Aposentadoria compulsória

Gilson Dipp deixa STJ e diz ver evolução na transparência do Judiciário

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26 de setembro de 2014, 15h48

Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr
O ministro do Superior Tribunal de Justiça Gilson Dipp deixa o serviço público mas mantém os olhos sobre o Judiciário, com um “conhecimento epidérmico” da realidade deste poder. Ele dedicou 25 anos à magistratura — 16 dos quais no STJ.

Penalista, Dipp é lembrado pelo rigor de suas decisões. No próximo dia 1º de outubro, ele completa 70 anos, data limite para a aposentadoria. Para o futuro, diz que não tem planos, mas possivelmente vai “exercer alguma outra atividade no plano acadêmico ou internacional, tudo é possível, mas não tenho nenhum plano para o futuro”.

Nos últimos dois anos, ele dedicou-se à vice-presidência do STJ e do Conselho da Justiça Federal. Dipp ocupava novamente, desde o início deste mês, uma cadeira na 5ª Turma e na 3ª Seção, órgãos que integrou desde sua posse no STJ e que chegou a presidir.

Juiz por acaso
Gaúcho de Passo Fundo, ingressou no tribunal em vaga destinada à magistratura federal. Oriundo do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Dipp trouxe também a experiência de quem advogou, pois chegou àquela corte pelo quinto constitucional.

“Eu não pensava em ser juiz. Não pensava sequer em ingressar na magistratura depois de 20 anos de advocacia em Porto Alegre. Eu fui juiz por acaso, não foi planejado nem querido. Mas no momento em que me engajei na magistratura, assumi plenamente e com convicção a atividade que iria exercer”, conta.

Dipp também integrou a Corte Especial, o mais alto colegiado de julgamentos do Tribunal da Cidadania. Foi membro do Tribunal Superior Eleitoral, participou da Comissão de Coordenação do STJ e atuou como vice-diretor da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam).

Corregedor
Dipp ocupou também os cargos de coordenador-geral da Justiça Federal, em 2007, e corregedor nacional de Justiça, de 2008 a 2010. Ele avalia que as experiências nos cargos lhe deram uma percepção ampla do funcionamento da Justiça brasileira em todos os seus ramos. Foi considerado pela revista Época um dos cem brasileiros mais influentes do ano de 2009. Em 2012, chegou a coordenar a Comissão Nacional da Verdade, instituída pelo governo federal para esclarecer violações dos direitos humanos durante o regime militar.

No Conselho Nacional de Justiça, como corregedor, o ministro trabalhou para radiografar um Judiciário completamente desconhecido: “Havia pouca gestão nos tribunais, não havia estatísticas, não havia controle, não havia conhecimento de acervo de processos, havia muito pouco sobre concursos de promoção e remoção de juízes.”

Realidade desconhecida
O ministro avalia que é difícil para o cidadão comum compreender o Poder Judiciário, com tantos tribunais, ramos e atribuições diferentes: “Essa é uma realidade que o Brasil não conhece, e se conhece não entende. Nós próprios, da magistratura, temos dificuldade de ter uma visão sistêmica de tudo que ocorre ao nosso lado e entender particularidades dessa prestação jurisdicional que, ao cabo, deve ser voltada sempre para a satisfação da cidadania; não apenas do cidadão, mas da própria cidadania como um todo”.

Durante sua permanência no STJ, o ministro proferiu mais de 80 mil decisões. “Não me impressiona o número de processos. Isso demonstra que houve um acesso maior ao Judiciário, principalmente a partir da Constituição de 1988, e o cidadão confia na Justiça, apesar de todos os desacertos, todas as dificuldades, todo um sistema processual inadequado, toda uma falta de gestão e organização”, analisa.  

O ministro diz que só há pouco tempo o Judiciário começou a entender e aplicar políticas públicas de gestão e administração, de eficácia e de satisfação da decisão judicial frente ao cidadão. Ele comemora que o Judiciário brasileiro, apesar de suas “mazelas”, talvez seja um dos judiciários do mundo com maior grau de autonomia e independência frente aos demais poderes — e certamente o é em toda a América Latina.

Novo código
Seu conhecimento sobre Direito Criminal o levou à presidência da comissão de juristas criada pelo Senado para preparar a reforma do Código Penal, cujos trabalhos foram encerrados em maio de 2012. O projeto está sendo apreciado pelo Legislativo.

O combate ao crime organizado e à lavagem de dinheiro foram as bandeiras levantadas por Gilson Dipp na elaboração do novo código. O ministro destaca os avanços que matérias como crimes financeiros, lavagem de dinheiro, organizações criminosas e cooperação internacional tiveram no país durante os últimos anos, em especial no texto do anteprojeto entregue aos senadores.

Transparência
Todo o trabalho de aproximação do Judiciário com a população faz o ministro acreditar que o caminho leva à transparência, não só no Judiciário como em todas as frentes públicas. Dipp entende que isso é da própria evolução da sociedade e das instituições, do amadurecimento da democracia brasileira, “que de certa forma é ainda um pouco incipiente”.

“Não somos transparentes ainda como deveríamos ser, mas há uma evolução”, avalia. Ele cita como exemplos a própria criação do CNJ, a Lei de Acesso à Informação e as sessões públicas televisionadas no Supremo Tribunal Federal. O ministro entende que conhecer os defeitos é o primeiro passo para tentar superá-los e diminuí-los. “Falta humildade em todo o serviço público brasileiro”, diz ele.

Com a saída de Dipp, já são três as vagas em aberto no STJ, destinadas a membros dos Tribunais Regionais Federais — os ministros Ari Pargendler e Arnaldo Esteves Lima também se aposentaram este ano. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

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