lei, o TST só poderá julgar recursos que tratem de divergências de entendimentos entre tribunais, e não mais entre turmas de tribunais. Isso alivia a demanda ao Superior e força a segunda instância da Justiça do Trabalho a pacificar a própria jurisprudência, além de evitar saltos de instâncias, pois impede a transformação do TST em pacificador de conflitos jurisprudenciais dentro de um mesmo tribunal. Além disso, se um recurso sair de um TRT que não tenha sumulado sua jurisprudência em cotejo com outro que já o tenha feito, o relator pode determinar a baixa dos autos para que o tribunal de origem edite sua súmula. Caso a tese sumulada continue a ser antagônica, a parte pode interpor novo recurso de revista. Caso contrário, o caso não subirá ao TST.

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