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Premio Innovare contribui para um Judiciário de perfil transformador

Autor

  • Taís Schilling Ferraz

    é mestre em Direito pela PUCRS doutoranda em Ciências Criminais; professora titular do Programa de Pós-Graduação (Mestrado) da ENFAM; desembargadora do TRF-4 e integrante do Grupo Operacional do Centro Nacional de Inteligência da Justiça Federal.

2 de abril de 2015, 9h14

“Para vermos o mundo, temos de romper com nossa aceitação habitual a ele.”

A frase sintetiza uma das ideias do filósofo moderno Merleau-Ponty, que defende que a cotidiana repetição dos fatos dificulta perceber a plenitude das coisas, e que é necessário readquirir a capacidade de espanto diante dos acontecimentos, para enxergá-los de forma mais ampla e profunda.

Trata-se de um pensamento a que se pode recorrer em uma reflexão sobre os desafios da Justiça brasileira.

O aumento permanente da demanda de processos novos no Poder Judiciário, e o insistente crescimento da taxa de congestionamento a cada ano, em que pesem os esforços empreendidos, chegando-se à marca de 95 milhões de feitos em tramitação, dificulta a compreensão da realidade por detrás dos números e reduz, significativamente, a própria capacidade de indignação dos agentes que trabalham diretamente com esta massa de casos.

Falar em milhões de processos novos a cada ano não mais os assombra nem produz indignação com o que possa estar sendo determinante para esta realidade.

Contribui para a redução da capacidade de se espantar, a forma como tradicionalmente se busca superar o problema da morosidade dos processos: o foco exagerado nas rotinas processuais produz uma espécie de universo paralelo onde habitam os agentes do sistema.

Através de reformas legislativas e com o uso de ferramentas de gestão cada vez mais aprimoradas, melhora-se a eficiência na tramitação e consegue-se resolver muitos processos onde antes se resolvia apenas um. Interfere-se na forma e nas possibilidades de recurso, diminuem-se prazos, automatizam-se os atos processuais, demanda-se coletivamente, adotam-se ferramentas poderosas de monitoramento das atividades, entre várias outras medidas voltadas à agilização.

O resultado vem sendo, de fato, a redução no prazo de tramitação dos processos. Mas isto não reduziu o volume de novas demandas. Consegue-se fazer mais rápido e organizadamente o que se fazia antes de forma mais caótica. A carga de trabalho, porém, só faz crescer, e a necessidade de responder a ela só faz aumentar ainda mais o foco sobre os processos internos de trabalho.

Quando se chega a esta percepção, a sensação de impotência toma conta do agente e, não raro, vem expressa no desabafo “eu faço o que eu posso”. E de fato, dentro deste contexto, há muito pouco que ainda não tenha sido tentado.

O problema está no foco.

É preciso levantar um pouco os olhos dos processos de trabalho para enxergar mais à frente. Enquanto o juiz, o advogado, o promotor e o defensor permanecerem sob o influxo do volume cotidiano de trabalho, correndo atrás da máquina, compreendendo-se, em certa medida, como vítimas do sistema disfuncional ou como observadores externos de suas causas, contribuirão para a sua retroalimentação. Não haverá espaço para o questionamento da realidade por detrás da judicialização, nem do eventual efeito transformador sobre a sociedade, proveniente da própria atuação.

Uma perspectiva mais finalística e até pragmática da atividade é essencial, para que se possa ingressar em um verdadeiro processo de mudança.

Acompanhando um movimento que despontava ainda tímido no seio do Poder Judiciário, no início deste novo milênio, o Prêmio Innovare foi concebido e implementado com os olhos na transformação da realidade.

A ideia da premiação surgiu dando voz e vez àqueles agentes do sistema de justiça, que, mesmo cientes da crise de eficiência e de efetividade na prestação jurisdicional e das imensas dificuldades na sua superação, buscam e implementam soluções criativas, posicionando-se no contexto dos problemas existentes e não como observadores externos de um sistema em crise.

