A proximidade de Rudolf Ihering com
o darwinismo e a luta pelo Direito
7 de setembro de 2014, 8h00
Nesse sentido, a luta pela vida não se revela apenas em seus aspectos físicos e biológicos, é também condição de existência moral[3] dado que “é um dever de todo o homem para consigo combater por todos os meios de que disponha a desconsideração para com sua pessoa no desprezo de seu direito”[4].
À dor física (sinal de perturbação no organismo, da presença de uma influência inimiga[5]) acrescenta-se também uma dor moral, desconhecida por quem não tenha sofrido com golpes de ilegalidade, que “recorda o dever da própria conservação moral, como a dor física nos faz lembrar o dever de conservação física”[6]. Essa dor moral é sentida por tantos quantos sofrem injustiças; isto é, segundo Ihering, “aquele que por si ou por outrem nunca experimentou essa dor, não sabe o que é o direito, embora tenha de cabeça todos o corpus juris”[7]. Para Ihering, em relação à essa dor moral, “não é a experiência, nem a educação, mas o simples sentimento da dor (…) a dor é o grito de alarde e a chamada de socorro da natureza ameaçada (…) isso é verdade tanto para o organismo moral, como para o organismo físico”[8].
O estudo dessa dor moral, que o direito combate, é a substância de uma patologia do sentimento jurídico; o direito “é a condição da existência moral da pessoa; a defesa do direito constitui, portanto, a conservação moral da mesma”[9]. Consequentemente, para Ihering, “a dor que o homem experimenta, quanto é lesado no seu direito, contém o reconhecimento espontâneo, instintivo, e violentamente arrancado, do que é o seu direito, primeiro para ele, indivíduo, em seguida para a sociedade humana”[10]. Deve-se tirar proveito dessa dor, compreendendo-se o aviso que ela carrega, lutando-se contra o perigo, porquanto o conformismo é a negação do sentimento jurídico[11]. O direito tem como essência, assim, uma realização prática[12].
Prepondera, em todos os casos, um certo interesse, justificativo de sistemas protetivos relativamente mais fortes ou mais fracos. Por exemplo, segundo Ihering, nos estados teocráticos o sacrilégio é punido com a pena capital; nos estados agrícolas, penaliza-se mais intensamente o remanejamento de marcos e estacas demarcadoras da propriedade; nos estados mercantis, a falsificação de moedas; nos estados militares, a insubordinação a falta de disciplina; há necessidade de coragem, para se repelir aos ataques[13].
A defesa de direito próprio tem como consequência também a defesa do direito de toda a sociedade[14]; ao memo tempo em que injustiça não possam ser cometidas, deve-se lutar também para não sofrê-las[15]; de onde duas máximas: “nunca façais uma injustiça e nunca sofrais uma injustiça[16]”. Por isso, sustenta Ihering, “toda a gente tem a missão e a obrigação de esmagar em toda parte, onde ela se erga,a cabeça de hidra que se chama o arbítrio e a ilegalidade[17]. Por isso, “cada qual é um lutador nato, pelo direito, no interesse da sociedade”[18]. Ihering é intransigente defensor da libertação do homem, que só pode assim se considerar quanto mereça viver, o que se alcança quando se mostra vigilante e intransigente para com a defesa de seus direitos.
Segundo Sosa Wagner, em passo biográfico sobre Rudolf von Ihering, “ninguém que tenha mínima sensibilidade pode ficar indiferente ante o personagem de Ihering, uma explosão, um vulcão (…) capta, atrai, seduz. Sofreu na vida, pois perdeu as duas mulheres com as quais havia se casado e a um filho, porém foi amigo de seus amigos, inimigo de seus inimigos, conversador agudo e irônico, conhecedor dos grandes vinhos, gastrônomo, leitor de Shakespeare e, como não podia ser menos em tão grande personalidade, contraditória até o final de seus dias, em seus juízos, opiniões e atitudes”[19].
É essa figura, tão ímpar, que nos alertou que se deva “despertar nos espíritos essa disposição moral que deve constituir a força suprema do direito: a manifestação corajosa e firme do sentimento jurídico”[20]. Afinal, “àquele que não experimenta a irresistível necessidade de defender a sua pessoa e o justo direito, não temos que prestar auxílio e nenhum interesse tenho em o converter”[21]. Aquele que não luta por seus direitos, acusa Ihering, é o filisteu do direito[22].
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