Justiça ao Judiciário

Análise sobre auxílio-moradia a juízes não pode ter preconceito, diz Dallari

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27 de setembro de 2014, 17h45

Em artigo publicado neste sábado (27/9) no Jornal do Brasil, o administrativista e professor de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Dalmo de Abreu Dallari cobra que haja “Justiça para o Judiciário” quando se analisa as atividades de juízes, desembargadores e ministros. Ele diz que, “com raras exceções, o tratamento do Judiciário pela imprensa tem conotação negativa”, como na divulgação sobre as decisões do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, concedendo auxílio-moradia à magistratura.

Leia o texto:

Por motivos muito diversos, o Poder Judiciário, que raramente era objeto de menção na imprensa, passou a figurar com bastante frequência no noticiário, como objeto de editoriais, de comentários e de um noticiário ligado a decisões de grande repercussão política e social ou, então, a inovações muito significativas ou contrastantes com a rotina e a discrição tradicionais.  Com raras exceções, o tratamento do Judiciário pela imprensa tem conotação negativa, afirmando ou insinuando deficiências, explorando como espetáculos as discussões entre julgadores, dando às divergências jurídicas o mesmo tratamento que é dado às divergências entre políticos, frequentemente cometendo erros primários nas informações e fazendo exploração escandalosa de manifestações dos membros dos órgãos superiores da Magistratura.

A mais recente exploração de ocorrências e divergências envolvendo questões de interesse do Judiciário está ligada a decisões e manifestações relacionadas com a situação funcional dos membros da Magistratura, mais especificamente, com os critérios de remuneração e a extensão aos magistrados de benefícios que já são auferidos por outros setores do funcionalismo público. Assim, foi dada grande ênfase à proposição de um setor da Magistratura que reivindica o recebimento do auxílio-moradia, pretendendo que os magistrados recebam tratamento igual ao que é dispensado a outros setores dos serviços públicos.

Em síntese, tal benefício seria concedido aos membros da Magistratura que não ocupam residência oficial ou imóvel funcional no local do trabalho. Isso está sendo discutido entre membros de órgãos dirigentes de setores da Magistratura, inclusive considerando os aspectos jurídicos. A questão está sendo objeto de um pedido formal, que deverá ter o seu desfecho em decisão do Conselho Nacional da Magistratura, ao qual caberá regulamentar a aplicação das normas concessivas do benefício, se for essa a decisão final.

A divulgação pela imprensa dessas proposições e de seu questionamento faz parte da exigência democrática de publicidade sobre as reivindicações e divergências a respeito das medidas a serem adotadas para o melhor funcionamento das instituições, assim como das discussões sobre o tratamento mais adequado e justo dos integrantes da Magistratura de todos os níveis e dos servidores do Judiciário. Um aspecto que não tem merecido maior divulgação, entretanto, é o fato de que a partir de 2003 foram implantados no Brasil mecanismos institucionais que deram possibilidade às camadas mais pobres da população de ir ao Judiciário reivindicar a efetivação dos direitos consagrados na Constituição. E isso ocorreu num momento em que o Judiciário estava impossibilitado de manter, e menos ainda de ampliar, o quadro de magistrados e servidores da Justiça, em decorrência da lei maliciosamente apelidada “lei da responsabilidade fiscal” (Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000).

Baseada exclusivamente em critérios econômico-financeiros, essa lei limitou os gastos com pessoal em todo o setor público, inclusive no Judiciário. Disso decorre a impossibilidade de criar novos cargos que eram necessários e mesmo de preencher cargos que ficavam vagos, inclusive cargos de ministro e desembargador, para que não fosse ultrapassado o limite de gastos com pessoal num serviço público. E assim foi impedida a expansão e agilização dos serviços judiciários, mas também, em muitos casos, inclusive em tribunais superiores, foi impedida a manutenção da normalidade, pois tais deficiências de pessoal ocorriam ao mesmo tempo em que aumentava muito o número de casos submetidos ao Judiciário. E a sobrecarga do Judiciário aumentou, pois, conforme consta do relatório Justiça em números, divulgado recentemente pelo Conselho Nacional de Justiça, no ano de 2013 tramitaram mais de 95 milhões de processos pelo Judiciário, tendo sido julgados nesse ano mais de 27 milhões.

Por tudo isso, é necessário que a imprensa, de modo geral, reveja sua atitude em relação ao Poder Judiciário e seus integrantes de todos os níveis. Os integrantes do Poder Judiciário, desde os mais modestos até os membros das cúpulas dos tribunais superiores, prestam um serviço público de extrema relevância para a garantia e efetivação dos direitos. Assim, o seu desempenho bem como suas reivindicações e manifestações devem merecer a atenção da imprensa e ter a necessária divulgação, com precisão e respeito, sem avaliações preconceituosas. É exigência fundamental do Estado Democrático de Direito que o Judiciário seja tratado com Justiça.   

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