Natureza tributária

Senai não pode cobrar adicional sobre contribuição

Autor

  • Frederico de Moura Theophilo

    é advogado em Londrina. Sócio da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF) e da International Fiscal Association (IFA) membro do Instituto de Direito Tributário do Paraná; membro honorário do Instituto de Direito Tributário de Londrina (IDTL) e ex-conselheiro do Carf.

20 de setembro de 2014, 6h00

Circunscrição da matéria a ser examinada.
Empregados do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) estão exigindo o pagamento de uma exação estabelecida pelo artigo 6º do Decreto-lei 4.048, de 22 de janeiro de 1942 e pelo artigo 3º do Decreto-lei 6.246, de 5 de fevereiro de 1944, calculada como adicional de 20% sobre a contribuição de 1% incidente sobre o montante da folha de pagamento das indústrias que tenham mais de 500 empregados.

O Senai exige o pagamento direto de tal exação consoante delegação de competência tributária a pessoa jurídica de direito privado, o Senai, levada a efeito pelo artigo 10 do decreto 60.466/67, o qual textualmente prescrevia o seguinte:

Art. 10. A taxa adicional de 20% (vinte por cento) devida ao Serviço Nacional de aprendizagem Industrial (SENAI) pelos estabelecimentos que tiverem mais de 500 (quinhentos) empregados, conforme dispõe o artigo 6º do Decreto-lei nº 4.048, de 22 de janeiro de 1942, e o artigo 3º do Decreto-lei nº 6.245, de 5 de fevereiro de 1944, será recolhida diretamente ao SENAI, a quem incumbirá sua fiscalização

Diante desses fatos, inclusive diante de execuções judiciais dos valores não pagos desta exação distribuídas à Justiça dos Estados, o presente estudo irá se deter sobre (i) a natureza tributária da contribuição mencionada; (ii) a não recepção do mencionado artigo 10 do Decreto 60.466/1967, quer pela Constituição de 1988, quer pelo CTN; (iii) a revogação expressa do citado Decreto 60.466/1967; (iv) sendo tributo federal não poderia ser exigido por pessoa jurídica de direito privado (o Senai); (v) com o advento da Lei 11.457/2007 que criou a Receita Federal do Brasil, conferindo-lhe competência para cobrar a contribuição ao Senai, pelos seus artigos 2º e 3º o Senai não poderia arrecadar diretamente tal contribuição; e, por consequência, (vi) sua execução, sendo uma execução fiscal de tributo federal não poderia ser processada perante a Justiça Estadual, visto ser de competência privativa da Justiça Federal.

Considerações sobre as contribuições sociais na Carta de 1988 e antes desta.
Para uma melhor compreensão do desenvolvimento deste estudo se faz necessário tecer as seguintes considerações sobre a natureza jurídica das contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico, no interesse profissional e dos sindicatos, etc.

Assim, tal contribuição adicional que está sendo exigida diretamente pelo Senai mediante delegação de competência tributária a pessoa jurídica de direito privado, o Senai, levada a efeito pelo artigo 10 do Decreto 60.466/67 e criada para empresas com mais de 500 empregados em 1942 e 1944, não tinha natureza tributária, visto que surgiram antes mesmo da Constituição de 1946 onde a parafiscalidade iniciou a ter um novo significado e, como tal, não estavam sujeitas a todas as normas relativas aos tributos em geral.

Com efeito, após a vigência da Constituição de 1988 a parafiscalidade nada mais significa diante da natureza tributária das contribuições (artigo 149 da CF) e de sua submissão integral às normas tributárias constitucionais assentadas nos princípios da legalidade estrita em matéria fiscal (artigo 150, inciso I da CF) da anterioridade (artigo 150, inciso III da CF) das normas gerais em matéria tributária serem fixadas por lei complementar (artigo 146, inciso III da CF), etc.

É que atualmente as contribuições estão previstas no artigo 149 da Constituição de 1988, fato que lhes confere textualmente natureza tributária sujeitas às normas gerais tributárias estabelecidas por lei complementar, o CTN consoante o prescrito no artigo 146, inciso III da CF e com sua submissão integral às normas tributárias constitucionais assentadas nos princípios da legalidade estrita em matéria fiscal (artigo 150, inciso I da CF) e da anterioridade (artigo 150, inciso III da CF).

