Barbosa vs. Noblat

Questionar os poderes de uma autoridade pública não é uma afronta

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21 de setembro de 2014, 14h29

“Questionar os poderes de uma autoridade pública não deve ser considerada uma afronta, e a crítica à autoridade pública tornou-se algo não somente possível, mas necessário. O exercício do cargo no Poder Judiciário não foge a essa regra”. Com esse entendimento, o juiz federal Elder Fernandes Luciano rejeitou, no último dia 11 de setembro, denúncia do Ministério Público Federal contra o jornalista e colunista Ricardo Noblat, do jornal O Globo.

O MPF, que recebeu representação criminal de Joaquim Barbosa, então ministro e presidente do Supremo Tribunal Federal, pleiteava a condenação pelos crimes de injúria, difamação e racismo. A representação e a denúncia foram propostas por conta da coluna “Joaquim Barbosa: Fora do Eixo”, publicada em 19 de agosto de 2013, no jornal impresso e na internet. A decisão é de 1ª instância, mas o MPF não vai recorrer, segundo noticiou o próprio O Globo.

O MPF justificou a denúncia contra Noblat argumentando que ao “fazer crítica ao ministro do STF, no exercício de sua função, extrapolou os limites da liberdade de expressão e de manifestação de pensamento, passando à ofensa deliberada do ofendido”. Afirmou ainda que “a crítica foi altamente ofensiva e injuriosa”. E sustentou “que o modo de agir do denunciado não apenas constituiu injúria racial. O texto publicado também estaria envolto à prática de racismo”.

A defesa do jornalista alegou que o texto, “definitivamente, não era ofensivo à honra de quem quer que fosse e tampouco indutivo da prática de racismo”, e sustentou ainda “que se tratava de crítica jornalística, notadamente elaborada a partir de fato ocorrido em sessão do julgamento do processo conhecido como ‘mensalão’”. 

Carlos Humberto/SCO/STF
Ainda segundo a defesa, “na ocasião da sessão do julgamento do dia 15 de agosto de 2013, o ministro Joaquim Barbosa (foto) havia acusado o ministro Ricardo Lewandowski de ‘fazer chicana no julgamento’. O acusado [Noblat] teria feito crítica sobre a maneira que o ministro Joaquim Barbosa age quando contrariado, bem como reflexão do assunto”. 

O juiz destacou que “o texto realmente é ríspido”. “É compreensível que qualquer pessoa que se sujeitasse a ser objeto de artigo também não gostaria da opinião jornalística da forma como foi exposta. Natural também que o ser humano se deleite com o elogio e seja avesso a críticas. Entretanto, entre se aborrecer com comentários que não exaltam qualidades, e a existência da prática de delito, há de se ponderal vários fatores circunscritos à ciência penal”, explicou o magistrado.

Em sua decisão, o juiz destacou que “há simbiose entre acesso à informação e à possibilidade de crítica”. Essa possibilidade, escreveu, “é uma das facetas da liberdade de expressão, prevista no artigo 5º, IX, da Constituição Federal”.

Elder Fernandes Luciano escreveu ainda que o “sr. Joaquim Barbosa despertou paixões com a mesma velocidade com que despertou ódio. Não há problema quanto a isso. Exercia cargo de relevante importância para a República Federativa do Brasil, e decidia, diuturnamente, questões importantes para o país. Não é surpresa que, como juiz, desagradasse alguns e agradasse outros pelas suas decisões. Mas também não há problema de as pessoas, dentre elas as jornalistas, entenderem se a sua compostura na Suprema Corte era adequada ou não. (…) Se casos como este forem reputados como crime, perde a sociedade a oportunidade de formular senso autocrítico. Toda a evolução a respeito da liberdade de pensamento no Estado Democrático de Direito sofrerá grande retrocesso”. 

Clique aqui para ler a decisão.

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