Contabilidade criativa

Leilão 4G da Anatel pode ser usado apenas para cumprir metas fiscais

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21 de setembro de 2014, 8h10

O orçamento público é o principal instrumento de concretização dos planos governamentais, vez que, ao ordenar as receitas e despesas de um determinado período, ele correlacionará a arrecadação do Estado com os gastos previstos. De tal forma, além de ordenar as finanças, o orçamento demonstra as formas como um determinado Governo conduz a sua gestão fiscal.

Apesar de sua importância enquanto instrumento onde são feitas as escolhas trágicas públicas — isto é, opção a se fazer entre necessidades/desejos infinitos em face de recursos limitados — a discussão orçamentária passa muito longe da realidade do cotidiano dos cidadãos brasileiros, seja por falta de interesse ou pela dificuldade em acompanhar os debates pelo acentuado grau de tecnicismo.

Não obstante, cada vez mais a questão orçamentária vem ganhando espaço no noticiário. Isto se deve principalmente às manifestações governamentais sobre o cumprimento de metas fiscais. A crescente exposição das metas tornou públicas técnicas de gestão fiscal para alcançá-las que não condizem com a realidade, o que é resumido pelo termo contabilidade criativa.

O que vem sendo visto desde 2013 é um acirrado debate sobre manipulações de rubricas e classificações contábeis e orçamentárias para maquiar a realidade financeira, desvirtuando o orçamento enquanto demonstrativo da efetiva condição financeira do Estado, inviabilizando o controle social da gestão/políticas adotadas.

Este esforço criativo se deve ao fetichismo fiscal do governo, observado ao longo dos anos, de garantir, a todo custo, superávits primários, utilizando estas metas como demonstrativo de boas práticas. Não se pretende desqualificar a utilidade e necessidade de eventualmente haver esforços para garantir este tipo de resultado, sendo um de seus objetivos o pagamento de juros da dívida pública (dentre outros). O que se critica é uma busca frenética a todo e qualquer custo e a adoção de manobras emergenciais que, no longo prazo, não se sustentam, mas simplesmente postergam eventual necessidade de um ajuste rígido. Tendo em vista as pioras nos índices fiscais, especialmente aqueles referentes à arrecadação, tanto a efetiva quanto a prevista, e a insuficiência das ferramentas já adotadas (adiamento do pagamento de despesas) busca-se meios para auferir receitas extraordinárias. E é justamente isso que se percebe pelo que vem sido noticiado ao longo das duas últimas semanas em relação ao edital de leilão 4G da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). 

A priori, poder-se-ia presumir que este leilão, a ser realizado em setor de infraestrutura essencial ao desenvolvimento do país, partiria de um pressuposto de melhora na prestação deste serviço e a modernização das telecomunicações nacionais. Entretanto, e devido ao desejo do Governo de atingir sua meta fiscal de superávit primário, teme-se que o edital abandone as exigências de investimento na infraestrutura em prol de uma maior arrecadação no curto prazo, pois se aumentará a concorrência, e, por consequência, o valor do bônus (o qual provavelmente será pago com financiamento do BNDES, o que, de certa forma, também incentiva a pecha de criativa a esta contabilidade).

Simplificando, há pretensão de abandonar exigências de investimento para garantir maiores lances no certame a ser realizado e aumentar a receita a ser recebida de imediato. O mais grave é que esta estratégia [de utilizar o leilão com finalidade de cumprir metas fiscais] está amplamente divulgada por representantes governamentais de alto escalão.

Estratégias neste sentido não são recentes, pois dividendos oriundos de empresas estatais vêm sendo usados de forma constante para atingir metas fiscais de superávit, o que foi criticado pelo TCU em 2013. O que surpreende, neste caso, é a utilização de um leilão de infraestrutura neste sentido, notadamente em face dos protestos de junho/2013, cujo foco seria a precariedade de serviços públicos (dentre outras pautas que foram posteriormente agregadas).

A busca desenfreada do Governo querer atingir metas fiscais por si só é preocupante, porém o abandono de noções de planejamento de longo prazo em face de benefícios em curto prazo é causa de mais forte inquietação. É preciso, ao recuperar a noção de planejamento financeiro, abandonar noções rígidas de equilíbrio orçamentário numérico e partir para uma sustentabilidade financeira da atuação estatal, ainda mais quando se está tratando de receitas extraordinárias, que, como o nome indica, são eventuais e não geram sustentabilidade, apenas fechamento de contas. O governo leiloa a implementação da infraestrutura para pagar juros, fazendo com que os rentistas aprisionem o desenvolvimento nacional. Urge rever esta equação. Não se pode colocar em risco a redução do déficit infraestrutural do país em prol do fetichismo fiscal do governo.

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