Nesse sentido são diversos pronunciamento do STF como se colhe da ementa do RE 562.276/PR ao afirmar textualmente, embora tratando de contribuição para a seguridade social, que “1. Todas as espécies tributárias, entre as quais as contribuições de seguridade social, estão sujeitas às normas gerais de direito tributário”.

Portanto tal adicional passou a ter natureza tributária a partir da Constituição de 1988, como adiante será visto.

Da natureza tributária desse adicional à contribuição ao Senai.
Como visto, a partir da Constituição de 1988, as contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas e sem prejuízo das contribuições para a seguridade social, passaram a ter natureza tributária consoante o disposto no artigo 149.

Sendo assim, embora o artigo 240 da Constituição prescreva que “ficam ressalvadas do disposto no art. 195 as atuais contribuições compulsórias dos empregadores sobre a folha de salários, destinadas às entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical” não resta a menor dúvida de que a contribuição anteriormente prevista pelo artigo 6º do Decreto-Lei 4.048/1942 e é uma contribuição de interesse das categorias profissionais ou econômicas  a que se refere o artigo 149 da Constituição, distinguindo-se daquelas outras destinadas à seguridade social a que se refere o artigo 195 do mesmo Texto Político, porém, submissa ao disposto no artigo 149 anterior, nos mesmos termos daquelas devidas ao SESC, SENAC, SENAR, etc.

Nesse sentido é o já decidido pelo Excelso Tribunal no RE 396.266 – Pleno, citado no AI 839.196, onde se vê que “2. Contribuição destinada ao SENAI. Exação enquadrada no artigo 240 da Constituição Federal. TRIBUTO instituído originariamente por Decreto-Lei”. Ora, se a contribuição ao Senai é tributo, seu adicional também é tributo.

Sendo assim, tal contribuição adicional da contribuição ao Senai, como esta, está sujeita a todas as normas gerais de direito tributário insertas no Texto Político e contidas no CTN. Dentre estas o princípio da legalidade estrita em matéria fiscal (art. 150, I da Constituição e 3 e 97 do CTN).

De outra parte, o mencionado dispositivo constitucional (artigo 149) confere competência ativa para instituição e cobrança das contribuições sociais exclusivamente à União, e o CTN em seus artigos 6º, parágrafo único e 119 prescreve que o “Sujeito ativo da obrigação é a pessoa jurídica de Direito Público, titular da competência para exigir o seu cumprimento”.

Portanto, quem tem competência para instituir e exigir tais contribuições sociais e, dentre estas, a contribuição adicional à contribuição ao Senai é a União.  Aliás, sobre o mencionado artigo 240 da Constituição a lição de Ives Gandra da Silva Martins[1] é a seguinte “de rigor, tais contribuições encontram-se previstas no art. 149, razão pela qual o dispositivo seria despiciendo. Em verdade, todas as contribuições no interesse das categorias ou de caráter social são abrangidas pelo art. 149, de forma que aquelas previstas no art. 240 já o estavam também no art. 149. Trata-se das contribuições para o Senai, o Sesi e entidades semelhantes.

Do exposto, já é possível concluir preliminarmente que:

1º – A contribuição adicional de 20% à contribuição ao Senai tem natureza de tributo, especialmente, de contribuição social de interesse das categorias profissionais ou econômicas; e,

2º – Sendo um tributo se sujeita a todos os princípios e normas tributários, como o da legalidade estrita, anterioridade, igualdade fiscal, vedação ao confisco, etc.; e,

3º – A União é que tem competência exclusiva para a instituição de tais contribuições.

Da não recepção do artigo 10 do Decreto 60.466/1967 pela Constituição de 1988 e de sua consequente revogação.
O parágrafo 1º do artigo 2º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro prescreve que “A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior”.

Assim, basta que lei posterior seja incompatível com a lei anterior para que esta seja revogada por ela, mormente se esta lei posterior for uma norma superior do sistema jurídico positivo.

A Constituição é uma Lei, é a lei maior do sistema jurídico brasileiro e por isso basta que ela seja incompatível com uma norma anterior à sua promulgação para que esta seja revogada. É o que se vê da lição do Supremo Tribunal Federal na ADI 2-DF, cuja ementa deixa assentado que a “A Constituição sobrevinda não torna inconstitucionais leis anteriores com ela conflitantes: REVOGA-AS. Pelo fato de ser superior, a Constituição não deixa de produzir efeitos revogatórios. Seria ilógico que a lei fundamental, por ser suprema, não revogasse, ao ser promulgada, leis ordinárias. A lei maior valeria menos que a lei ordinária”.

