Avisos ignorados

A crônica da morte anunciada na Justiça brasileira

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10 de abril de 2015, 16h59

O título não é inventado pelo cronista. Escritor famoso já o usou. Serve, entretanto, ao resumo da morte de Joaquim Alberto Pereira Duarte, um português de 65 anos, portador de saúde extremamente precária, preso em flagrante por ter brigado com a mulher. Encontrara-se no local, também, arma de fogo sem autorização para porte. O português foi solto, sob compromisso de se afastar da companheira. Mais tarde, a mulher foi ao juiz Théo Assuar Gragnano, afirmando que se conciliara o marido. As medidas cautelares foram revogadas. Acontece que Joaquim, por fatores diversos, não compareceu a uma audiência. O juiz Sérgio Augusto Duarte Moreira lhe decretou a prisão preventiva, finalmente cumprida, porque o acusado fora preso enquanto deambulando nas proximidades da rodovia Raposo Tavares.

Joaquim Alberto Pereira Duarte estava muito doente. Exibiu atestados e exames médicos específicos (clique aqui para ler). A defesa, insistentemente, preveniu o Juízo sob as precárias condições de saúde do apelante. O Ministério Público, representado pela promotora de justiça Maria Gorete Pimentel Marques, se manifestou contrariamente à liberdade, no que foi secundada pelo juiz. Este sequer analisou a pretensão à concessão de fiança. Os atestados juntados, segundo o pretor, não eram suficientes para a comprovação da gravidade da moléstia. O tratamento poderia ser efetuado na prisão. Isso aconteceu dias atrás.

A petição com que o advogado pretendia a libertação do acusado, com apelação interposta, restou 23 (vinte e três) dias sem despacho. Na madrugada desta sexta-feira (10/4), souberam os familiares que o réu falecera, enquanto internado às pressas no hospital próximo à penitenciária. Um médico atendente da colônia portuguesa, passando pelo presídio, providenciara a internação, concretizada 48 horas antes, se tanto.  Joaquim Alberto teve a moléstia agravada no cárcere onde se encontrava, apesar das advertências do defensor. Dir-se-á que isso acontece. Não pode acontecer, preservando-se, no mínimo, assistência médica adequada ao encarcerado.

O Estado não é o cuidador de almas, mas cada juiz é responsável por quem prende e cada membro do Ministério Público é fiscal de tais atribuições. A comunicação da morte chega impactante ao defensor. Nestas circunstâncias, não se pensa, reage-se. Faz-se, quanto ao condenado morto, uma espécie de necrológio. É detento provisório humilde. Seu atestado de óbito se perde entre outras dezenas de desconhecidos. Entretanto, é bom frisar: Joaquim penou na cadeia, desvalido, sozinho, desatendido pela medicina e renegado pelo Poder Judiciário. O juiz não atentou para a gravidade do problema. O representante do Ministério Público fez o mesmo. Desconfiando, fosse lá ver o preso a saber se a doença era real ou fictícia, mas a Promotoria de Justiça tinha parte de responsabilidade na manutenção de vida daquele cidadão. Se assim não funciona, assim deveria funcionar. Sirva a crônica de Requiem para o defunto. No final das contas, os humildes também merecem comentário fúnebre. Deveríamos todos ir ao enterro, sem exceção das autoridades responsáveis pela omissão.

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