Diário de Classe

Os simpósios shows e o porquê devemos
mudar o modelo de congressos

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4 de abril de 2015, 8h00

Spacca
Simpósios em vez de solilóquios
Depois de participarmos de tantas palestras e simpósios, pensamos que devemos repensar aquilo que consideramos um modelo ultrapassado de congresso (seja o nome que se dê — simpósio, jornada etc.). O mais comum é a juntada de vários palestrantes, que, em tese, farão discursos sobre um tema genérico, normalmente em que “cabe tudo e todo tipo de palestrante”. Na verdade, são solilóquios. O problema é que só o palestrante fala, sem contestação, sem perguntas, sem debate, enfim, um monólogo.

Por que estamos escrevendo isso? Porque nos acostumamos com algo e já não nos damos conta das falhas ou da necessidade de alterarmos o estado da arte do fenômeno. Observamos os congressos em diversas áreas, aqui e no exterior. Na área de filosofia, por exemplo, cada palestrante expõe seu texto (que é elaborado especialmente para aquela ocasião) e depois sempre é aberto espaço para perguntas. E os palestrantes não fazem como os juristas brasileiros, que falam e vão embora. Os filósofos — e o mesmo se aplica às demais áreas das ciências humanas e sociais — têm o hábito de intervir constantemente.

Assim, temos, de um lado, os congressos de Direito, sem debates. Solilóquios. De outro, no estrangeiro e na filosofia, colóquios. Está aí, na própria palavra, a diferença. Pensamos que devemos alterar esse quadro. Esse modelo “pastor e ovelhas” está esgotado. Duas a três mil pessoas escutando o sujeito dizer qualquer coisa e ninguém pode contestar. Nem os demais palestrantes que, por vezes “obrigados” a assistir na primeira fila (estão esperando a sua vez), podem dizer algo ou fazer perguntas.

Há também pouca preocupação com o aspecto didático-pedagógico nos solilóquios de terrae brasilis.  Reúnem-se professores das mais diversas estirpes e concepções sobre o direito. Em tese, isso parece ser bom, mas, o que tem a ver, por exemplo, professores que querem aprofundar os temas com professores que vão para dar espetáculo tipo-pastor-pentecostal, com discursos tão profundos quanto os calcanhares de uma formiga anã? Um palestrante fala sobre o problema da conceituação teórica dos princípios, os cuidados que se deve ter com os efeitos colaterais do ab-uso principiológico… Logo em seguida, vem outro palestrante, falando algo como “princípios são valores” e um monte de blás, blás, blás repletos de raciocínios raso-pequeno-epistêmicos. E a plateia vai ao delírio. A concorrência com os conferencistas que querem aprofundar os assuntos é desleal…

E o que dizer quando aparece o jovem pentecostal com o kit (neo) carreira jurídica (terno Hugo Boss e chave de seu carro Audi A4 sobre a bancada), trazendo exemplos da sogra, da zona do meretrício ou de algo correlato para explicar o conceito de um determinado artigo do Código Penal?

Vale lembrar de um enorme solilóquio em que o palestrante caminhava em cima do palco feito o missionário Valdomiro Santiago da Igreja Pentecostal Mundial (não confundir com a Internacional do R.R. Soares ou com a Universal do Edir Macedo, embora essa diferenciação não tenha nenhuma importância para esta coluna), falando sobre o divórcio. Um dos signatários desta coluna ficou muito impressionado com a performance do conferencista. Pensava: como é possível fazer tanta reflexão sobre esse tema? Como é possível juntar tanta dogmática jurídica sobre um tema durante cinquenta minutos? E tudo recheado com anedotas sobre parentes, ex-namoradas, namoradas do primo, mulher do padre etc. A plateia adorou. Quando chegou a vez do signatário falar, disse ao público: “— Fiquei tão encantado com o tema “divórcio” que, agorinha mesmo liguei para dona Rosane, minha mulher, e lhe disse: “Descobri minha vocação: vou me divorciar! O divórcio deve ser uma coisa maravilhosa. Como é possível que até hoje não tenhamos nos divorciado?”. Muitos não entenderam a piada, sequer entendem o grau de ironia sobre o alcance da própria ironia…

Assim como necessitamos mudar o ensino jurídico e a bibliografia usada nas salas de aula (cujos efeitos deletérios se podem notar nas práticas jurídicas cotidianas), também devemos mudar a form(ul)a de nossos Congressos, já que há milhares sendo realizados em todos os anos do norte ao sul do Brasil. A principal alteração deve ser no tocante à institucionalização dos espaços para questionamentos dos participantes. Claro que isso implica a diminuição do número de palestrantes. Mas, cá para nós, não dá mais para aguentar essa overdose de conferências.

