Sem obrigação

Novo CPC não obriga juízes a se vincularem a entendimentos de STF e STJ

Autor

  • Tiago Bitencourt De David

    é juiz federal substituto da 3ª Região mestre em Direito (PUC-RS) especialista em Direito Processual Civil (UniRitter) especialista em Contratos e Responsabilidade Civil (Escola Verbo Jurídico) e pós-graduado em Direito Civil pela Universidad de Castilla-La Mancha (UCLM Toledo/Espanha).

11 de abril de 2015, 7h30

Em sucinta abordagem e tendo em vista o artigo de Pedro Lenza publicado aqui na revista Consultor Jurídico[1], será analisada a (in)constitucionalidade do art. 927, IV, do Novo CPC, cuja redação é a que segue:

“Art. 927. Os juízes e tribunais observarão:

[…]

IV – os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;”

E é à luz de da integralidade do dispositivo que Pedro Lenza diz que: “Dizer que devem observar significa vincular.”. Daí concluir pela inconstitucionalidade de tal espécie de vinculação dos juízes e tribunais à jurisprudência consolidada e ao cabimento da respectiva reclamação.

Entretanto, peço vênia para discordar do professor paulista.

Observar não implica necessariamente em ver-se compelido a seguir, a aderir, a seguir o mesmo rumo. Observar significa ter em vista, levar em conta, ainda que para divergir.

O NCPC vai na linha da busca de uma integridade (Dworkin-Streck), de forma que não se decida de forma solipsista, ignorando a tradição formada sobre o tema, impondo-se o diálogo, inclusive para mostrar em que e por que pedir vênia para decidir de forma diversa. O NCPC já à luz de sua base jusfilosófica discrepa de uma pura e simples vinculação da base ao topo da pirâmide judiciária, mas exige, de outra banda, a consideração respeitosa, de forma que a fundamentação revele um diálogo para com o quanto já dito sobre o assunto e no ponto o art. 927 não caminha sozinho, andando de mãos dadas com outro dispositivo de mesmíssima base doutrinária, a saber, o polêmico art. 489, § 1º, especialmente o inciso VI.

Mesmo que para divergir, a fundamentação implica no debate com os precedentes firmados sobre o tema, mostrando-se detidamente as razões da discordância, nunca podendo o entendimento pretoriano precedente ser simplesmente ignorado. Quem age de acordo com a própria cabeça, fazendo de conta que os outros não existem, atua como aquele que segundo meu saudoso pai era chamado ironicamente como “o dono da verdade”. O NCPC não exige subserviência, mas dialética respeitosa, comprometida com o diálogo, dentro e fora da instituição, seguindo a mesmíssima linha o excelente art. 10 do NCPC que veda as decisões-surpresa, algo que há muito doutrinadores como Daniel Mitidiero[2], José Miguel Garcia Medida e Teresa Arruda Alvim Wambier[3] já vinham bem defendendo.

De igual modo, veja-se aqui a própria redação de outro dispositivo do NCPC, desta vez acerca do cabimento da reclamação:

“Art. 988. Caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para:

I – preservar a competência do tribunal;

II – garantir a autoridade das decisões do tribunal;

III – garantir a observância de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;

IV – garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de precedente proferido em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência.”

Assim, vê-se que a divergência em face de súmula sequer é prevista como hipótese de cabimento de reclamação. Aliás, de todo preocupante seria a aplicação prática de uma atribuição legal de eficácia vinculante às súmulas na medida em que haveria séria dúvida se seria admissível tal regime apenas em vista de novos verbetes ou se já diante daqueles existentes e consagrados antes da assunção do novo status jurídico.

É claro que no que diz respeito ao cabimento de reclamação perante um entendimento dissonante do quanto decidido em sede de julgamento de recursos repetitivos e de assunção de competência, mas deve-se ter em vista que já se sabe de antemão quando do julgamento dos mesmos que serão ali firmadas as teses aplicáveis, justificando-se o regime legal em nome da isonomia e da segurança jurídica. Em tais casos é como se houvesse o julgamento de todos os casos, apenas replicando-se a solução individualmente como medida de lídima economia processual e promovendo-se a garantia da razoável duração do processo.

[1] http://www.conjur.com.br/2015-mar-13/pedro-lenza-inconstitucionalidades-reclamacao-cpc

[2] MITIDIERO, Daniel. Colaboração no Processo Civil. São Paulo: RT, 2009, passim.

[3] MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Parte Geral e Processo de Conhecimento. São Paulo: RT, 2009, p. 60 e 61.

Autores

  • é juiz federal substituto da 3ª Região, mestre em Direito (PUC-RS), especialista em Direito Processual Civil (UNIRITTER) e pós-graduado em Direito Civil pela Universidad de Castilla-La Mancha (UCLM, Toledo/Espanha).

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