Os artigos 146, inciso III, alíneas “a” e “b” da Constituição de 1988 prescreve cabe à lei complementar “estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários”; e segundo o e artigo 150, inciso I determina que “é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”.

Com base nos artigos 146, inciso III, alínea “b” e 150, inciso I da Constituição o CTN, que foi recebido como Lei Complementar pela Constituição de 1988, por seus artigos 3º, e 97 consagra o princípio da legalidade estrita em matéria fiscal ao prescrever que tributo é “toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada e que “Somente a lei pode estabelecer: I – a instituição de tributos, ou a sua extinção; III – a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3º do artigo 52, e do seu sujeito passivo;  IV – a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65”.

Da interpretação sistemática da letra “b” do inciso III do artigo 146 da Constituição combinado com os incisos I e III do artigo 97 e o artigo 119 do CTN, pelos quais compete à lei complementar legislar sobre a obrigação tributária, a definição do seu fato gerador e consequentemente dos seus sujeitos ativo e passivo, jamais o artigo 10 do Decreto 60.466/1967, (que não é lei) poderia “legislar” sobre delegação de competência tributária alterando o sujeito ativo desta obrigação de pagamento de tal adicional ao Senai.

Acrescente-se também, diante do princípio da legalidade inserto no artigo 150, inciso I da Constituição de 1988, que somente a lei poderia estabelecer quem é o sujeito ativo da obrigação tributária e este já está definido no artigo 119 do CTN.

Do exposto, sendo a União a titular da competência para instituir e cobrar a contribuição do artigo 6º do Decreto-lei 4.048, de 22 de janeiro de 1942 e o artigo 3º do Decreto-lei 6.426, de 5 de fevereiro de 1944 nos termos do artigo 149 da CF esta é o sujeito ativo da exigência desse adicional consoante o disposto no artigo 119 do CTN e a delegação desta competência tributária ao Senai levada a efeito por decreto carece de validez, pois agride os artigos 146, inciso III, alínea “b” e 150, inciso I da Constituição e artigos 3º, 97, incisos I e III e 119 do CTN.

Sendo assim, como o artigo 10 do Decreto 60.466/1967 foi revogado pela nova ordem jurídica nascida em outubro de 1988, pois com ela incompatível é, de consequência, nula a exigência direta pelo SENAI de tal contribuição adicional (tributo federal) em execução movida na Justiça Estadual.

Da impossibilidade de delegação de competência tributária em face da natureza tributária desta contribuição e de disposições que determinam o recolhimento das contribuições à Conta Única do Tesouro Nacional.
Os artigos 56 e 57 da Lei Nacional 4.320/67 que “Estatui Normas Gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal”, estabelecem o que:

Art. 56. O recolhimento de todas as receitas far-se-á em estrita observância ao princípio de unidade de tesouraria, vedada qualquer fragmentação para criação de caixas especiais.

Art. 57. Ressalvado o disposto no parágrafo único do artigo 3º desta lei (operações de credito por antecipação da receita, as emissões de papel-moeda e outras entradas compensatórias, no ativo e passivo financeiros) serão classificadas como receita orçamentária, sob as rubricas próprias, todas as receitas arrecadadas, inclusive as provenientes de operações de crédito, ainda que não previstas no Orçamento.

Por seu turno a Lei 11.457/2007 prescreve em seus artigos 1º a 3º o seguinte:

Art. 1º A Secretaria da Receita Federal passa a denominar-se Secretaria da Receita Federal do Brasil, órgão da administração direta subordinado ao Ministro de Estado da Fazenda.

Art. 2º Além das competências atribuídas pela legislação vigente à Secretaria da Receita Federal, cabe à Secretaria da Receita Federal do Brasil planejar, executar, acompanhar e avaliar as atividades relativas a tributação, fiscalização, arrecadação, cobrança e recolhimento das contribuições sociais previstas nas alíneas a, b e c do parágrafo único do art. 11 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, e das contribuições instituídas a título de substituição. (Vide Decreto nº 6.103, de 2007).

(…..)

Art. 3º As atribuições de que trata o art. 2o desta Lei se estendem às contribuições devidas a terceiros, assim entendidas outras entidades e fundos, na forma da legislação em vigor, aplicando-se em relação a essas contribuições, no que couber, as disposições desta Lei. (Vide Decreto nº 6.103, de 2007).

