Jurisprudência Fiscal

Carf e a PLR informal, mas não habitual, e outras questões fiscais

Autores

  • Mary Elbe Queiroz

    é advogada tributarista sócia da Queiroz Advogados Associados pós–doutora em Direito Tributário (Universidade de Lisboa – Portugal) Doutora em Direito Tributário (PUC-SP) mestre em Direito Público (UFPE) professora e presidente do Conselho Jurídico do Ibrei.

  • Antonio Elmo Queiroz

    é advogado sócio do escritório Queiroz Advogados Associados e diretor do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário e Finanças Públicas do Brasil.

11 de setembro de 2014, 9h00

Spacca
Mary Elbe Queiroz e Elmo Queiroz [Spacca]Sobre as parcelas pagas a empregados, usualmente deve incidir contribuição previdenciária; a menos que seja, por exemplo, pagamento a título de participação nos lucros e resultados (PLR). Devendo-se registrar que ultimamente a Receita Federal tem descaracterizado muitos planos de PLR alegando que não cumpriram as formalidades da Lei 10.101/00.

Nesse sentido, chegou para julgamento no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) um caso em que foram efetuados pagamentos com a natureza de participação nos resultados, tendo havido a autuação porque não estariam presentes os requisitos para caracterizá-los como PLR, como constar em plano aprovado por sindicato. Mas a Turma ainda assim cancelou a autuação, enveredando por outro aspecto; visualizando que os pagamentos continuariam sem incidência de contribuição previdenciária por não se revestirem de habitualidade; assim ementado e fundamentado:

Acórdão 2403-002.244 (publicado em 08.09.2014)
EVENTUALIDADE. BÔNUS GERENCIAL. SALÁRIO DE CONTRIBUIÇÃO.

É eventual o pagamento efetuado pela empresa a título de bônus gerencial quando não caracterizado periodicidade ou habitualidade anual nos pagamentos.

No caso concreto, a ocorrência de três pagamentos mensais a título de bônus gerencial em um período de cinco anos evidencia a eventualidade de tais ganhos, razão pela qual não há que se falar de sua integração ao salário de contribuição e consequente incidência de contribuição previdenciária.

Voto (…)

Fere o postulado da razoabilidade, afirmar que existe periodicidade anual para o caso em análise, tendo como parâmetro base temporal analisada pelo fiscal, em 05 (cinco) anos de apuração, apenas foi constatado o pagamento em 03 (três) meses, um em 2008 e outros dois 2009, apenas. (…)

Para caracterizar a habitualidade anual, estes pagamentos deveriam ter sido realizados não apenas nestes dois anos (em três meses), mas entenderia por habitual o pagamento nos 04 (quatro) ou 05 (cinco) anos, descaracterizando-os como ganhos eventuais/abonos, para qualifica-los como distribuição de lucros ou resultados.

A partir desse quadro, têm-se como eventuais os pagamentos realizados a título de bônus gerencial, em razão da eventualidade caracterizada.


Jogadores no ativo permanente
Uma questão que é envolta em divergência de entendimento entre as Turmas do Carf é a que diz respeito a quais questões podem ser conhecidas de ofício, sem provocação da parte. No caso abaixo, apesar de estar em baila a aplicação de norma tributária, o que atrai o princípio de legalidade, conhecível de ofício por excelência, Turma do Carf deixou de levar adiante uma discussão porque o contribuinte trouxe o tema apenas em Memoriais.

Tratava-se de um clube de futebol que sofreu uma autuação porque não ofereceu à tributação a negociação de jogadores de futebol. E apenas em Memoriais trouxe a questão desses jogadores estarem contabilizados no ativo imobilizado do clube, portanto a receita decorrente da negociação deles não seria base de cálculo para o PIS/COFINS. Todavia, apesar de ter havido o início da interessante discussão, não foi votada e ficou inconclusa, pois ficou como matéria preclusa; assim ementado e fundamentado:

Acórdão 3401-002.691 (publicado em 01.09.2014)
NEGOCIAÇÃO DE ATLETAS. RECEITAS DECORRENTES. VENDA DE BENS DE ATIVO PERMANENTE. EQUIPARAÇÃO. PRECLUSÃO.

