Reforma política

Eleitor é quem mais perde com a unificação das eleições

Autores

  • Joelson Dias

    é advogado sócio do escritório Barbosa e Dias Advogados Associados (Brasília-DF) ex-ministro substituto do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mestre em Direito pela Universidade Harvard secretário do Conselho de Colégios e Ordem dos Advogados do Mercosul (Coadem) ex-procurador da Fazenda Nacional e membro da Comissão Especial dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Conselho Federal da OAB e da Abradep.

  • Marilda Silveira

    é sócia do Silveira e Nunes Advogados Associados professora de Direito Administrativo e Eleitoral do IDP/EDB e doutora e mestre em Direto Público pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Coordenadora regional da Transparência Eleitoral e membro do Instituto Brasileiro de Direito Eleitoral (Ibrade) e da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).

  • Daniel Falcão

    é controlador geral do município e encarregado pela proteção de dados da Prefeitura de São Paulo advogado cientista social professor do Instituto Brasileiro de Ensino Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) doutor mestre e graduado pela Faculdade de Direito da USP pós-graduado em Marketing Político e propaganda Eleitoral pela ECA/USP e graduado em Ciências Sociais pela FFLCH/USP.

4 de abril de 2015, 15h13

Diante da recorrente discussão sobre o sistema político, a sociedade brasileira se depara com uma nova oportunidade de aperfeiçoá-lo, debatendo diversas propostas com o intuito de fazer a tão propalada Reforma Política.

Entre os vários temas em debate, ganha relevo a discussão sobre o financiamento das campanhas eleitorais e dos partidos políticos, que tem por objetivo primordial, independentemente do modelo a ser adotado, a diminuição da influência do poder econômico no resultado das eleições. A questão da reeleição para os cargos eletivos do Poder Executivo é outro ponto controvertido tanto no Congresso Nacional como na sociedade em geral, que analisarão as vantagens e desvantagens do modelo adotado desde 1997. Nesse ponto, debate-se, também, possível ampliação dos mandatos caso a possibilidade de o chefe do Executivo reeleger-se seja extirpada do texto constitucional.

Atualmente, porém, a unificação das eleições — eufemismo para a implantação da coincidência de mandatos nos níveis nacional, estadual, distrital e municipal  tem chamado grande atenção da mídia e dos legisladores. As propostas de emenda à Constituição têm em comum a ideia de que as eleições municipais deveriam ser feitas no mesmo dia ou em período bastante próximo das eleições gerais (estaduais e nacional).

Aqueles que defendem a unificação apontam, basicamente, quatro argumentos que sustentariam os benefícios dessa mudança: 1) redução nos custos das eleições, em seu aspecto operacional, pois a organização do pleito ficaria mais barata aos cofres da Justiça Eleitoral; 2) haveria o barateamento das campanhas eleitorais; 3) os partidos políticos seriam fortalecidos com essa medida, uma vez que as campanhas dentro de cada agremiação teriam que obter uma coordenação mais organizada e centralizada e 4) a realização de eleições unificadas a cada quatro ou cinco anos favoreceria a governabilidade, facilitando, sobremaneira, a execução de políticas públicas, em especial nas áreas em que o Brasil tem maior carência, como saúde, saneamento, segurança pública e educação.

Para os defensores da unificação das eleições, o modelo atual, com eleições intercaladas a cada dois anos, prejudicaria as políticas públicas na esfera municipal, já que justo na metade do mandato dos municipais as eleições estaduais e nacional “paralisariam” a máquina pública.

Com todo respeito que merecem as opiniões contrárias formadas a respeito do tema, compreendemos que a unificação das eleições, embora pareça resolver uma miríade de problemas com uma única alteração, é motivadora de uma série ainda maior de desvantagens não somente à Administração Pública, aos mandatários, partidos políticos, candidatos e à sociedade brasileira, mas, principalmente, aos próprios eleitores. Sem a pretensão de esgotar a análise de matéria tão complexa, identificamos sete razões que nos levam a esta conclusão.

