Reforma Tributária

Reformas sustentáveis ​​devem ser desenvolvidas pelos próprios países

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4 de setembro de 2014, 9h00

Artigo produzido no âmbito das pesquisas desenvolvidas no NEF/FGV Direito SP. As opiniões emitidas são de responsabilidade exclusiva de seus autores.

Em 25 de agosto passado, na linha dos trabalhos desenvolvidos pelo Núcleo de Estudos Fiscais da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, analisamos o artigo de Richard Bird, Taxation and Development: What Have we Learned From Fifty Years of Research?. Professor emérito da Universidade de Toronto e ex-chefe de política tributária do FMI, Bird trouxe profundas contribuições para reflexão sobre a evolução dos sistemas tributários e nos colocou diante do desafio de pensar os três modelos fiscais para os países em desenvolvimento identificados na experiência dos últimos 50 anos[1].

O primeiro, Modelo 1.0, prevaleceu entre o final da II Guerra Mundial e a primeira crise do petróleo da década de 1970, ou seja, nos anos de crescimento e prosperidade 1945-1975. Era centrado no imposto de renda, com tributação ampla sobre a base do imposto de renda pessoa física (IRPF), alíquotas progressivas, incidente sobre o ganho de capital e integrado ao imposto de renda pessoa jurídica (IRPJ). A tributação sobre o consumo era considerada um mal necessário e a tributação internacional e dos entes subnacionais era ignorada. A experiência dos países de língua inglesa tornou-se a referência da tributação mundial.

A prática e a pesquisa sobre o Modelo 1.0 deu origem ao chamado Development Tax Model 2.0, mais conhecido como parte do Consenso de Washington. O imposto sobre o valor adicionado (IVA), aplicado sobre o consumo (vendas), tornou-se o tributo mais importante com ampla base e alíquota uniforme.  Adotaram-se no imposto de importação alíquotas menores e uniformes, aos governos locais atribuíram-se os tributos sobre a propriedade e começou-se a falar em tributação sobre a folha de salários. O IRPF e o IRPJ continuaram importantes, mas com alíquotas mais baixas, base ampla e poucos incentivos.

Bird constatou que na maioria dos países os modelos 1.0 e 2.0 não trouxeram aumento significativo da carga tributária. A tributação não subiu em virtude do custo político em elevar a carga tributária por parte daqueles que dominam as instituições. Trabalhou-se com a redução do gasto público e com a eficácia na cobrança dos tributos exigidos. Contudo, no Brasil observou-se real incremento da carga fiscal[2].

A ideia do Modelo 3.0, ao contrário da universalidade típica dos modelos anteriores, exige a construção personalizada de cada sistema fiscal sobre as peculiaridades de cada país. Segundo Bird, não há fórmula mágica para resolver os problemas tributários. As reformas sustentáveis ​​devem ser desenvolvidas “em casa” pelos próprios países[3].

O modelo 3.0 é justamente resultado da constatação, ao longo destes últimos 50 anos, de um descompasso entre as pesquisas econômicas (modelos fiscais de desenvolvimento) e a realidade dos sistemas tributários. Bird percebeu que deve existir uma relação necessária entre pesquisa e prática, especialmente porque mesmo a melhor pesquisa é apenas mais uma das possíveis contribuições para a formulação das políticas públicas, que precisam conciliar uma multiplicidade de fatores, por vezes conflitantes.

Para Bird, o sistema fiscal, seja ele qual for, é reflexo de jogo de interesses, de interações sociais e políticas complexas entre diferentes grupos da sociedade. Os cenários são desenhados não apenas por fatos e ideias, mas especialmente por interesses não manifestos, mudança nas condições econômicas, gargalos administrativos, possibilidades tecnológicas e pelo funcionamento das instituições políticas.

Investigações econômicas podem fornecer subsídios valiosos sobre o uso eficiente de recursos, sua alocação e resultados distributivos, mas a história mostra que, isoladamente, não são suficientes para garantir o implemento de instituições fiscais consistentes. É necessário encontrar um meio de fazer a sociedade (mercado) e o poder político se interessarem em colocar esse conhecimento (ou plano) em prática.

A criação do IVA e a redução e uniformização (flattening) das alíquotas do imposto de renda, consideradas as mudanças em matéria tributária mais importantes em todo mundo nesses 50 anos, podem, dependendo do ponto de vista político, ser consideradas em diferentes países como bom exemplo de prática fiscal ou horrível exemplo de como ricos e poderosos podem empregar pesquisa seletivamente para defender seus interesses pessoais.

Diante deste cenário, coloca que o desafio em questão é saber qual o tipo de sociedade que se quer. Qual o Brasil que queremos?  O que garantirá maior justiça distributiva?

Bird entende fundamental que qualquer reforma tributária trabalhe com ações dos contribuintes e do estado. Considera que a administração tributária é resultado da interação entre o setor público e o setor privado, assumindo especial relevância:  o fortalecimento das instituições; a pratica da moral tributária e da cultura tributária para aumentar o grau de confiança entre as partes do contrato social;  transformar as questões tributárias em políticas de estado e não políticas de governo[4]; dialogar abertamente sobre o interesse de todos os setores e buscar uma estratégia convergente para o Brasil e não medidas pontuais[5];e trabalhar constantemente a transparência fiscal.

De acordo com Bird, a contribuição mais importante de longo prazo aos países em desenvolvimento para implementar suas políticas fiscais é incentivar a pesquisa nas universidades e think tanks[6] não-governamentais que sistematizem e coletem dados dentro e fora do governo. Pesquisadores e instituições devem desempenhar esse importante papel com apoio e suporte sustentável (e desinteressado) de universidades, agências internacionais e empresas.

A reforma da administração tributária e a tecnologia de informação poderão ajudar, mas não resolvem o problema. É imprescindível a capacidade de articular o diálogo dentro e fora do governo e implementar o debate público. Somente depois de enfrentarmos este debate democrático sobre as prioridades do Brasil, será possível desenhar o sistema tributário brasileiro. Precisamos amadurecer o modelo político das instituições para repensarmos e projetarmos o Direito para o futuro e o conectarmos com a realidade concreta.


[1] Disponível em: http://goo.gl/I1YeYk.

[2] O aumento da carga fiscal foi de aproximadamente 10 pontos percentuais (p.p.) durante o regime militar (1964-1985), 5 p.p. durante do governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) e 5 p.p. durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010).

[3] Bird sustenta que este desafio não é mais uma busca simplista por um novo one size fits all solution. Essa expressão é utilizada para expressar a ideia de que não existe um modelo único de reforma a ser adotado indistintamente por qualquer país. Seja em matéria fiscal ou em qualquer outra que se pretenda transformar, não há como importar instituições prontas, utilizadas em outros ordenamentos, dadas suas peculiaridades econômicas, sociais e políticas.

[4] A dicotomia “Interesses de Governo versus Interesses de Estado” é utilizada para contrapor interesses momentâneos, meramente arrecadatórios ou eleitorais (Interesses de Governo) a interesses de manter a ordem e a legalidade, com políticas públicas duradouras, efetivamente comprometidas com o desenvolvimento do país (Interesses de Estado).  

[5] Conforme já escrevemos “Desafio para Reforma Tributária é superar ideia de reformas pontuais”. Disponível em:  http://goo.gl/FEhpdT .

[6] As think tanks são organizações ou instituições que atuam no campo dos grupos de interesse, produzindo e difundindo conhecimento sobre assuntos estratégicos, com vistas a influenciar transformações sociais, políticas, econômicas ou científicas.

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