Atualmente, os congressos se fragmentaram tematicamente. Se o tema é “Direitos Humanos e Democracia”, cabe tudo. E lá vem o palestrante para falar sobre “direitos humanos e consumidor”. E haja anedota sobre a compra de artigos no sex-shop. Claro. Cabe tudo. Pensamos que as temáticas devem ser mais específicas. Não dá para abraçar o mundo em um Congresso. O proveito de cada participante diminui na medida em que aumenta o número de conferências. E vamos parar de dar uma canseira nos partícipes, “tipo” início 8h30min (na verdade, ninguém vai; só inicia às 9h15min); e não marcar na programação uma sequência de eventos sem aguardar o tempo sequer de desfazimento das mesas. Por vezes, há mais gente do lado de fora dos congressos que assistindo ao palestrante.

Outra coisa: não misturar alhos com bugalhos. Ou pelo menos fazer uma distribuição de tribos nos painéis. Não dá para colocar no mesmo espaço um jurista do porte do Tércio Ferraz Jr. e o jovem professor de cursinho que está-lá-para-vender-seu-novo-livro-direito-penal-mastigado-ou-algo-similar. Por vezes, fica constrangedor ver o palestrante fazendo discursos sobre a “ponderação” (este é só um exemplo), fazendo gestos como se “pegasse” um princípio para sopesar com outro e, na mesma mesa, um professor crítico desse tipo de vulgata da teoria jurídica. Vejam: se ele fizer cara feia (falo do professor crítico-que-está-obrigado-a-ver-aquilo), passa por mal-educado; se depois falar contra isso, por certo vai sacrificar parte de sua palestra. De todo modo, como dissemos, congressos não devem fazer esse tipo de (con)fusões. A menos, é claro, que ponham dois ou três palestrantes que tenham posições diferentes sobre um determinado tema e isso gere um bom debate. Mas, insistimos: devemos pensar seriamente em institucionalizar os debates entre a plateia e o palestrante e, da mesma forma, entre os próprios palestrantes. Sacrifica-se no número de palestrantes, mas se ganha na qualidade do colóquio, que deixa de ser solilóquio.

Outra dica, agora dirigida a quem vai ao congresso: procure se informar sobre os palestrantes, se ainda não os conhece. Um congresso é como uma peça de teatro. Procure ler algo sobre os palestrantes. Como pensam, sobre o que escrevem… Falem com os colegas. Peçam informações. E, quando o palestrante está expondo, fiquem atentos. Desliguem o celular. Usem a internet apenas para, rapidamente, ver no Google o que o palestrante quis dizer com “temos de combater o solipsismo” ou “quem foi Oskar von Büllow”. Mas, de certo modo, se você se informou sobre o palestrante, já deveria saber sobre as palavras chaves de seu pensamento. Conferencistas de verdade são como os artistas de teatro. E conferências são como grandes aulas. Ou deveriam ser. Não devem ser simplificadas. Quem quer simplificar subestima a plateia, mesmo que, de fato, parte dela não vá entender um ovo do que está sendo exposto. Nivelar sempre por cima: isso demonstra respeito para com o estudante e o profissional presentes.

Se os livros cada vez mais vêm sendo escritos “no-modo-facilitadinho-mastigadinho-resumidinho”, isso não quer dizer que uma palestra em um colóquio (e não solilóquio) tenha de seguir esse mesmo padrão-calcanhar-de-formiga-anã. O Direito é um fenômeno complexo, repetimos pela milésima vez. Sempre que o simplificarmos, estaremos dando um tiro no pé.

Certa vez Einstein foi expor sua teoria da relatividade para um grande público e, ao terminar, ninguém havia entendido. Então, uma senhora levantou a mão e disse: “Professor, não entendi nada. O Senhor pode ser um pouco mais simples?” E Einstein expôs de forma mais simples. E a mulher continuou a não entender. Pela terceira vez, Einstein simplificou a simplificação. E a senhora disse, aliviada: “Obrigada, finalmente entendi”. Ao que Einstein respondeu: “ Pois é. Só que isso que contei agora já não é a minha teoria”.

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