Observatório Constitucional

Caberá ao Supremo definir os
limites para o aumento do IPTU

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13 de setembro de 2014, 8h00

Spacca
A expressiva valorização do mercado imobiliário nos últimos anos — que agora já dá sinais de desaquecimento — levou aos Tribunais de Justiça de diferentes estados do Brasil, em 2014, importantes controvérsias sobre os limites constitucionais do aumento de IPTU.

Em São Paulo, Salvador, Florianópolis, São José do Rio Preto (SP), Caçador (SC) e vários outros municípios do país, foram propostas ações diretas de inconstitucionalidade contra leis que promoveram o reajuste do valor venal dos imóveis urbanos para efeitos de cobrança do IPTU.

A questão constitucional discutida nas ADIs é, em grande medida, semelhante. Sustenta-se, em suma, que o reajuste empreendido acarreta majoração “desproporcional”, “irrazoável” ou “exagerada” do imposto devido, a ponto de violar os princípios constitucionais do não confisco e da capacidade contributiva, previstos nos artigos 145, parágrafo 1o, e 150, IV, da Constituição Federal.

No caso de São Paulo, por exemplo, a ação foi ajuizada contra a Lei 15.889/2013, sob a alegação de que o aumento de 20% para os imóveis residenciais e de 35% para os não residenciais promovido pela lei “não guarda proporção com o aumento do poder aquisitivo dos contribuintes, que pode ser inferido do crescimento do PIB”, limitado a 16,81% nos anos de 2008 a 2012. Nisso, grosso modo, residiria a inconstitucionalidade material da norma.

Nessa ação, como em outras, o Tribunal de Justiça houve por bem deferir a liminar para suspender a aplicação da nova legislação. A decisão da Corte bandeirante fundamentou-se na necessidade de proteger a parte hipossuficiente da relação tributária — o contribuinte — e no argumento de que seria mais simples a Fazenda municipal cobrar o imposto extemporaneamente, na hipótese de improcedência da ADI, do que o contribuinte repetir o que pagou a maior, na hipótese contrária.

Em termos práticos, o que pretendiam os municípios com a edição das respectivas leis era corrigir o notório e tradicional descompasso existente entre o valor venal do imóvel utilizado pela prefeitura para a cobrança do imposto, com base nas chamadas “plantas genéricas de valores”, e o valor de mercado do bem, que costuma ser muito superior. Mas a correção dos valores, é claro, também significa o aumento do imposto para boa parte dos contribuintes, já que o “valor venal do imóvel” é a base de cálculo do IPTU, prevista no artigo 33 do Código Tributário Nacional. E o fato é que aumentos de tributo não costumam contar com o apoio popular, muito menos quando se trata de IPTU.

A controvérsia chegou ao Supremo Tribunal Federal na forma de pedidos de suspensão de liminar (SL) oriundos de diferentes municípios, nos quais se pretendia que o STF suspendesse os efeitos das liminares concedidas pelos Tribunais de Justiça, em ações diretas, de modo que o IPTU relativo ao ano de 2014 já pudesse ser cobrado com base na nova legislação.

Com essa idêntica questão e semelhantes fundamentos, foram julgados pelo STF, em 2014, pelo menos sete SLs: SL 761, Tatuí (SP); SL 745 e SL 756, São Paulo (SP); SL 755, São José do Rio Preto (SP); SL 753, Florianópolis (SC); SL 757, Caçador (SC) e SL 773, Herval D´Oeste (SC).

Os casos guardam semelhança em relação à matéria de fundo e às razões de decidir. Consistem todos eles de pedidos de suspensão de liminar concedida em ação direta contra leis que reajustaram o valor dos imóveis para fins de cálculo do imposto predial. Para fundamentar o pedido, alegava-se risco ao Erário municipal, diante da impossibilidade de aplicar-se a nova lei. E, em todos, o pedido foi negado, prevalecendo a proteção do contribuinte em detrimento da tutela do Erário.

No caso de São José do Rio Preto, Florianópolis e Caçador, o Presidente em exercício, Ministro Ricardo Lewandowski, deferiu, a princípio, o pedido para suspender os efeitos da liminar do Tribunal de origem. A decisão, no entanto, foi reconsiderada pelo então Presidente da Corte, Ministro Joaquim Barbosa, que negou seguimento a todos os pedidos de suspensão de liminar.

O contraste entre os argumentos empregados para adotar esta e aquela decisão é especialmente ilustrativo para entender os dois pontos de vista contrapostos: fisco e contribuinte.

