Consistência da pesquisa em Direito depende de um quadro referencial teórico
13 de setembro de 2014, 8h01
Pois esse reflexo da história — e dos extremos retratados por Hobsbawn — certamente produziu efeitos nas concepções filosóficas e científicas que pulularam, numa quantidade absurda de diferentes propostas, nesses tempos extremos.
De fato, não é exagero afirmar que também no campo teórico, de produção do conhecimento, o século XX foi uma era de extremos. Em nenhuma outra época histórica existiu um número tão grande de diferentes abordagens teóricas que procuram apontar para um mesmo aspecto, problema ou objeto do mundo histórico-social.
No âmbito das ciências humanas, então, esse quadro assume uma proporção ainda mais agigantada. Com efeito, são várias as formas pelas quais se nomeia esse conflito entre diversas posições teóricas que competem, ao mesmo tempo, pelo título de estatuto primário do conhecimento de cada uma das disciplinas que compõem o universo da cultura: fala-se em crise do fundamento[2]; poluição semântica[3]; e, até mesmo, em um relativismo epistemológico[4]. O campo jurídico é um terreno fértil para isso. O século XX assistiu à construção de inúmeras propostas que procuravam cuidar de solucionar os problemas teóricos e concretos da experiência jurídica.
As teorias privativistas da Alemanha pandectística e pós-pandectística (Jurisprudência dos conceitos, Jurisprudência dos interesses e Jurisprudência dos valores[5]); o normativismo lógico de Hans Kelsen; o jusnaturalismo culturalista de Gustav Radbruch; e, já na segunda metade do século, a ascensão das chamadas teorias pós-positivistas, como é o caso da metódica estruturante de Friedrich Müller, ou ainda não positivistas como no caso da teoria da argumentação de Robert Alexy.
No âmbito do direito anglo-saxão, o mesmo período presenciou as construções do positivismo utilitarista de Bentham e Austin, bem como as críticas lançadas por Herbert Hart à posição destes autores, que acabou por ser considerada uma forma “moderada” do positivismo jurídico. Ainda neste contexto, não se pode esquecer as críticas feitas por Ronald Dworkin ao Conceito de Direito de Hart, cujo eixo central encontra-se vinculado à refutação da tese hartiana do poder discricionário dos juízes para decidir sobre a chamada “textura aberta”, a “zona da franja” dos Hard Cases.
Diante desse aparente caos teórico, no interior do qual essas diversas posições – que podem até confluir para um consenso num determinado aspecto – se apresentam de maneira contraditória, o primeiro (e talvez o maior) esforço a ser empregado pelo pesquisador passa pela construção de ferramentas que lhe possibilitem encontrar, dentro desse universo complexo, algo que produza sentido.
Uma ferramenta interessante é desenvolvida contemporaneamente por Lorenz Puntel a partir daquilo que, no contexto de sua obra, vem sendo chamado de quadro referencial teórico.[6] Por certo que Puntel pensa esse quadro referencial para composição de sua filosofia sistemática que, embora com reformulações e novos contornos críticos, procuram recompor uma unidade presente na tradição e que foi perdida no contexto da radicalização da filosofia analítica no século XX.
Com efeito, a construção desse quadro referencial teórico é realizada por Puntel a partir de Rudolf Carnap, que introduziu – no âmbito da filosofia analítica – o conceito de linguistic framework, ou, quadro referencial linguístico.[7] Todavia, Puntel vai além de Carnap e oferece um conceito que é ao mesmo tempo mais abrangente e mais preciso do que aquele com o qual operava este último. Como ressaltado em nota, para Carnap o quadro referencial linguístico só era acionado no momento em que alguém queria nomear uma nova espécie de entidades. Para Puntel, o quadro referencial teórico representa uma espécie de tecido base que conforma a análise que se pretende realizar.
Puntel articula o conceito da seguinte forma:
“Neste livro, o termo quadro referencial é empregado em um sentido teórico abrangente, a saber, no sentido de quadro referencial teórico. O quadro referencial como quadro teórico designa a totalidade de todos aqueles quadros referenciais específicos (pensa-se principalmente no quadro referencial linguístico, no lógico, no semântico, no conceitual, no ontológico) que de uma ou outra maneira constituem os componentes irrenunciáveis de um quadro referencial compreensivo pressuposto por uma dada teoria. (…) o termo “quadro referencial teórico” não pode ser entendido no sentido de um sistema formal interpretado; um quadro teórico de cunho filosófico (e científico) é, antes, um instrumento que permite apreender, compreender e explicar algo (um nexo, um domínio objetual…). Dentro de ou por intermédio de um quadro referencial teórico se faz referência a algo”.[8]
Assim, para que a pesquisa em direito não se perca no raso, o pesquisador possui para si o ônus de estruturar o espaço teórico a partir do qual projetará sua análise. Esse esforço metodológico – quase catártico – implica aparar as arestas e eventuais contradições observadas nas obras dos autores que escolheu para dar suporte ao seu trabalho, criando, assim, condições que possibilitem perceber uma consistência nos resultados alcançados. E isso faz toda a diferença!
Encontrou um erro? Avise nossa equipe!