Responsabilidade Tributária

Patologias autorizam quebra da separação patrimonial das empresas

Autor

  • Marcelo Guerra Martins

    é juiz federal em São Paulo titular da 17ª Vara Federal Cível. Convocado no STF como Juiz Auxiliar no Gabinete do Ministro Ricardo Lewandowski (2009-2012). Mestre e Doutor pela Universidade de São Paulo. Membro do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF/FGV Direito SP).

11 de setembro de 2014, 7h17

Artigo produzido no âmbito das pesquisas desenvolvidas no NEF/FGV Direito SP. As opiniões emitidas são de responsabilidade exclusiva de seu autor.

Uma questão que vem tomando vulto nos últimos anos é a possibilidade de se responsabilizar tributariamente uma empresa por fatos geradores incorridos por outra que, eventualmente, tenha os mesmos sócios (ou parte deles em comum), num contexto de grupo econômico. Embora o Código Tributário Nacional (CTN) trate da responsabilidade de terceiros em vários dispositivos (por exemplo nos artigos 124, 129 a 135), nada diz quanto aos grupos de empresas.

Não se pode negar que a independência jurídica e patrimonial das sociedades possui função estratégica no cálculo da alocação dos riscos incorridos pelos investidores. Portanto, a desconsideração da personalidade jurídica empresarial deve ser cercada de muito cuidado, sob pena de desestímulo ao empreendedorismo.

Certamente não é por outra razão que o Superior Tribunal de Justiça há tempos vem decidindo que “o simples fato de duas empresas pertencerem ao mesmo grupo econômico, por si só, não enseja a solidariedade passiva em execução fiscal” (AGA 1.415.293, DJ 21/09/2012, Rel. Napoleão Nunes Maia Filho).

Porém, há casos que autorizam a quebra da separação patrimonial das empresas, notadamente quando presentes atos abusivos, simulados ou fraudulentos, engendrados com a finalidade de ludibriar o Fisco.

Uma patologia comum nesse campo é a existência de uma empresa ou organização única, mas operada sob o manto de várias sociedades (com personalidades jurídicas próprias) que, na realidade, disfarçam ou ocultam o “negócio único”. Nessas conjunturas, não é raro que as sociedades devedoras deixem de atuar e sistematicamente sejam substituídas por novas e assim por diante.

Outra patologia é a utilização de “laranjas” (pessoas sem capacidade financeira ou ligação efetiva com o empreendimento) ou outros artifícios tendentes ao esvaziamento patrimonial do devedor verdadeiro e, com isso, neutralizar eventuais cobranças fiscais.

Como separar o joio do trigo? Com base na experiência de mais de 10 anos como juiz de Vara Federal de Execuções Fiscais, elencamos alguns fatores que, se presentes em conjunto (ainda que não todos) auxiliam a solução de casos concretos:

1 – as empresas terem sócios em comum (todos ou uma parte deles);

2 – administração exercida pelas mesmas pessoas (sócios ou não);

3 – mesmos representantes legais, procuradores ou representantes;

4 – sedes localizadas nos mesmos endereços, ou em endereços antes utilizados por outras empresas do grupo;

5 – identidade ou semelhança de atividade econômica.

Até aqui, mesmo que todos presentes, nada há de ilícito. É preciso a conjugação com ao menos um dos fatores abaixo:

6 – confusão patrimonial pela utilização indiscriminada dos bens do ativo de uma empresa pelas demais, o pagamento de despesas de uma empresa por outra, etc.;

7 – confusão nas relações de emprego, onde funcionários registrados em uma empresa constantemente prestam serviços em outras, sem qualquer formalização a respeito;

8 – encerramento (não formalizado) das atividades das sociedades devedoras, cujas instalações e estabelecimentos passam a ser ocupados por novas empresas.

9 – prática de atos fraudulentos ou maculados por falsidade ideológica, como a utilização de “laranjas” nos quadros sociais.

10 – blindagem patrimonial ilícita, onde ativos da devedora são transferidos a outras sociedades de modo suspeito (por exemplo para o pagamento de dívidas da integralização do capital de novas sociedades, etc.). São situações em que o patrimônio circula por uma ou mais sociedades, para, posteriormente, retornar de modo camuflado às mãos dos antigos titulares.

Esse entendimento deve prevalecer mesmo à luz do artigo 30, inciso IX, da Lei 8.212/91, que prevê a solidariedade das empresas que compõem um grupo econômico nas cobranças de contribuições sociais (PIS, COFINS, CSSL, etc.). O possível esteio no artigo 124, II, do CTN (solidariedade quando a lei assim dispuser) não afasta a exigência de o sujeito passivo ter tido algum tipo de vinculação com o fato gerador, segundo os artigos 121 e 128 do CTN.

Nessa banda, o STF, ao decidir o RE 562.276 (DJ 09/02/2011, Rel. Ellen Gracie), com repercussão geral, onde se discutia a solidariedade tributária prevista no artigo 13 da Lei 8.620/93, deixou assentado que:

“(…) O preceito do art. 124, II, no sentido de que são solidariamente obrigadas “as pessoas expressamente designadas por lei”, não autoriza o legislador a criar novos casos de responsabilidade tributária sem a observância dos requisitos exigidos pelo art. 128 do CTN”.

Ainda que o RE 562.276 não tenha tratado diretamente do artigo 30, inciso IX, da Lei 8.212, a questão dizia respeito à possibilidade da lei ordinária disciplinar tema afeto à sujeição passiva tributária (no caso, os sócios da empresa). E, se ubi eadem ratio, ibi jus idem esse debet (onde a mesma razão, o mesmo direito), a mesma diretriz deve ser aplicada quanto aos grupos de empresas.

Em conclusão, o simples fato de se estar diante de um grupo de empresas não autoriza a extensão da responsabilidade tributária às sociedades que não incorreram nos respectivos fatos geradores, independentemente da espécie de tributo cobrada. A desconsideração das personalidades jurídicas para tal finalidade somente é viável nos contextos do negócio único ou quando evidente o esvaziamento patrimonial fraudulento, numa conjugação ponderada e prudente dos dez fatores acima indicados.

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