Valorizar estes profissionais, divulgar e disseminar seus projetos de sucesso têm produzido um efeito mobilizador de grande impacto sobre a atuação dos colegas e dos órgãos envolvidos, além de apresentar à sociedade e aos próprios agentes do sistema, uma das perspectivas mais positivas sobre o que se pode produzir a partir da atuação da Justiça brasileira; o quanto se pode alcançar em termos de concretização dos valores constitucionais.

Uma análise das práticas premiadas pelo Innovare, desde o lançamento, em 2004, faz perceber o quanto a adoção de um viés questionador e desbravador pelos agentes do sistema de justiça é capaz de produzir em termos de transformação social.

Em sua grande parte, as iniciativas que foram contempladas com o prêmio principal ou que receberam menção honrosa traçaram objetivos para além do aperfeiçoamento dos processos internos de trabalho das instituições, alcançando concretizar direitos fundamentais ou promover a cidadania sob diversos aspectos. Implantação da prática da conciliação em diversas frentes; inserção social de pessoas com deficiência; aumento dos mecanismos de acesso à Justiça; garantia de educação aos adolescentes em conflito com a lei; integração da sociedade civil na fiscalização das eleições; comprometimento das comunidades e agentes locais com a solução de problemas referentes à educação e à saúde; promoção de medidas de prevenção de atos de corrupção; recuperação de vínculos familiares, reinserção social de condenados; proteção ao meio ambiente, promoção da igualdade; desinstitucionalização e reintegração social de pacientes dos hospitais psiquiátricos são exemplos de iniciativas, entre as dezenas que já foram implantadas, premiadas e difundidas através do Prêmio Innovare.

Neste ano de 2015 o concurso ganha um novo grupo de práticas que concorrerão à premiação. Ao lado das já tradicionais categorias juiz, tribunal, promotor, defensor público, advocacia e prêmio especial, surge a categoria Justiça e cidadania, cuja temática é livre e para a qual serão aceitas práticas inscritas por pessoas não necessariamente ligadas à Justiça, mas que promovam a cidadania através da educação, saúde, esporte, cultura, etc.

A abertura que se promove, com a possibilidade da participação da sociedade como um todo, para o aperfeiçoamento do sistema de justiça e para a promoção da cidadania, é mais um espaço de construção que o Innovare oportuniza, e que permitirá a ampliação e a democratização do debate quanto ao modelo de Justiça que a comunidade quer. Trata-se de dar voz à sociedade aberta, a que se refere Häberle, permitindo a oxigenação de um modelo tradicionalmente fechado, com visões dos diversos atores da cena institucional – sejam ou não agentes políticos.

Para o Prêmio Especial concorrerão práticas na temática “Redução das ações judiciais do Estado: menos processos e mais agilidade”, trazendo para a ordem do dia a necessidade de se repensar a atuação do Estado em juízo.

O Estado, seus entes e os prestadores de serviços públicos são os maiores litigantes na história da Justiça Brasileira. São milhões de demandas tratando de questões já decididas em definitivo, em sentido contrário às teses da Administração, que continuam em tramitação e outras tantas que poderiam ser evitadas com medidas preventivas, além do desafiador problema da cobrança da dívida ativa.

O tema do Prêmio Especial provoca a necessidade de uma maior reflexão sobre a efetividade da atuação do Estado em juízo e abre uma especial oportunidade de identificação de novas e mais efetivas formas de defesa do interesse público.

Na era dos direitos, a que se refere Bobbio, é fundamental ter os olhos voltados à respectiva efetividade. Não basta apenas reconhecê-los, é preciso garanti-los. Neste sentido é que se deve adotar uma perspectiva mais finalística da atuação do Sistema de Justiça. Avaliar seus resultados concretos na proteção dos direitos.

Para que se possa pensar em outra realidade, é necessário desenvolver a capacidade de questionar o estado das coisas, de indagar o que pode mudar, experimentar, e aprender a extrair lições das novas experiências. É preciso posicionar-se como ator da realidade.

Desde a sua primeira Edição, em 2004, o Prêmio Innovare provoca promotores, juízes, advogados e defensores a enxergar sob este viés, caracterizando-se como um forte indutor e propagador da criatividade e da busca de resultados com efetivo e positivo impacto sobre a sociedade.

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