Regulando a desregulada

Cenário das agências reguladoras no país é extremamente caótico

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21 de setembro de 2014, 10h05

A agência reguladora foi desenvolvida para ser o modo pelo qual o Estado atua de forma indireta no mercado, disciplinando e fiscalizando determinadas atividades definidas por políticas públicas, na defesa da sociedade. Por meio da eliminação de falhas de mercado, com efeito, o Estado proporciona um mercado competitivo e harmônico, propício para os investimentos privados, baseado em previsibilidade e segurança jurídica.

Não por coincidência, o saudoso Marcos Juruena afirmava que a agência reguladora tem como característica prestar a orientação da execução — pela empresa privada do atendimento do interesse público. Noutras palavras, porém com a mesma ideia, Bandeira de Mello afirma que as agências têm a finalidade de disciplinar e controlar as atividades da prestação de serviço público.

Além do mais, destaque-se que o foco da agência reguladora não é a proteção do consumidor, isoladamente, mas apenas quando este estiver inserido no conceito de mercado. A atuação do órgão deve conferir condições que viabilizem o regular funcionamento do mercado. É a busca pelo equilíbrio mercadológico, mediantevisão prospectiva, a médio e longo alcance.

Pois bem, no Brasil, a referida política pública encontra-se vigente a partir do governo Fernando Henrique Cardoso, sendo exemplos de órgãos fiscalizadores com este propósito a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), etc.

Entretanto, o nosso país atravessa uma grande crise existencial das agências reguladoras, uma vez que elas costumam, rotineiramente, ferir a livre iniciativa das concessionárias, violando o princípio constitucional da eficiência. Há também aquelas que escolhem como seus gestores pessoas de pouca capacidade técnica e sem o sufrágio universal, violando também o princípio da impessoalidade. Não podemos esquecer, ainda, aquelas que não respeitam os prazos previstos em lei para realizar atos administrativos, prejudicando o exercício de atividades econômicas lícitas e, como poderia deixar de ser, violando ainda o princípio da moralidade.

Como exemplo do primeiro caso, podemos citar o fato ocorrido com a Anatel que, por meio da Resolução 632, instituiu diversas obrigações a serem seguidas pelas operadoras de serviços de telefonia, num exíguo prazo de 120 dias. Sem outra saída, as concessionárias buscaram a tutela jurisdicional a fim de suspenderem, liminarmente, os efeitos do referido regulamento. Neste particular, aliás, sobressai a lição de Paulo Cesar Melo da Cunha, tratando da responsabilidade civil das agências reguladoras, que destaca que os atos destas autarquias devem representar uma ponderação entre os custos e os benefícios gerados pela intervenção na iniciativa privada. Algo conhecido como consequencialismo, embora muito pouco empregado pelos agentes públicos no Brasil.

No segundo caso, não há melhor exemplo do que a Agência Nacional de Saúde Suplementar. Em 2013 a ANS escolheu para seu diretor o ex-advogado de planos de saúde Elano Rodrigues Figueiredo. Ressalta-se: o povo sequer teve participação da aberrante escolha do “lobo” para cuidar do “rebanho” que, por sua vez, omitiu este pequeno detalhe (leia-se tergiversação) em seu currículo apresentado ao Senado Federal. Portanto, conclui-se que o interesse privado tomou o lugar do interesse público.

O terceiro fator, para ficar só nesses, da crise mencionada, é bem ilustrado pelos constantes atrasos da Anvisa em analisar requerimentos administrativos para inclusão ou manutenção de produtos no mercado. O problema é tal que se chegou ao ponto de as sociedades empresárias farmacêuticas para dar só um exemplo serem obrigadas a impetrar mandados de segurança por omissão ilegal da agência.

O cenário, como se infere destas poucas linhas, é extremamente caótico. Entretanto, vejo como uma saída democrática a realização de um plebiscito para a escolha do novo modelo de administração das agências reguladoras, podendo ser formada uma comissão composta por um profundo conhecedor de Direito Público, um funcionário de carreira da autarquia, um membro do Ministério Público e, por fim, um representante dos agentes “regulados”, a fim de que haja o contraditório e o respeito à equidade em todas as óticas da atividade. Assim haveria, respectivamente, a expertise jurídica, o conhecimento técnico, a legítima fiscalização em decorrência do interesse público sobre a atividade e a voz daqueles que, no final do dia, são os verdadeiros alvos deste modelo de governo.

Enquanto isso não acontece nos resta, no mundo real, aguardar as desreguladas cenas dos próximos capítulos.

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