Direito intertemporal

Livro faz reflexões sobre retroatividade das leis civis no Brasil

Autor

  • Luiz Edson Fachin

    é sócio fundador do escritório Fachin Advogados Associados e sócio do Fachin Girardi Escritórios Associados. É pesquisador convidado do Instituto Max Planck (Alemanha) e professor titular de Direito Civil da UFPR.

17 de setembro de 2014, 6h51

É com grande júbilo que recebi o exemplar da obra Novo Direito lntertemporal Brasileiro: da retroatividade das leis civis, escrito pelo advogado e professor Mário Luiz Delgado, doutor em Direito pela USP e diretor de Assuntos Legislativos do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp).

Esse livro, que trata de maneira acutíssima a questão da retroatividade das leis e dos institutos que lhe são inerentes, também apresenta reflexões de grande monta no que tange às principais teorias e autores que discutiram o assunto ao longo da História. É, portanto, uma obra que une o Direito à História, trazendo contributos essenciais aos operadores do Direito.

O campo de estudos do direito intertemporal é área de intrincada análise. Justamente pela notável complexidade de seus estudos, muitos institutos clássicos desta área permanecem até hoje no ordenamento jurídico, não raro fora de contexto e distantes da realidade social.

Dogmas comuns entre os juristas contemporâneos, como o ato jurídico perfeito e o direito adquirido, não mais se coadunam com os novos tempos nos moldes em que se encontram. São efetivamente significantes que, diante da força construtiva dos fatos, demandam novos significados e superações conceituais. 

No atual estado da arte do mundo jurídico, permito-me inferir que a Constituição de 1988 gerou efetiva virada de Copérnico, tanto na esfera pública quanto na privada. Com ela, princípios passaram a gozar de normatividade, institutos de direito privado foram erigidos ao patamar Constitucional e a própria noção de interpretação restou modificada.

Neste influxo, todo o ordenamento jurídico passou a ser visto por meio das lentes do constituinte, considerando-se a aplicação dos princípios constitucionais a toda a gama de relações humanas existente. 

Esta nova realidade fez com que diversos institutos jurídicos fossem reinterpretados, mirando um porvir constitucionalizado. Entretanto, conforme destaca o autor, muitos dos institutos do direito intertemporal permanecem atrelados ao formalismo e ao positivismo clássico da modernidade. Conceitos como ato jurídico perfeito e o direito adquirido, embora construções de extrema relevância para o Direito, necessitam de nova roupagem jurídica, melhor adaptada à eticidade e solidariedade constitucional.

Nesta senda, mirando este escopo de adaptação do direito intertemporal à realidade vigente, a presente obra se mostra de extrema relevância. A partir de uma introdução conceitual que serve de premissa ao tratamento do tema, o autor traça um paralelo das principais teorias que marcaram a história do instituto, bem como os autores que as sustentam. Comungo da opinião, por exemplo, de que existem diferenças entre o efeito retroativo e o mero efeito imediato da lei, conforme dita a linha objetivista.

Na sequência, a obra apresenta também interessante estudo de direito comparado acerca da retroatividade das leis, de modo que  o ordenamento jurídico brasileiro possa sorver da experiência de outros países, mas sempre considerando suas peculiaridades e diferenças.

Especificamente na seara do Direito Civil, o autor propõe reflexão acurada e minuciosa acerca da doutrina e jurisprudência envolvendo problemas de direito intertemporal. E tal análise não se limita a um ou
outro aspecto da civilística brasileira: partindo de controvérsias da parte geral do Código Civil de 2002, como é o caso da sua entrada em vigor e de suas disposições acerca da capacidade das pessoas naturais, pode­ se perceber um fio condutor que segue para o direito das obrigações, direito das coisas e direito de família, permeando muitas das principais questões do direito hodierno.

Outro ponto que merece consideração é a preocupação com a revisão e atualização arguta da presente obra nesta segunda edição. Além de alto rigor teórico e conceitual, pode-se perceber o profícuo diálogo das ideias do autor com as recentes tendências do direito civil. Um exemplo é a aplicação do artigo 1.831 do Código Civil que, mesmo estabelecendo formalmente apenas ao cônjuge sobrevivente o direito real de habitação, já pode ser estendida atualmente ao companheiro, haja vista a incidência de uma metodologia civil-constitucional. Isto se deve à noção de equiparação da união estável ao casamento como institutos que representam a família de modo igualitário, já que a liberdade de cada indivíduo não pode ser arbitrada tão somente pela vontade do legislador.

O livro se mostra de inestimável importância para a realidade brasileira atual, possibilitando um vero entendimento sério e aprofundado do direito intertemporal adaptado à constitucionalização do direito privado.

*Texto alterado às 12h do dia 18/9 para acréscimos.

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