I – A unificação das eleições comprometerão o direito de participação política e escolha dos eleitores e enfraquecerão as instituições democráticas
A primeira das razões é o nítido comprometimento pelas eleições unificadas do direito de participação política e escolha dos eleitores e o enfraquecimento das instituições democráticas brasileiras com tamanho espaçamento na manifestação direta do voto. Por longo período, entre uma eleição e outra, os eleitores não serão ouvidos e, consequentemente, também menos debatidas as questões políticas do país. Os cidadãos ficarão ainda mais afastados da política, pois exercerão seu direito fundamental ao voto somente uma vez a cada quatro ou cinco anos e, como resultado disto, também a classe política e as instituições democráticas diminuídas em sua legitimidade. O jovem, cujo voto é facultativo, que completar 16 anos somente após as eleições, irá às urnas, pela primeira vez, apenas quatro ou cinco anos depois, aos seus 20 ou 21 anos. Restará prejudicado o elemento pedagógico do voto, tão decantado, por exemplo, pelo eminente Assis Brasil, que se referia à necessidade de a população passar por vários períodos eleitorais para o amadurecimento político das instituições nacionais e da sociedade como um todo. Ao invés das campanhas eleitorais, dos debates, da voz das urnas e do engajamento dos eleitores, que são os principais protagonistas do processo eleitoral, o embate político, por mais tempo, ficará limitado apenas aos eleitos e partidos políticos de maior expressão e espaço na mídia, aos parlamentos e à cobertura, no tempo, modo e prioridade que e se lhe resolverem dispensar os meios de comunicação. Com a unificação das eleições, quem mais perde, portanto, são os próprios eleitores.

II – As eleições unificadas comprometerão a administração do pleito pela Justiça Eleitoral e a sua atuação jurisdicional
Além disso, em segundo lugar, a mudança acarretará um inegável assoberbamento da Justiça Eleitoral dificultando, ainda mais, o gerenciamento e a fiscalização do processo eleitoral: em, aproximadamente seis meses, os órgãos da Justiça Eleitoral seriam responsáveis por fiscalizar e julgar milhares de prestações de contas, registros de candidaturas e ações de impugnação, investigações judiciais eleitorais, recursos contra expedição de diplomas e impugnações de mandatos eletivos. Tudo isso, sem computar as incontáveis representações ajuizadas contra as propagandas eleitorais em curso.

A proposta prevê, na verdade, a realização de 5.570 eleições municipais (prefeitos e vereadores), 26 eleições estaduais (governador, deputados federais, senadores e deputados estaduais), uma eleição distrital e a eleição nacional (presidente da República) numa mesma data ou, em hipótese alternativa, em datas bem próximas. A administração do pleito pela Justiça Eleitoral e a sua atuação jurisdicional restariam seriamente comprometidas diante do gigantismo que representa a unificação das eleições. Além de não ter sido apresentado ainda nenhum dado oficial de que a unificação das eleições diminuirá o custo do processo eleitoral, a verdade é que a realização de um único pleito com tantos candidatos tende a aumentar, sem contar o fornecimento de bens e a contratação de serviços, também o número de servidores à disposição da Justiça Eleitoral necessários à administração das eleições e, consequentemente, das horas trabalhadas, a começar meses antes, senão mesmo anos, com a preparação do pleito. A unificação das eleições comprometeria, ainda, a maior capacitação dos servidores, o aprimoramento das rotinas administrativas, a troca de experiências entre os diferentes órgãos da Justiça Eleitoral e o aperfeiçoamento especialmente do sistema eletrônico de votação que a realização de eleições intercaladas a cada dois anos permite.

III – As eleições unificadas dificultarão e encarecerão a veiculação da propaganda eleitoral
Também não se pode desconsiderar um terceiro ponto: a veiculação da propaganda eleitoral em geral, especialmente a distribuição do seu tempo no rádio e na televisão, será imensamente dificultada diante do elevado número de candidatos em uma eleição unificada. Não apenas pelo tempo e diversidade dos meios de propaganda eleitoral, mas também pela compreensão dos programas partidários e das propostas dos inúmeros candidatos concorrentes ao pleito, especialmente levando-se em conta que, no federalismo brasileiro, cada ente tem competências privativas e concorrentes. A complexa repartição de competências do Estado brasileiro não apenas lesará a já acidentada fluidez do debate eleitoral, mas tornará bastante difícil ao eleitor distinguir entre as diversas agendas eleitorais em disputa, que contemplariam desde as questões locais, próprias às eleições municipais, aos temas nacionais e regionais, debatidos nas eleições gerais. Com a unificação dos pleitos, perderão, sobretudo, os municípios e os candidatos nas eleições municipais, cujos temas e propostas específicos locais serão sufocados pelo maior interesse que as eleições gerais despertam na sociedade e nos meios de comunicação e pelo debate das questões de maior relevância para os Estados e a União.