Veja-se, por exemplo, o caso de Florianópolis. O ministro Ricardo Lewandowski considerou presentes os requisitos necessários à concessão da liminar, “ante a iminência de prejuízo direto, na ordem de R$ 90 milhões, ao Município de Florianópolis”, o que impediria “a correção de impostos alegadamente defasados há mais de 16 anos”, bem como a efetivação de exonerações destinadas a beneficiar cerca de 150 mil proprietários de imóveis com valor venal de até R$ 70 mil.

O ministro Joaquim Barbosa adotou fundamentação oposta. Destacou que a destinação pública das receitas tributárias não teria o condão de afastar o vício de inconstitucionalidade alegado. E também que, no caso, o risco de irreversibilidade seria “desfavorável ao contribuinte, pois os meios jurídicos para se dar efetividade à arrecadação são bastante incisivos (penhora online, medida cautelar fiscal, arrolamento fiscal, inscrição nos cadastros de inadimplentes, proibição de contratar com a Administração, interpretação mais extremada das regras de responsabilidade tributária etc.).”

Em rigor, os fundamentos adotados pelo Ministro Joaquim Barbosa para negar seguimentos aos pedidos não divergem da linha de argumentação adotada em outros julgados do STF. É o que se percebe do exame, por exemplo, da Suspensão de Segurança SS 2134, relatada pelo ministro Marco Aurélio, e da SL 528, relatada pelo ministro Cezar Peluso, nas quais também se denegou pedido da Fazenda municipal para suspender decisões cautelares que impediam a cobrança de IPTU majorado.

Na SS 2134, tratava-se da suspensão de liminares concedidas em mandado de segurança em favor de contribuintes para afastar a cobrança do IPTU relativo ao exercício de 2002, em Cotia (SP). Na SL 528, estava em questão a sustação de liminar concedida em ADI contra lei que atualizou valores venais genéricos dos imóveis em São Luís (MA), para fins de cobrança de IPTU em 2011.

Os fundamentos utilizados pelo ministro Cezar Peluso no julgamento da SL 528 são muito próximos daqueles empregados pelo Ministro Joaquim Barbosa nos precedentes acima mencionados. Para negar seguimento ao pedido, afirmava o ministro que a cobrança do IPTU com base na lei suspensa poderia “acarretar enormes dificuldades no que toca à devolução dos valores eventualmente arrecadados, na hipótese de eventual declaração definitiva de inconstitucionalidade da norma”. Haveria, portanto, risco de dano inverso, porque, “declarada a inconstitucionalidade da norma, será imputado aos contribuintes o ônus de pleitear judicialmente a restituição do indébito tributário, com a sujeição, em muitos casos, à penosa sistemática de pagamentos por meio de precatórios”.

O quadro abaixo reúne os casos aqui mencionados:

 

É verdade que as decisões examinadas são monocráticas e que, em nenhum dos precedentes mencionados, o Tribunal chegou propriamente a examinar a questão de fundo discutida nas ADIs, que é a definição do alcance do princípio do não confisco e dos limites constitucionais à majoração do IPTU. Mesmo assim, a análise permite apontar algumas conclusões importantes do tema e indica que há certo padrão nas decisões do STF na matéria.

Os casos discutidos sugerem que as fazendas municipais estão, de alguma forma, adaptadas à orientação jurisprudencial do STF, que exige lei para majoração do valor venal dos imóveis. Mas isso, por si só, não as livrou de questionamentos judiciais, especialmente pela via da ação direta de inconstitucionalidade. Aliás, nos precedentes apontados, o que se discutia era a validade da própria lei municipal que majorou o imposto.

Observa-se também que, nos julgamentos de SL, é forte a tendência de se exigir do município que efetivamente exponha e comprove o dano concreto e específico às contas públicas, indicando as obras que ficarão prejudicadas ou os programas que serão interrompidos em virtude da suspensão da lei. E isso, em certos casos, é verdadeira prova diabólica, em face da vedação à vinculação de receitas dos impostos, prevista no artigo 167, IV, da Constituição Federal.

De mais a mais, fica claro que, cedo ou tarde, o mérito dessas ações diretas também chegará ao STF e, enfim, o Tribunal definirá o que, de fato, representa o aumento confiscatório em matéria de IPTU e quais as balizas que devem ser observadas pela administração municipal para o reajuste anual do valor dos imóveis. Até lá, muito do contexto atual já pode ter mudado e o vertiginoso aumento dos imóveis talvez já não esteja mais na ordem do dia.

Esta coluna é produzida pelos membros do Conselho Editorial do Observatório da Jurisdição Constitucional (OJC), do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Acesse o portal do OJC (www.idp.edu.br/observatorio).

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