Demora nas decisões

Sistemática de retirada de conteúdo da internet piorou com o Marco Civil

Autores

  • Márcio Cots

    é sócio do Cots Advogados e professor. Mestre em Direito especialista em Cyberlaw (Direito Cibernético) pela Harvard Law School (EUA) com extensão universitária em Direito da Tecnologia da Informação pela FGV-EPGE.

  • Ricardo Oliveira

    é sócio do Cots Advogados. MBA em Gestão Estratégica de Negócios e especialista em Direito aplicado à TI pela FGV-Rio.

10 de setembro de 2014, 7h16

A Lei 12.965/2014, mais conhecida como Marco Civil da Internet (MCI), implementou regras específicas para retirada de conteúdo da internet. Antes dela não se podia afirmar, com precisão, qual era a via adequada para tanto nem de quem era a responsabilidade por danos à pessoa lesada. Atualmente, porém, tanto uma coisa quanto outra foi consolidada na legislação.

Antes de qualquer coisa é importante ressaltar que o MCI não regula toda a retirada de conteúdo da internet, mas apenas o conteúdo gerado por terceiros, como canais de vídeos públicos, redes sociais, sites de compartilhamentos, entre outros. Dessa forma, não entra na regra sites de notícias, canais de vídeos privados, comércio eletrônico, etc., vez que o conteúdo é apresentado como próprio, o que atrai a responsabilidade para o seu proprietário.

Outro dado que merece nota é que o MCI não se aplica aos casos em que o direito envolvido é autoral ou conexo, por expressa vedação legal. O autor deverá recorrer à outra legislação para pleitear o que entender de direito, mas não poderá utilizar a sistemática da nova lei.

Pois bem, para se notar a mudança trazida pelo MCI vale recordar como antes dele um determinado conteúdo era retirado da internet: normalmente a pessoa lesada encaminhava uma notificação extrajudicial ao provedor do material, que faria um juízo de valor sobre as razões a ele trazidas e, dependendo unicamente de sua avaliação, optava por manter ou retirar o material.

Ocorre que o provedor era colocado entre a cruz e a espada, ou seja, se retirasse o conteúdo, poderia responder perante o seu usuário se sua decisão não foi acertada. Se, por outro lado, não retirasse o conteúdo, poderia responder solidariamente com o infrator pelos danos causados à pessoa, se esta se socorresse do Poder Judiciário.

Atualmente, porém, essa avaliação que o provedor do conteúdo precisava fazer se tornou praticamente desnecessária, vez que, em regra, somente terá a obrigação de retirar o conteúdo mediante ordem judicial. Não qualquer ordem, mas uma que “deverá conter, sob pena de nulidade, identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do material” (parágrafo 1º, art. 19). A exceção, porém, é a seguinte: a retirada de material que contenha imagens, vídeos ou outros materiais com cenas de nudez ou de atos sexuais deve ocorrer também mediante mera notificação extrajudicial por parte do interessado, não havendo necessidade de ordem judicial.

Isso não quer dizer que o provedor não possa tirar outros conteúdos do ar mediante notificação. Conteúdos que contrariem seu termo de uso ou políticas internas poderão ser retirados independentemente de notificação, bem como conteúdo que viole direitos que o provedor julgue serem importantes (conteúdo racista, por exemplo). Essas ações, porém, acabarão se tratando de exceções, já que é juridicamente mais seguro aguardar a decisão judicial.

A responsabilidade civil atribuída aos provedores também mudou. No caso do conteúdo diverso, a responsabilidade do provedor só se inicia após sua inércia em não cumprir com a ordem judicial. Se isso acontecer o provedor responderá pelos danos causados ao lesado a partir do momento do descumprimento.

Já no caso da exceção (conteúdo com nudez), a responsabilidade se inicia com o não atendimento da notificação extrajudicial, e será subsidiária, ou seja, se o proprietário do conteúdo não indenizar o lesado, o provedor deverá fazê-lo. Todavia, se o lesado se socorrer do Poder Judiciário, aplicar-se-á a regra.

Partindo da análise do ponto de vista da pessoa lesada, podemos dizer que o panorama piorou, já que antes, em muitos casos, o conteúdo era retirado com mera notificação e agora somente com decisão judicial. Mesmo que o MCI tenha estabelecido expressamente que o direito poderá ser pleiteado em Juizados Especiais, que em tese são mais céleres do que o juízo comum, além de não dependerem da contratação de advogado em causas de valor abaixo de 20 salários mínimos, bem como de ser possível a concessão de liminar para retirada do conteúdo antes mesmo da sentença, ainda assim não houve progresso, tendo em vista que tais ferramentas já estavam disponíveis. O que se fez, apenas, foi retirar do lesado a possibilidade de utilizar um meio não judicial para solução do seu problema.

Para a modificação do procedimento o legislador usou como justificativa “assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura”, direito garantido constitucionalmente (artigo 5º, inciso IX). Todavia, não se pode esquecer que outros direitos são tão ou mais importantes do que o acima citado, como o direito à privacidade, por exemplo. Não podendo um ser preterido em benefício do outro.

A nosso ver, a sistemática implementada vem na contramão do movimento que pretende conceber meios mais céleres para solução de conflitos, afastando esta premissa do Poder Judiciário, já sobrecarregado com tantas outras questões.

Autores

  • é advogado e professor de Direito da Tecnologia da Informação na Faculdade de Informática e Administração Paulista e também leciona Direito Empresarial na Faculdade Módulo. É pós-graduado em Direito Empresarial pela Universidade Mackenzie, com Extensão Universitária em Direito da Tecnologia da Informação, pela FGV-EPGE e participação no iLaw Program 2005 — Harvard Law School — Havard University nos EUA.

  • é sócio do Cots Advogados. MBA em Gestão Estratégica de Negócios, e especialista em Direito aplicado à TI, pela FGV-Rio.

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