Também quanto ao processo administrativo de determinação e exigência de créditos tributários referentes às contribuições de que tratam os artigos 2º e 3º da lei 11.457/2007, passou a ser regido pelo Decreto 70.235/72 que trata do Processo Administrativo Fiscal da União como manda o artigo 25 da mencionada lei.

De outra parte, o Decreto 6.103/2007 antecipou a aplicação do Decreto 70.235/72 para 02.05.2007 como se vê do seu artigo 1º.

Finalmente o § 5º do artigo 165 da Constituição Federal determina que:

Art. 165. (…..)    § 5º – A lei orçamentária anual compreenderá:

III – o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público.

Ora, de tudo quanto foi citado e da legislação mencionada, impossível concluir que tal contribuição possa ser exigida diretamente pelo Senai sem haver qualquer agressão aos artigos 3º, 97, icisos I e III e 119 do CTN.

Da impossibilidade de delegação de competência tributária em face da natureza tributária desta contribuição e o Senai ter personalidade jurídica de direito privado.
Acrescente-se mais ainda que sendo tal contribuição um tributo, a sua arrecadação e fiscalização só pode ser delegada a outra Pessoa Jurídica de Direito Público, consoante se depreende do disposto no artigo 7º do Código Tributário Nacional.

E não se diga que no caso presente há apenas o cometimento de arrecadação a que se refere o parágrafo 3º do mencionado artigo 7º do CTN, o qual prescreve que “Não constitui delegação de competência o cometimento, a pessoas de direito privado, do encargo ou da função de arrecadar tributos”.

Ora, entende-se pelo cometimento do encargo de arrecadar tributos quando este é retido de terceiro e recolhido à pessoa pública constitucional competente para a exigência de tal tributo, como os casos de retenção das contribuições previdenciárias pelo empregador e o seu recolhimento aos cofres públicos ou o cometimento de arrecadação de tributos aos Bancos. Nesse sentido são as decisões exaradas no REsp 94.962/ES, no REsp 38.761/MG e no REsp 28.675/PR.

O mesmo não se pode dizer do poder de fiscalizar e efetuar o lançamento de tributos, em primeiro lugar porque como previsto no Artigo 119 do CTN a capacidade ativa na obrigação tributária (o sujeito ativo) é da pessoa jurídica de direito público titular da competência para exigir o seu cumprimento e, em segundo lugar, porque, nos termos do artigo 142 do CTN e seu parágrafo único, o lançamento é ato vinculado, ou seja, só pode ser efetuado por autoridade administrativa a quem a lei confere competência a tanto, devendo ser efetuado dentro dos estreitos limites legais em obediência ao princípio da estrita legalidade inserto no artigo 150, inciso I da Constituição de 1988.

De outra feita, o Sindicato Brasileiro, segundo a doutrina predominante, tem personalidade jurídica de direito privado, sendo esse o entendimento de Catharino, Amauri Mascaro Nascimento, Orlando Gomes e Elson Gottschalk, Segadas Vianna e Délio Maranhão, entre os principais.

O mesmo ocorre com suas Federações e sua Confederação que também são organizações sindicais de grau superior segundo o artigo 533 da CLT, ou seja, são associações de direito privado.

É que pela Constituição de 1988, os vínculos jurídicos com o Estado foram efetivamente rompidos, com a autonomia dos sindicatos e a sua função de defesa dos interesses coletivos e individuais dos seus representados.

Por seu turno, o Senai, assim como os outros  Sistema “S” (Senac, Sesc, Sesi, Sebrae, Senar, Sest, Senat), é também uma entidade de direito privado e é apenas um órgão consultivo do Governo Federal, conforme o Regimento do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial, a saber:

Art. 2º O SENAI funcionará como órgão consultivo do Governo Federal em assuntos relacionados com a formação de trabalhadores da indústria e atividades assemelhadas.

Art. 3º O Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial é uma entidade de direito privado, nos termos da lei civil, com sede e foro jurídico na Capital da República, cabendo a sua organização e direção à Confederação Nacional da Indústria.

Nesse sentido, embora tratando da exigência de concurso público para contratação de funcionários de entidades do Sistema “S”, no caso o Sest, o relator do Recurso Extraordinário (RE) 789.874, ministro Teori Zavascki, sustentou que as entidades que compõem os serviços sociais autônomos, por possuírem natureza jurídica de direito privado e não integrarem a administração indireta, não estão sujeitas à regra prevista no artigo 37, inciso II da Constituição Federal, mesmo que desempenhem atividades de interesse público em cooperação com o Estado, o que foi aprovado por unanimidade pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal.