IV – As eleições unificadas não simplificarão o sistema eleitoral, nem facilitarão a sua compreensão pelo eleitor
Nesse mesmo sentido, uma quarta razão nos leva a compreender que é inevitável o prejuízo no que toca a capacidade de reflexão sobre as propostas e nomes a serem escolhidos na urna eletrônica. Trata-se do enorme número de candidaturas além da mistura, em si, de temas locais, estaduais e nacionais para definição de oito candidatos diferentes. Com toda essa complexidade, as eleições unificadas violariam um dos propósitos básicos que deve ter toda e qualquer reforma política: a simplificação do sistema eleitoral visando a sua melhor compreensão pelo eleitor.

V – As eleições unificadas resultarão em menosprezo pela sociedade da importância do sistema político e das práticas democráticas
A quinta razão tem em vista não apenas o interesse pessoal dos candidatos e dos partidos políticos, ou dos eleitos, mas também o direito de participação e escolha dos eleitores e de proteção das minorias visando ao fortalecimento da democracia: com a coincidência dos mandatos, os candidatos derrotados terão dificuldade muito maior de enfrentar a maioria estabelecida. Isso porque somente terão uma nova oportunidade de candidatarem-se e/ou tornarem-se conhecidos diante do eleitorado após quatro ou cinco anos. E, em caso de nova derrota eleitoral, após tanto tempo, estarão praticamente alijados da vida política. O preço a ser pago pela possibilidade de todos os mandatos iniciando e terminando juntos pode muito bem ser o da verticalização do voto pelo eleitor, de presidente a vereador de um mesmo partido ou coligação, de aniquilamento das minorias e da oposição locais durante o longo tempo de espera entre uma e outra campanha eleitoral. A realização de eleições somente a cada quatro ou cinco anos dispensará os partidos políticos e governantes da necessidade de se submeterem à avaliação política mais periódica da sua atuação (“accountability”) e suprimirá dos eleitores e da oposição o direito de crítica que os debates eleitorais fomentam a cada dois anos. Difícil não concluir que esse fato poderá resultar no encastelamento dos eleitos e das lideranças que já estão no Poder, no aumento do distanciamento entre representantes e representados e em dificuldade ainda maior de renovação dos quadros políticos do Brasil. Aliás, como o que se busca com a unificação das eleições é a coincidência dos mandatos, alguns já defendem, inclusive, e mesmo diante de sua já cogitada inconstitucionalidade, a prorrogação por mais dois anos do tempo de mandato dos atuais prefeitos e vereadores. Outra proposta que não pode ser descartada, se unificadas as eleições e, portanto, comprometida a análise crítica a cada dois anos da atuação de partidos e agentes políticos, é a adoção do “recall” ou reavaliação política ou popular do desempenho do mandato. O longo tempo de espera entre os pleitos, com a unificação das eleições, resultará em menosprezo pela sociedade da importância do sistema político e das práticas democráticas. Muito maior que o aventado impacto financeiro com a realização de eleições periódicas, porém, esse é altíssimo preço político que a democracia pela qual os brasileiros tanto lutaram não pode e não deve pagar.

É preciso avaliar se, de fato, a unificação não dificultará a “oxigenação” das eleições e incrementará o custo das campanhas eleitorais, pois os candidatos que postulam pela primeira vez a sua eleição ou são pouco conhecidos também terão necessidade de mais recursos para obterem reais chances de vitória no escrutínio unificado. Dessa forma, o papel dos candidatos e partidos de oposição, em quaisquer das esferas federativas, restará ainda mais dificultado, fato este que atinge diversos princípios constitucionais, como, por exemplo, o republicano, que assegura a periodicidade das eleições, o pluripartidarismo e a garantia de preservação das minorias.

