Quebra de sigilo

Norma aproxima Receita Federal de acesso a contas de brasileiros no exterior

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5 de setembro de 2014, 19h05

A Receita Federal brasileira acaba de dar a chave para acessar contas bancárias de contribuintes no exterior sem precisar de uma decisão judicial. Decreto publicado nesta sexta-feira (5/9), que altera o procedimento fiscal, amplia as condições nas quais o Fisco pode investigar movimentações financeiras de terceiros em outros países, caso encontre indícios de sonegação. Antes, isso só era possível em relação a investimentos em paraísos fiscais — como as Ilhas Bermudas e Cayman.

Agora foram acrescentadas à lista situações em que o Fisco achar conveniente trocar informações com quem tenha tratados internacionais de intercâmbio de informações, bem como os locais com regimes considerados beneficiados — estados americanos como Delaware, que permitem a abertura de empresas sem a identificação dos sócios, são o exemplo mais lembrado. 

A situação chama a atenção dos advogados devido a acordos internacionais como o Foreing Account Tax Compliance Act (Fatca), dos Estados Unidos, ao qual o Brasil aderiu no ano passado, que permite aos Fiscos de diferentes países trocar informações úteis entre si sobre investimentos e movimentações financeiras de seus cidadãos.

Para esses acordos funcionarem, vale o princípio da reciprocidade. Ou seja, se um país oferece informações sobre cidadãos de outra nação dentro de seu território, ele tem direito a ter também dados sobre a movimentação de seus cidadãos na nação com a qual negocia. Tudo isso sem precisar de uma ordem judicial sequer.

Como, em geral, os tratados internacionais de bitributação também preveem a troca de informações, os atuais 31 acordos em vigor assinados pelo Brasil permitem a bisbilhotice. Principalmente por conta do afastamento da vedação padrão em todos eles: nenhum Estado será compelido a fornecer informação que não poderia ser obtida com base na sua própria legislação — já que, com a norma publicada nesta sexta, a legislação brasileira passa a permitir a análise das movimentações financeiras de terceiros com o fim de atender aos acordos de intercâmbio de informações.

Foi o Decreto 8.303, de 4 de setembro de 2014, quem trouxe a mudança. Ele altera o Decreto 3.724/2001, que disciplina o assunto. E acrescenta o inciso XII ao artigo 3º do decreto anterior, que, ao listar as possibilidades de investigação, mencina o “intercâmbio de informações, com fundamento em tratados, acordos ou convênios internacionais, para fins de arrecadação e fiscalização de tributos”.

A ressalva é que o contribuinte, antes de ter suas contas devassadas pelo Fisco estrangeiro e os dados dessa apuração repassadas ao Fisco brasileiro, deve ser intimado e convidado a apresentar ele mesmo os números. Caso se negue, com base na proibição de autoincriminação, a Receita Federal tem caminho livre para pedir a reciprocidade no exterior.

São autorizados, inclusive, levantamentos em contas de quem possa estar relacionado ao investigado, como alerta o tributarista Wolmar Esteves, do escritório Bichara Advogados. “A Receita Federal passa a não depender de autorização judicial para acessar informações obtidas no exterior, mesmo que sejam de contribuintes brasileiros”, diz.

Segundo ele, ao receber a intimação do Fisco, o investigado passa a ter a última opção de autorizar o Fisco a ir atrás das informações por si próprio, o que afasta a possibilidade de autoincriminação, mas não o livra de ter o sigilo quebrado.

“Ainda não está claro se o Fisco vai intimar as pessoas físicas ou jurídicas antes da Requisição de Informações sobre Movimentação Financeira, nos casos em que a quebra objetiva o intercâmbio de informações, mas em caso afirmativo, qualquer auditor poderá quebrar o sigilo", explica. "O que se sabe é que, com o decreto, nos casos de intercâmbio, esse tipo de análise da movimentação financeira passou a ser considerado indispensável ao procedimento fiscal, o que dá maior liberdade de ação à Receita Federal.”

Também há dúvidas se a regra vale para bancos brasileiros no exterior, que mantêm contas de brasileiros. A Instrução Normativa 802 da Receita Federal, editada com base na Lei Complementar 105/2001, obriga os bancos a informar semestralmente ao Fisco movimentações de pessoas físicas e jurídicas que ultrapassem determinados volumes. No entanto, a norma é contestada no Supremo Tribunal Federal, embora ainda não haja previsão para seu julgamento.

Leia o Decreto: 

DECRETO Nº 8.303, DE 4 DE SETEMBRO DE 2014

Altera o Decreto nº 3.724, de 10 de janeiro de 2001, que regulamenta o art. 6º da Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001, relativamente à requisição, acesso e uso, pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, de informações referentes a operações e serviços das instituições financeiras e das entidades a elas equiparadas.