Nesse passo, possível é concluir que o Senai jamais poderia proceder à fiscalização, arrecadação, cobrança, lançamento e recolhimento dessa contribuição adicional, pois a delegação conferida pelo artigo 10 do Decreto 60.466/1967, não pode ser conferida por decreto e muito menos a pessoa jurídica de direito privado após a vigência da Constituição de 1988, uma vez que tal adicional é tributo.

Da revogação expressa do mencionado Decreto 60.466/1967.
Supondo-se que tal Decreto 60.466/1967 tivesse sido recebido pela Constituição de 1988, e não o foi, vez que foi por ela revogado, mesmo assim, tal decreto de delegação de competência tributária foi revogado pelo decreto sem número de 10.05.1991, bastando para tanto consultar o site da Presidência da República.

Assim, padece de validez, a exigência de tal adicional alicerçada no artigo 10 do Decreto 60.466/67.

Nesse sentido os tribunais de Justiça de Pernambuco (APL 10211120098170660 PE 0001021-11.2009.8.17.0660) e de São Paulo (APL 2044537920088260000 SP 0204453-79.2008.8.26.0000) entendem que o Senai não tem legitimidade ativa para exigir tal adicional com base no decreto revogado expressamente em 10 de maio de 1991 e, principalmente, quanto à titularidade da competência da União para exigir tal contribuição adicional em face da Lei 11.457/2007.

Também o Superior Tribunal de Justiça, em decisão recente, embora ainda tenha por válido o mencionado Decreto 60.466/67, especialmente seu artigo 10, reconheceu a natureza tributária de tal contribuição e a competência da União para sua exigência, decidiu no Conflito de Competência 122.713-SP, sustentando que “dita contribuição (cf. art. 10 do Decreto n.60.466/67), ainda assim se trata de tributo instituído pela União e exigível mediante lançamento, atribuição típica de autoridade administrativa federal (art. 142 do CTN), que acabou por constituir crédito tributário relativo à contribuição adicional de que trata o art. 6º do Decreto-Lei n. 4.048/42. Portanto, compete ao Juízo Federal, ora suscitado, processar e julgar o mandado de segurança”.

Como visto, o Superior Tribunal de Justiça continuou a decidir calcado no artigo 10 do Decreto 60.466⁄67 não recepcionado e, portanto, revogado pela Constituição de 1988 e mesmo que recebido, revogado pelo Decreto sem número de 10 de maio de 1991, o que deverá, por certo, ser alterado de agora em diante.

Tal exação, porém, é de competência exclusiva da União e só pode ser executada na Justiça Federal pela Procuradoria da Fazenda Nacional segundo o prescrito no artigo 16 da Lei 11.457/2007.

Do exposto, uma vez que a Lei 11.457/2007 foi publicada em 19 de março de 2007, adquirindo vigência a partir de abril de 2008 (art. 16, §2º supra) qualquer execução proposta deverá ser feita na Justiça Federal e pela Procuradoria da Fazenda Nacional segundo o artigo 109, I da Constituição Federal.

Da competência da Receita Federal do Brasil para arrecadar e fiscalizar e lançar as contribuições de terceiros.
A Instrução Normativa da Receita Federal 567 de 31 de agosto de 2005, calcada na MP 258/2005, prescrevia em seu artigo 3º que “A contribuição adicional a que se refere o artigo 6º do Decreto-Lei 4.048, de 22 de janeiro de 1942, equivalente a 20% da contribuição devida ao Senai pelas empresas de que trata o artigo 1º, com mais do que 500 empregados, continuará sendo arrecadada, fiscalizada e cobrada pelo Senai, em relação aos fatos geradores que ocorrerem até 31 de dezembro de 2006”.