VI – As eleições unificadas não condicionam nem o fim da reeleição, nem o aventado aumento para 5 anos do período de mandato, nem a necessária garantia da governabilidade
Como sexta razão, defendemos que nem o pretendido fim da reeleição, nem o aventado aumento para 5 anos do período de mandato, nem mesmo a tão propalada necessidade de se garantir a governabilidade estão necessariamente vinculados à unificação das eleições. No tocante à governabilidade, por exemplo, a própria reforma política que se pretende poderá, em sendo mesmo este o caso, promover os ajustes pontuais necessários na lei de responsabilidade fiscal, por exemplo, ou na própria legislação eleitoral, de modo não somente a permitir, mas, inclusive, fomentar, mesmo no ano das eleições, a execução de políticas públicas, em especial nas áreas em que o Brasil mais precisa, como saúde, saneamento, segurança pública e educação. Hoje, a reclamação é que a legislação eleitoral impõe uma série de restrições a alguns atos de governo, como a execução de convênios em anos eleitorais. Contudo, entendemos, é a coincidência dos mandatos que pode resultar em longo tempo de espera pelos Estados e Municípios para o recebimento de transferências voluntárias ou a celebração de novos convênios, até as eleições seguintes, a depender das composições ou disputas políticas entre as respectivas circunscrições eleitorais ou com a União. Novamente, os maiores prejudicados serão os Municípios, especialmente se coincidirem as eleições de adversários políticos da chefia do Executivo local tanto no âmbito estadual como federal. Afinal, com a coincidência das eleições, perdurará por quatro ou cinco anos o quadro político que, hoje, pode se reverter a cada dois anos. Na verdade, defendemos, a continuidade das políticas públicas tem mais a ver com a estabilidade e qualificação do corpo técnico do que com a alternância ou não das eleições. Mesmo porque, com eleições unificadas, caso não se altere o próprio quadro funcional de cada circunscrição eleitoral, com a organização e valorização dos servidores em carreiras, a mudança radical das três esferas federativas em uma única data também poderá prejudicar, em larga escala, a estabilidade das políticas.

VII – As eleições unificadas ao invés de baratear poderão é encarecer as campanhas eleitorais
Finalmente, em sétimo lugar e não menos importante, é preciso considerar que a unificação das eleições para a coincidência dos mandatos também repercutirá na oferta dos mais diversos bens e serviços durante as eleições, impactando na forma de realização do trabalho, na qualidade e na engenharia de mercado desses serviços e, igualmente, nos custos das campanhas eleitorais em razão do grande número de candidatos e cargos em disputa, bem assim da dedicação dos melhores profissionais às eleições presidenciais e de governadores. Isto é, mesmo que não venha a ser mais necessário buscar financiamento a cada dois anos, com o fim dos pleitos intercalados, como defendem alguns, o gasto com a campanha eleitoral em eleições unificadas pode ser muito maior, especialmente se consideradas as “dobradas” na propaganda eleitoral, ou seja, o apoio político e financeiro entre os candidatos e também entre os partidos. Ademais, se for necessário aumentar o tempo de veiculação da propaganda eleitoral no rádio e na televisão, em razão do elevado número de candidatos, crescerá, também, na mesma proporção, o montante da compensação fiscal devido às emissoras pela cedência do referido “horário gratuito”, e, portanto, o custo das eleições para os próprios contribuintes. Em poucas palavras, ao invés do seu cogitado barateamento, as campanhas eleitorais poderão é sair mais caras com a unificação das eleições.

Eleições unificadas, quem mais perde é o eleitor
Assim sendo, a Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep) acredita que a eventual aprovação da proposta de unificação das eleições/coincidência de mandatos municipais, estaduais e nacional comprometerá a participação política do eleitor e enfraquecerá as forças políticas de oposição, criando, ainda, dificuldades instrumentais desnecessárias para a sua implementação, que vão de encontro à participação democrática e, por consequência, ao Estado Democrático de Direito, enquanto princípio garantido pela própria Constituição da República.

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