Paradoxo da Corte

Triunfo do irracional na interpretação da Súmula 281 do Supremo

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9 de setembro de 2014, 8h20

Consoante o disposto no artigo 105, III, da Constituição Federal, compete ao SJT: “julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios”.

Assim, como é sabido, para viabilizar a interposição de recurso especial, além de outros requisitos, torna-se necessário o exaurimento da possibilidade de cabimento de qualquer impugnação perante os tribunais inferiores.

É por esta razão que se encontra em vigor a provecta Súmula 281, do STF, que data de 1963 e tem sido aplicada, por analogia, pelo STJ, no âmbito do recurso especial: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando couber, na justiça de origem, recurso ordinário da decisão impugnada”.

Desse modo, por exemplo, absolutamente adequado o voto do ministro João Otávio de Noronha, no julgamento do Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial 485.165-PR, na seguinte situação: distribuído recurso de apelação, o relator, valendo-se do artigo 557, do CPC, negou-lhe provimento. O apelante opôs embargos de declaração, que foram julgados por uma das câmaras do TJ-PR. Em seguida, contra tal acórdão, foi interposto recurso especial. Sucessivamente, a parte manejou agravo, ao qual foi negado seguimento, e agravo regimental. Este foi desprovido pela 3ª Turma do STJ, porque: “não houve o esgotamento da instância ordinária. No caso, caberia à parte agravante interpor recurso de agravo previsto no artigo 557, parágrafo 1º, do CPC, contra o referido decisório monocrático”.

Observa-se, pois, que, em tal hipótese, não houve julgamento colegiado do recurso de apelação.

Nesse mesmo sentido, assentou a 4ª Turma, no julgamento do Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial 478.512-RJ, cujo voto condutor é da lavra do ministro Luis Felipe Salomão, ao asseverar que: “não modifica a situação o fato de terem sido julgados os embargos de declaração por decisão colegiada, não havendo falar em fungibilidade recursal, já sendo pacífico no STJ o entendimento de que o recurso que desafia decisão monocrática proferida em recurso de apelação, mesmo que integrada pelo julgamento de embargos de declaração apreciados pelo colegiado, é o agravo regimental”.

Coerente, outrossim, o julgamento da 1ª Tuma do STJ, nos Embargos de Declaração no Agravo em Recurso Especial 396.477-SP, no qual o regimental também foi improvido, com fundamento na indigitada Súmula 281/STF, porque: “No caso em exame, o recurso especial aviado ataca decisão monocrática (impugnada por embargos de declaração), contra a qual caberia agravo regimental na origem, ex vi do parágrafo 1º do artigo 557 do CPC, não tendo, por conseguinte, sido exaurida a instância ordinária”.

Todavia, nem sempre tem prevalecido tal orientação, que, sob o ponto de vista formal e lógico, guarda manifesta sintonia com o supra referido artigo 105, III, da Constituição Federal.

Com efeito, forte nos termos do artigo 1º da Resolução STJ 17/2013, o ministro Presidente do STJ tem negado seguimento a agravo em recurso especial, a exemplo da decisão exarada no Agravo em Recuso Especial 564.060-SP, ao argumento de que o recorrente não exauriu a instância ordinária. Trata-se da hipótese em que, contra o acórdão proferido em apelação, o litigante opôs embargos de declaração. Estes foram julgados por decisão unitária do relator. Em seguida, interpôs ele recurso especial, não conhecido porque não exaurida a instância ordinária, visto que o ato decisório monocrático do relator desafiava agravo regimental!

Aduza-se que este perverso entendimento — o que é pior — tem contagiado as turmas, como se infere, v. g., no julgamento da 4ª Turma, no Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial 452.118-RJ.

Imagine-se que, julgada a apelação por órgão colegiado, a parte derrotada oponha embargos de declaração para obter esclarecimento acerca do dies a quo da incidência de juros. O relator, ao invés de levar os autos à mesa de julgamento, decide de forma monocrática, acolhendo os embargos, para declarar que os juros incidem a partir da citação. Complementado o julgamento, a parte interpõe recurso especial, impugnando o quanto restara decidido no acórdão.

Seguindo, no entanto, o posicionamento que prevalece no STJ, não terá ela qualquer chance, porquanto, mesmo que preenchidos todos os demais requisitos legais, o recurso especial não será admitido por força da aplicação analógica do verbete da Súmula 281/STF. E isso, porque, contra o pronunciamento monocrático do relator, o recorrente teria de ter interposto o agravo regimental, previsto no parágrafo 1º do 557 do CPC.

Com o devido respeito, esta situação, de todo paradoxal, evidencia, que, de um lado, o direito material do litigante é o que menos interessa, ou que, no mínimo, tem um valor secundário; e, de outro, que se cria um recurso absolutamente inócuo, ou seja, um agravo regimental contra decisão monocrática favorável ao embargante!

E tudo, sem se perder de vista que, com muita probabilidade, será imposta multa ao agravante pela interposição de recurso visivelmente descabido e, portanto, procrastinatório…

A distância entre a aplicação rígida das normas legais e a compreensão do fenômeno processual, como meio de se obter tutela jurisdicional efetiva, dá a medida exata do estado caótico que atualmente emerge da administração da justiça, ao procurar, a qualquer custo, minimizar o impacto do excessivo número de recursos dirigidos aos tribunais superiores.

As reformas processuais não podem se resumir à mudança de algumas regras. Elas requerem, para serem realmente eficazes, alteração de comportamento coletivo e, a rigor, de cultura!

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