A Medida Provisória 258/2005 caducou em novembro de 2005, porém, a Lei 11.457/2007 por seus artigos 1º, 2º e 3º estabeleceu o seguinte:

Art. 2º Além das competências atribuídas pela legislação vigente à  Secretaria da Receita Federal, cabe à  Secretaria da Receita Federal do Brasil planejar, executar, acompanhar e avaliar  as atividades relativas a tributação,  fiscalização, arrecadação, cobrança e recolhimento das contribuições sociais previstas nas  alíneas a, b e c do parágrafo único do art. 11 da Lei no 8.212, de 24 de  julho de 1991, e das contribuições  instituídas a título de substituição. (Vide Decreto nº 6.103, de 2007).
(…..)
Art. 3º As atribuições de que trata o art. 2º desta Lei se estendem às contribuições devidas a terceiros, assim entendidas outras  entidades e fundos, na forma da  legislação em vigor, aplicando-se em relação a essas contribuições, no que couber, as disposições desta Lei. (Vide Decreto 6.103, de 2007).

Assim, toda exigência deste adicional desde o advento da Constituição de 1988 não poderia ser levada a efeito diretamente pelo Senai e, mesmo que pudesse e não tivesse sido revogado referido artigo 10 do Decreto 60.466/1967 pela Constituição de 1988, o Senai não poderia cobrar tal adicional porque o mencionado Decreto 60.466/1967 foi revogado expressamente pelo Decreto sem número de 10.05.1991.

Portanto, desde outubro de 1988 ou, no mínimo, desde 10 de maio de 1991, tal adicional não pode ser cobrado diretamente pelo Senai e muito menos executado perante a Justiça Estadual, isso sem que seja tomada em consideração a Lei 11.457/2007, vigente a partir de abril de 2008, tal exigência deste adicional diretamente pelo Senai é inválida, ilegal e inconstitucional.

Conclusões
Diante do que foi desenvolvido anteriormente, é possível concluir que, após o advento da Constituição de 1988:

1º – Além das contribuições para a seguridade social do artigo 195 da Constituição, as contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, passaram a ter natureza tributária (artigo 149 da CF);

2º – Estas contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, são de competência exclusiva da União e estão sujeitas ao disposto nos artigos artigos 146, inciso III, e 150, inciso I e III da Constituição.

3º – A contribuição adicional de 20% da contribuição ao Senai é uma contribuição “de interesse das categorias profissionais ou econômicas” tendo natureza tributária, estando também sujeita ao disposto nos artigos artigos 146, inciso III, e 150, incisos I e III da Constituição;

4º – A contribuição adicional de 20% da contribuição ao Senai está subordinada, portanto, ao princípio da legalidade estrita em matéria fiscal do artigo 150, inciso I da Constituição e à definição por lei complementar do artigo 146, inciso III, alínea “b” anterior, da “obrigação, lançamento, crédito…..tributários” e, portanto, a definição dos sujeitos ativo e passivo desta obrigação tributária;

5º – Diante da subordinação desse adicional ao princípio da legalidade estrita em matéria fiscal a delegação do artigo 10 do Decreto 60.466/1967 foi revogada pela Constituição de 1988 visto ser com ele incompatível;

6º – Não bastasse a Constituição de 1988 ter revogado artigo 10 do Decreto 60.466/1967 por total incompatibilidade com seus princípios fiscais, o citado decreto foi revogado expressamente pelo Decreto sem número de 10.05.1991, como visto; 

7º – Finalmente, o artigo 3º da Lei 11.457/2007 findou por conferir competência à Secretaria da Receita Federal do Brasil para “planejar, executar, acompanhar e avaliar as atividades relativas a tributação,  fiscalização, arrecadação, cobrança e recolhimento” das “contribuições devidas a terceiros, assim entendidas outras  entidades e fundos, na forma da  legislação em vigor, aplicando-se em relação a essas contribuições, no que couber, as disposições desta Lei”;

8º – Por consequência, a contribuição adicional de 20% sobre a contribuição ao Senai não pode ser cobrada diretamente pelo Senai que é pessoa jurídica de direito privado e muito menos executada por ele perante a Justiça Estadual.


[1] “COMENTÁRIOS À CONSTITUIÇAO DO BRASIL (PROMULGADA EM 5 DE OUTUBRO DE 1988)” – 9º VOLUME – Arts. 233 a 246. ADCT. – Emendas Constitucionais n. 1 a 18 e Emendas de Revisão n. 1 a 6 – 1998 – Editora Saraiva – Págs. 124/125 – CELSO RIBEIRO BASTOS – IVES GANDRA MARTINS

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    é advogado em Londrina. Sócio da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF); da International Fiscal Association (IFA); Membro do Instituto de Direito Tributário do Paraná; Membro Honorário do Instituto de Direito Tributário de Londrina (IDTL); Ex-Conselheiro do Carf-MF.

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