Sem prescrição

RS é condenado a indenizar professora torturada na ditadura militar

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5 de setembro de 2014, 13h55

A dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República e a tortura o mais expressivo atentado a esse pilar. Portanto, reconhecer a tortura como um crime que não prescreve é uma das formas de dar efetividade à missão de um Estado Democrático de Direito, "reparando odiosas desumanidades praticadas na época em que o país convivia com um governo autoritário e a supressão de liberdades individuais consagradas".

Essa foi a fundamentação aplicada pela 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul ao condenar o estado gaúcho a indenizar em R$ 50 mil uma professora presa e torturada psicologicamente na sede da Polícia Civil do estado durante a ditadura militar. Ela foi submetida a um interrogatório por suspeita de liderar e planejar o sequestro do Cônsul Americano, ocorrido em Porto Alegre no ano de 1970.

A autora da ação narrou que foi levada presa por oito homens armados com metralhadoras, alguns fardados, em uma noite de 1970. Eles invadiram o imóvel em que ela morava e confiscaram seus livros de filosofia, de política e de sociologia. Toda a operação, segundo a professora, aconteceu na frente do seu filho mais velho, que estava sob a mira das armas.

Ela foi presa e torturada para que informasse os nomes dos colegas que teriam planejado o sequestro do cônsul americano. Descreveu que o interrogatório tinha o objetivo de impedir a coordenação do pensamento e fazê-la dizer o que queriam saber.

Em julho de 2012, a professora ingressou com ação indenizatória contra o estado do Rio Grande do Sul, alegando ainda ter sequelas do interrogatório e já ter perdido oportunidades profissionais por estar fichada no Dops. Também defendeu ser inaplicável o prazo de prescrição do caso, porque à época dos fatos vivia-se num regime de exceção. Duas testemunhas depuseram em seu favor.

O réu defendeu a prescrição da ação e a responsabilidade da União pelo caso, pois o regime em questão fora instaurado por um golpe militar, que tomou o poder em nível nacional. Ainda, alegou que a autora da ação não poderia se fundar em hipóteses ou conjunturas, devendo demonstrar o prejuízo para que houvesse a indenização por danos morais.

Sentença
O caso foi analisado pela Juíza de Direito Lílian Cristiane Siman, da 5ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central de Porto Alegre, que julgou procedente o pedido da professora. A magistrada condenou o estado a pagar R$ 30 mil por danos morais.

De acordo com a julgadora, documentos juntados ao processo comprovam que a autora foi submetida à identificação na Secretaria de Segurança Pública em abril de 1970. Além disso, segundo uma testemunha, a professora foi levada à sede da Polícia Civil gaúcha, referindo que as prisões eram efetivadas com o apoio da Brigada Militar. Para a juíza, “mesmo que não houvesse a referida comprovação, os danos são presumíveis e decorrem da humilhação e tortura sofrida”.

Recurso
Inconformados, ambos recorreram ao TJ-RS. A autora da ação pediu a majoração do valor indenizatório. O Estado alegou que conter ficha no Dops não significa que tenha havido prisão. Alternativamente, requereu a redução da indenização. Relator do processo na 5ª Câmara Cível do TJ-RS, o desembargador Jorge Luiz Lopes do Canto aceitou apenas o pedido da professora e aumentou o valor da indenização para R$ 50 mil.

Para o desembargador, “deixar de reparar significa anuir com essa prática odiosa durante o regime autoritário e de exceção pelo qual passou há muito este país”.

Para ele, trata-se da redução de um ser humano à condição de coisa, sem valor, “qual seja a tortura, ainda que psicológica devido à perseguição sofrida, sem dúvida que esta destitui a vítima de sua dignidade, mal este que merece reparação”. A desembargadora Isabel Dias Almeida e a juíza convocada Maria Cláudia Mércio Cachapuz votaram de acordo com o relator. Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-RS.

Clique aqui para ler o acórdão do TJ-RS.

Apelação Cível 70060551827

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