Crimes de guerra

Corte europeia julga responsabilidade do Reino Unido por mortes no Iraque em 2003

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15 de setembro de 2014, 12h47

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A Corte Europeia de Direitos Humanos (foto) vai anunciar nesta terça-feira (16/9) se o Reino Unido pode ser responsabilizado por mortes que ocorreram durante a invasão do Iraque, em março de 2003. A invasão foi comandada pelos Estados Unidos, sob a batuta do então presidente George W. Bush, mas com apoio incondicional do Reino Unido. Se os britânicos forem considerados responsáveis, podem ter de pagar indenização para centenas de vítimas.

O julgamento, que vai definir de maneira irrevogável a posição da corte sobre o assunto, acontece na reclamação feita por um iraquiano chamado Khadim Reasaan Hassan, que tenta responsabilizar o governo do Reino Unido pelo desaparecimento do seu irmão, Tarek. 

Hassan ocupava um cargo de alto escalão durante a ditadura de Saddam Hussein. De acordo com seus relatos, as tropas lideradas pelos americanos começaram a prender aliados de Saddam em abril de 2003. Com medo de ser preso, ele fugiu. Até hoje, Hassan mora na Síria. No mesmo mês, o Exército britânico foi até sua casa e prendeu seu irmão. Nesse ponto, tanto o governo do Reino Unido como Hassan concordam. É a partir daí que a história passa a ter duas versões.

Hassan conta que seu irmão foi preso como refém. Segundo ele, sua família contou que os soldados britânicos disseram que Tarek ficaria preso até que Hassan se entregasse. Já o governo britânico alega que Tarek foi preso como prisioneiro de guerra e ficou detido de acordo com a Convenção III de Genebra, que regulamenta o tratamento a prisioneiros de guerra. Ele foi levado para um campo comandado pelos Estados Unidos.

Os britânicos alegam que o irmão de Hassan foi solto um mês depois, em maio, quando ficou comprovado que ele não tinha participação nem na ditadura de Saddam e nenhum envolvimento com guerra. A questão é que Tarek nunca voltou para casa. Em setembro do mesmo ano, ele foi encontrado morto com oito balas no peito. Segundo Hassan, ele estava com as mãos amarradas com fios de plástico e tinha evidentes sinais de tortura.

A disputa chegou a ser discutida nas cortes de Justiça da Inglaterra, mas foi arquivada. O Judiciário inglês considerou que, como Tarek ficou preso num campo comandado pelos Estados Unidos, os tribunais do Reino Unido não teriam jurisdição para julgar o conflito. Diante da recusa, Hassan recorreu à Corte Europeia de Direitos Humanos.

A reclamação dele chegou à corte em 2011. Ele alega que seu irmão foi preso injustamente, sem qualquer processo contra ele, foi torturado e morto por tropas britânicas. Se seguisse o trâmite normal dos outros processos no tribunal europeu, o caso seria julgado primeiro por uma câmara parcial e só iria para a câmara principal da corte em caso de apelo. Mas, devido à importância da discussão e às consequências do julgamento, a reclamação foi enviada direto para ser julgada em caráter definitivo pela câmara principal. 

Portas fechadas
Os pedidos de indenização de supostas vítimas de guerras e os prejuízos que podem causar aos cofres públicos vêm preocupando o Reino Unido já há algum tempo. Em março de 2013, o Parlamento britânico aprovou uma lei para permitir que os tribunais façam julgamentos secretos, sem a presença de uma das partes, justamente para permitir que o governo apresente informações sigilosas e se livre de indenizações.

Antes de a lei existir, os britânicos reclamavam que, em muitos casos, o governo preferia indenizar uma pessoa que se dizia ter sido vítima de tropas da Inglaterra no Iraque e no Afeganistão, por exemplo, do que revelar algo que fosse colocar em risco a segurança nacional. Segundo o governo, era melhor pagar o preço em dinheiro do que arriscar perder a troca de informações absolutamente secretas com o governo dos Estados Unidos na luta contra o terrorismo.

Com a mudança legislativa, o governo pode pedir que a parte e seu advogado deixem a sala de audiência para apresentar dados sigilosos em sua defesa. Os trechos da decisão baseados em informações secretas também não podem ser disponibilizados para os envolvidos. Ou seja, um cidadão acusado pode ficar sabendo pelo que foi denunciado só na hora do veredicto. A única proteção oferecida pela lei é a possibilidade de se nomear um representante para o acusado, que deve ser escolhido de uma lista feita pelo governo. Esse representante não é o advogado da parte e está submetido ao sigilo.

Os julgamentos de portas fechadas são altamente criticados pela comunidade jurídica na Inglaterra, que cada vez mais aposta na transparência como aliada. Ainda assim, até a Suprema Corte do Reino Unido, o único tribunal a ter seus julgamentos transmitidos ao vivo pela internet, já decidiu que pode também fazer audiências secretas quando membros do governo tiverem de revelar informações consideradas sensíveis.

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