A teor do art. 17 do Decreto nº 70.235/72, considera-se não impugnada a matéria não deduzida expressamente no recurso inaugural, o que, por conseqüência, redunda na preclusão do direito de fazê-lo em outra oportunidade, especialmente quando sua apresentação para debate se dá através da apresentação memoriais, que, por seu turno, não são sucedâneos dos recursos previstos na lei de regência do processo contencioso fiscal.

Voto Vencido (…)

Nos termos do art. 3º, parágrafo 2º, inc. IV da Lei 9.718/98, devem ser excluídas da base de cálculo do PIS e da COFINS cumulativos as receitas decorrentes da venda de bens do ativo permanente. (…)

Perceba-se que os atletas, jogadores de futebol, exercem papel fundamental para a existência do clube. Este ativo melhor se enquadra na categoria de Ativo Imobilizado, forma contábil adotada pela recorrente, uma vez que é representada por direitos que têm como objeto bens destinados à manutenção das atividades da empresa ou exercidos com essa finalidade. (…)

Por essa razão, não há como considerar que o clube de futebol tem como fim precípuo a venda de seus jogadores bem como classificar a receita de venda de jogador de futebol como operacionais por serem supostamente típicas da atividade de clube de futebol profissional. (…)

Voto Vencedor (…)

Após reexame do inteiro teor do processo, mormente as peças recursais coligidas, verifiquei que a razão de direito atinente à equiparação destas verbas às vendas de bens do ativo permanente foi deduzida exclusivamente em memoriais entregues por ocasião do julgamento do processo, quando de sua primeira inclusão em pauta neste colegiado. (…)

Demais disso, ainda que possível transpor o óbice da preclusão, melhor sorte não agasalharia a pretensão, porquanto, a par de não serem os atletas do clube “bens do ativo permanente”, mas, na melhor das hipóteses, deteria o clube direitos sobre sua negociação, de modo que, entendo, não seria possível a vindicada analogia, ao passo que não são todos os bens e direitos do ativo imobilizado que estão excluídos da tributação, mas apenas os bens do ativo permanente, que representa um dos componentes do ativo imobilizado, a teor do aludido art. 179 da Lei 6.404/76, estando um para o outro em uma relação de espécie para gênero.

Ou seja, a exclusão alcança apenas os bens do ativo permanente (espécie), não alcançando os direitos, como no caso presente, do ativo imobilizado (gênero). (…)

Nesta senda, é inegável que as verbas recebidas pela negociação de direitos sobre jogadores de futebol caracterizam-se como oriundas do exercício da atividade principal do clube, juntamente, com as rendas de bilheteria, direitos de imagem, patrocínios, etc., ressalvada a existência de exclusão específica, o que, friso, não ocorre para a receita sub examine.


Parcelamento parcial
Nos últimos parcelamentos federais especiais, ficou aberta a possibilidade de serem feitas desistências parciais de processos, para só parcialmente alguns débitos serem parcelados, mantendo-se discussão judicial ou administrativa quanto ao restante dos débitos.

No caso abaixo havia uma dificuldade, pois os tributos desistidos advinham de um mesmo fato gerador, mas mesmo assim o TRF-1 confirmou que, se em uma autuação os itens do Auto de Infração estiverem discriminados, podem ser desistidos separadamente, independentemente da autuação se referir a um mesmo tributo ou fato gerador; assim ementado e fundamentado:

Agravo de Instrumento 0017534-44.2014.4.03.0000/SP (publicado em 04.09.2014)

Trata-se de agravo de instrumento, interposto pela UNIÃO FEDERAL (Fazenda Nacional), visando a reforma da decisão que deferiu o desmembramento da CDA em cobrança nos autos da Execução Fiscal nº 001422-15.2013.4.03.6105 (fls. 42).

Sustenta a agravante a impossibilidade do desmembramento da inscrição porquanto se refere a fato gerador único. (…)

Ocorre que a executada pretende aderir ao parcelamento previsto na Lei 11.941/2009, o qual foi estendido para os débitos vencidos até dezembro de 2013, pela Lei 12.996/2014, para adimplir somente os débitos exigidos nos itens 0001 e 0002 do Auto de Infração de fls. 84/92, mantendo a discussão acerca da legalidade da exigência dos demais débitos constantes dos itens 0003 e 0004, pedido este indeferido na esfera administrativa. (…)

Desta feita, o que se vê no presente caso é que a agravada trouxe aos autos cópias do Auto de Infração onde é possível observar que a Fazenda Nacional detalhou pormenorizadamente os débitos quando de seus lançamentos, individualizando-os, o que viabiliza o desmembramento pleiteado (fls. 84/92), pelo que deve ser mantida a decisão agravada. (…)


Desistência
Uma causa foi apreciada por Turma do Carf, com julgamento parcialmente favorável para o contribuinte. Todavia, posteriormente foi detectado que o contribuinte já tinha desistido de toda discussão e parcelado, talvez por não ter segurança que teria sucesso. Nesse ponto o processo já estava em Recurso Especial para a CSRF, no qual a Fazenda tentava reverter a parte cancelada.

