O caso da licença de internado no Hospício Nacional de Alienados-1916
11 de setembro de 2014, 8h30
Na esfera criminal e correcional, e em parte na civil, sobressaiu o Bom Juiz, com exculpar os pequenos furtos, amparar a mulher e os menores, profligar erros administrativos, atacar privilégios, proteger o plebeu contra o potentado. Não jogava com a Hermenêutica, em que nem falava sequer. Tomava atitudes de tribuno; usava de linguagem de orador, ou panfletário; empregava apenas argumentos humanos, sociais, e concluía do alto, dando razão a este ou àquele sem se preocupar com os textos[1].
No caso, Rodrigo Otávio opinou pelo deferimento no pedido, na expectativa de que o interessado se restabeleceria e voltaria a prestar serviços à Central do Brasil. O texto é curto e revela uma alma superior a serviço do direito. Deve-se atentar para a fórmula que o Consultor utilizou para sanar eventual problema de representação. Segue o parecer:
Gabinete do consultor-Geral da República. – Rio de Janeiro, 11 de julho de 1916.
Exmo. Senhor Ministro de Estado da Viação e Obras Públicas. – O Condutor de 4º classe da Estrada de Ferro Central do Brasil, Jorge Vogeler, se acha, desde 4 de fevereiro de 1913, internado no Hospício Nacional de Alienados. Desde 2 de outubro de 1909 vem ele gozando de licenças , concedidas à princípio pela Diretoria da Estrada, depois prorrogadas pelo Ministro e finalmente pelo Congresso Nacional por Decreto de 13 de dezembro de 1913.
Esse ato legislativo, porém, que autorizava a concessão de uma licença por um ano, não foi usado, por isso que ninguém promoveu perante o Poder Executivo a efetividade da autorização. Não se pode, pois, a meu ver, pretender que a licença haja caído em comissão por se haver esgotado o prazo máximo da lei nº 2.756, de 10 de janeiro de 1913, para o licenciado entrar no gozo da licença. Na hipótese, a licença não foi concedida; houve apenas autorização para sua concessão, e aquele prazo não começou a correr, pois só começaria a correr se a autorização houvesse sido usada e a licença concedida.
Penso, em tais termos, que nada impede que a autorização constante de um decreto legislativo especial e não de lei anual, possa ainda ser usada, desde que a licença seja requerida por quem de direito.
No processo se encontra o requerimento de 4 de maio do corrente ano, em que a mulher de Jorge Vogeler pede a concessão da licença autorizada.
Não vejo inconveniente em que esse requerimento seja deferido; a mulher não é a curadora de Vogeler, mas também este ainda não foi declarado interdito, caso em que ao curador caberia representá-lo. Esse requerimento, pois, de fato, foi feito pela mulher na impossibilidade em que se acha o marido de fazê-lo.
Tratando-se de uma pessoa alienada e a que ainda não se deu, como cumpria, curador, e que assim privada da capacidade legal não tem quem a represente e defenda seus interesses, parece-me que o caso deve ser estudado e resolvido com a benevolência que se deve ter em face da desgraça.
É possível que nesse ano de licença o funcionário se restabeleça e se veja nas condições de poder continuar a prestar seus serviços ao Estado; se, finda a licença, o estado de alienação perdurar, será então o caso de verificada legalmente a situação, ser o mesmo desligado do serviço da Estrada.
É este meu parecer.
Devolvo os papéis que me vieram com ofício nº 305 de 5 de junho próximo findo do Senhor Diretor da Diretoria de Correios e Telégrafos e tenho a honra de reiterar a V. Ex. os meus protestos de subida estima e distinta consideração. – Rodrigo Otávio.
[1] Maximiliano, Carlos, Hermenêutica e Aplicação do Direito, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1965, p. 95.
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