A PRESIDENTA DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, caput, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto no art. 6º da Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001, no parágrafo único do art. 199 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional, na Lei nº 10.593, de 6 de dezembro de 2002, nas Convenções para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre a Renda e nos Acordos para o Intercâmbio de Informações Relativas a Tributos,

DECRETA:

Art. 1º O Decreto nº 3.724, de 10 de janeiro de 2001, passa a vigorar com as seguintes alterações:

Art. 2º Os procedimentos fiscais relativos a tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil – RFB serão executados por ocupante do cargo efetivo de Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil e terão início mediante expedição prévia de Termo de Distribuição do Procedimento Fiscal – TDPF, conforme procedimento a ser estabelecido em ato do Secretário da Receita Federal do Brasil.

§ 1º Nos casos de flagrante constatação de contrabando, descaminho ou de qualquer outra prática de infração à legislação tributária, em que o retardamento do início do procedimento fiscal coloque em risco os interesses da Fazenda Nacional, pela possibilidade de subtração de prova, o Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil deverá iniciar imediatamente o procedimento fiscal e, no prazo de cinco dias, contado da data de seu início, será expedido TDPF especial, do qual será dada ciência ao sujeito passivo.
………………………………………………………………………………….

§ 3º  O TDPF não será exigido nas hipóteses de procedimento de fiscalização:
………………………………………………………………………………….

§ 4º O Secretário da Receita Federal do Brasil estabelecerá os modelos e as informações constantes do TDPF, os prazos para sua execução, as autoridades fiscais competentes para sua expedição, bem comodemais hipóteses de dispensa ou situações em que seja necessário o início do procedimento antes da expedição do TDPF, nos casos em que haja risco aos interesses da Fazenda Nacional.
………………………………………………………………………..” (NR)

“Art. 3º …………………………………………………………………
………………………………………………………………………………….

III – prática de qualquer operação com pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada em país com tributação favorecida ou beneficiária de regime fiscal de que tratam os art. 24 e art. 24-A da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996;

………………………………………………………………………………….

XI – presença de indício de que o titular de direito é interposta pessoa do titular de fato; e

XII – intercâmbio de informações, com fundamento em tratados, acordos ou convênios internacionais, para fins de arrecadação e fiscalização de tributos.
………………………………………………………………………..” (NR)

Art. 4º Poderão requisitar as informações referidas no § 5º do art. 2º as autoridades competentes para expedir o TDPF.
…………………………………………………………………………………

§ 2º A RMF será precedida de intimação ao sujeito passivo para apresentação de informações sobre movimentação financeira, necessárias à execução do procedimento fiscal.

§ 3º O sujeito passivo poderá atender a intimação a que se refere o § 2º por meio de:

I – autorização expressa do acesso direto às informações sobre movimentação financeira por parte da autoridade fiscal; ou

II – apresentação das informações sobre movimentação financeira, hipótese em que responde por sua veracidade e integridade, observada a legislação penal aplicável.
………………………………………………………………………………….

§ 5º A RMF será expedida com base em relatório circunstanciado, elaborado pelo Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil encarregado da execução do procedimento fiscal ou pela chefia imediata.
………………………………………………………………………………….

§ 7º……………………………………………………………………….
………………………………………………………………………………….

II – número de identificação do TDPF a que se vincular;
………………………………………………………………………………….

V – nome, matrícula e endereço funcional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil responsáveis pela execução do procedimento fiscal;

…………………………………………………………………………” (NR)

“Art. 5º……………..………………………………………………..
………………………………………………………………………………….
II – ………………………………………………………………………

a) ser apresentadas, no prazo estabelecido na RMF, à autoridade que a expediu ou aos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil responsáveis pela execução do procedimento fiscal correspondente;

……………………………………………………………………….” (NR)

“Art. 7º  ….…………………………………………………………..
………………………………………………………………………………….

§ 2º  ……………………………………………………………………..
I – ……………………………………………………………………….
………………………………………………………………………………….

b) um interno, no qual serão inscritos o nome e a função do destinatário, seu endereço, o número do TDPF ou do processo administrativo fiscal e, claramente indicada, observação de que se trata de matéria sigilosa;

………………………………………………………………………………….

III – o recibo destinado ao controle da custódia das informações conterá, necessariamente, indicações sobre o remetente, o destinatário e o número do TDPF ou do processo administrativo fiscal.

………………………………………………………………………..” (NR) 

Art. 2º Os procedimentos fiscais iniciados antes da publicação deste Decreto permanecerão válidos, independentemente das alterações no instrumento de controle administrativo nele veiculadas, observadas as normas expedidas pela Secretaria da Receita Federal do Brasil.

Art. 3º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 4 de setembro de 2014; 193º da Independência e 126º da República.

DILMA ROUSSEFF
Guido Mantega

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