Ante o quadro paradoxal, a CSRF anulou o julgamento favorável da Turma, revertendo a autuação em todos os seus termos; o que não impedirá de o contribuinte invocar judicialmente o precedente anulado para desonerar seu parcelamento; assim ementado:

Acórdão 9202-003.250 (publicado em 01.09.2014)
PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL. DESISTÊNCIA DO RECURSO VOLUNTÁRIO.

Restam prejudicadas as decisões proferidas em recurso do qual restou comprovada a renúncia do sujeito passivo.

No caso, houve desistência do recurso voluntário em data anterior ao do julgamento do acórdão recorrido. Portanto, por incompetência do colegiado, declara-se nulo o acórdão.


Decisões variadas
No Acórdão 1801-002.056 (publicado em 01.09.2014), Turma do Carf relembra que, para tributar uma base de cálculo, o fisco não pode retroagir mais de cinco anos, para apanhar período abarcado pela decadência. Todavia, no caso concreto, em que se analisava compensação de um saldo negativo de CSLL, podia o fisco voltar tantos anos quantos fossem necessários para verificar o início do saldo, sem limitação dos cinco anos; assim ementado: “a autoridade administrativa tributária na verificação do indébito tributário, se foi efetivamente recolhido à Fazenda Pública, pode retroagir aos anos-calendários anteriores, até os recolhimentos/compensações de valores que compuseram o crédito pleiteado”.

No Acórdão 9101-001.908 (publicado em 25.08.2014), Turma da CSRF do Carf deu parâmetros para a dedutibilidade de royalties; assim ementado: “os royalties pelo uso de patentes de invenção, processos e fórmulas de fabricação, ou pelo uso de marcas de indústria, que atendam as normas gerais de necessidade, usualidade e normalidade são dedutíveis, exceto se pagos por filial no Brasil em benefício de sua matriz no exterior, ou por sociedade com sede no Brasil a pessoa com domicílio no exterior que mantenha, direta ou indiretamente, controle do seu capital com direito a voto. Quaisquer outros royalties, se pagos a sócio, pessoa física ou jurídica, são indedutíveis”.

No Acórdão 1803-002.267 (publicado em 02.09.2014), outra situação paradoxal, pois Turma do Carf anula, via Embargos de Declaração, anterior julgamento em que tinha reconhecido o direito de um contribuinte ao incentivo fiscal da SUDENE. A reviravolta ocorreu porque existe uma questionável norma que estabelece que, para essa matéria, a decisão de 1ª instância não tem recurso para o Carf (parágrafo 4º do artigo 3º do Decreto 4.213/2002). Tendo o anterior julgamento sido questionado via Embargos de Declaração, a nova decisão anulatória restou assim ementada: “acolhem-se os embargos por lapso manifesto opostos pela unidade de origem encarregada da execução do acórdão, para anular o Acórdão 1803-00.516, de 04/08/2010, proferido por esta Terceira Turma Especial, tendo em vista o não cabimento do recurso voluntário interposto, por expressa previsão legal de irrecorribilidade”.

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    é advogada e professora, pós-doutora em Direito Tributário pela Universidade de Lisboa, e doutora pela PUC-SP; mestre em Direito Público pela UFPE; presidente do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário e Finanças Públicas do Brasil; presidente do Instituto Pernambucano de Estudos Tributários; membro imortal da Academia Brasileira de Ciências Econômicas, Políticas e Sociais; membro do Conselho Jurídico da Fiesp (Conjur); sócia do escritório Queiroz Advogados Associados e Palestrante da FocoFiscal.

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    é advogado, sócio do escritório Queiroz Advogados Associados e diretor do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário e Finanças Públicas do Brasil.

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