Ônus da paralisação

Salários não devem ser pagos em caso de greve considerada abusiva

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2 de setembro de 2014, 8h29

Define o artigo 2º da Lei 7.783/89 a greve como a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços a empregador.

A atual lei de greve não se refere à legalidade ou ilegalidade da greve, mas usa os termos abusividade ou não abusividade do movimento paredista.

Constitui abuso do direito de greve, segundo a nova norma, não fornecer aviso prévio de greve em 48 horas (parágrafo único do artigo 3º) ou em 72 horas, em se tratando de greve em serviços considerados essenciais (artigo 13); manter a paralisação após a celebração de acordo, convenção ou decisão da Justiça do Trabalho, entre outros motivos. Só não se considera abusivo o movimento, se na existência de norma coletiva a paralisação tenha por objeto: exigir o cumprimento de cláusula ou condição não satisfeita pelo empregador; ou seja, motivada pela superveniência de fato novo ou acontecimento imprevisto que modifique substancialmente a relação de trabalho (cláusula rebus sic stantibus), de acordo com o parágrafo único do artigo 14 da Lei 7.783/89).

Como será resolvido o pagamento dos dias parados na greve, se esta for julgada abusiva ou não pela Justiça do Trabalho?

Observadas as condições previstas na Lei 7.783, “a participação em greve suspende o contrato de trabalho, devendo as relações obrigacionais durante o período ser regidas pelo acordo, convenção, laudo arbitral ou decisão da Justiça do Trabalho” (artigo 7º).

É sabido que a suspensão do contrato de trabalho implica o não-pagamento dos salários e não ser computado o tempo de serviço. Ao contrário, na interrupção do contrato de trabalho são pagos os salários e o tempo de serviço é normalmente contado.

A palavra suspender contida no artigo 7º da Lei 7.783 não pode ser interpretada como interromper, pois está escrito na norma suspender e não interromper os efeitos do contrato de trabalho.                                      

Alguns tribunais regionais, considerando abusiva ou não a greve, têm mandado pagar os dias parados, que serão compensados futuramente, desde que os grevistas voltem ao trabalho de imediato.

No tocante ao não-pagamento dos dias parados, caso a greve seja considerada abusiva, os salários não devem ser pagos, pois as reivindicações não foram atendidas, nem houve trabalho no período. Não há suspensão do contrato de trabalho se a greve é exercida de maneira abusiva. Por conseguinte, inexiste direito ao pagamento de salários. É de se lembrar, também, que não há pagamento de salários sem que haja prestação de serviços (Kein Arbeit, Kein Lohn).

Na suspensão do contrato de trabalho não há pagamento de salários. A greve é considerada como hipótese de suspensão do contrato de trabalho, desde que observadas as condições previstas na Lei 7.783/89 (artigo 7º). Logo, atendidas as condições da Lei 7.783/89, há suspensão do contrato de trabalho, e, se há suspensão, é indevido o pagamento de salários.

Nos contratos bilaterais, nenhum dos contraentes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da obrigação do outro (artigo 476 do Código Civil). Ninguém pode exigir o cumprimento de uma obrigação antes de fazer a sua parte. Se o empregado não presta serviço, não pode exigir o pagamento do salário pelo empregador. O empregador não é obrigado a pagar o salário, se não existe prestação de serviço. O empregado exerce um direito na greve: o direito de greve. O empregador, em razão da falta de prestação de serviços, também tem o direito de não pagar o salário, pois o serviço não foi prestado.

A vontade de não trabalhar dos grevistas deve respeitar o direito daqueles que entendem que devem comparecer ao serviço para trabalhar. Assim, não poderiam os primeiros ter direito ao salário se não trabalharam e os segundos, mesmo trabalhando, também receber salário. Seria uma injustiça com os últimos, que trabalharam, determinar o pagamento de salários àqueles que não prestaram serviços. Como regra, não há pagamento de salário sem a devida contraprestação de serviços. Serviço feito é salário devido. Não havendo prestação de serviço, não há direito ao salário. O empregador não é obrigado a pagar salário se o empregado não trabalha.

O contrato de trabalho comporta direitos e obrigações. O empregado assume riscos em razão da greve, justamente de não receber os salários.

A todo direito corresponde um dever e também um ônus. O direito de fazer greve está caracterizado na Constituição (artigo 9º), porém o ônus é justamente o de que, não havendo trabalho, inexiste remuneração. Um dos componentes do risco de participar da greve é justamente o não-pagamento dos salários relativos aos dias parados. Mandar pagar os dias parados seria premiar quem não trabalhou e incentivar a greve. As consequências da greve devem ser suportadas por ambas as partes: pelo empregador, que perde a prestação de serviços durante certos dias, tendo prejuízo na sua produção e, em consequência, deixa de pagar os dias não trabalhados pelos obreiros; pelo empregado, que participa da greve, ficando sem trabalhar, mas perde o direito ao salário dos dias em que não prestou serviços.

O inciso II do artigo 6º da Lei 7.783/89 permite aos trabalhadores angariarem fundos em razão da greve, justamente porque não vão receber salários durante a greve.

Caso se determinasse o pagamento de salários sem trabalho, além de se estar determinando uma iniquidade, também haveria o intuito de não retornar ao trabalho por parte dos grevistas, pois estariam ganhando sem trabalhar, ficando apenas a empresa a suportar os efeitos da paralisação. O pagamento dos dias parados pode gerar o estímulo à deflagração de movimentos grevistas com espírito totalmente divorciado das reivindicações, o que não é recomendável.

Entender que o empregado tem de receber salário durante a greve abusiva é como lhe conceder férias ou licença remunerada.

O direito de receber o salário em caso de greve abusiva não é um direito fundamental, por não ter previsão na Constituição, especialmente nos artigos 7º a 9º. O salário é um direito essencial do trabalhador, para poder sobreviver, mas depende da obrigação de o obreiro trabalhar para recebê-lo.

A greve, só por ser um direito, deve respeitar também o direito dos outros. A paralisação não é um direito absoluto, pois tem limites na Constituição e na lei. Também não é um direito irrestrito e ilimitado, mas deve observar os limites constitucionais, a razoabilidade, a proporcionalidade e o bom senso.

Não há discriminação quanto ao não pagamento do salário aos grevistas, justamente porque estes não querem trabalhar. Quem trabalha recebe salário. Quem não presta serviço em razão da greve, deixa de receber o salário. Logo, o empregador não tem obrigação de pagar salários durante a greve.

Quando a paralisação for feita pelo empregador, com o intuito de pressionar o governo para aumento de preços, deve ser feito o pagamento dos salários. Nesse exemplo, o empregado nada reivindica, sendo que os riscos do empreendimento devem ficar por conta do empregador (artigo 2º da CLT). Logo, os salários do período devem ser pagos ao obreiro, que não deu causa à não-prestação de serviços.

Caso a greve seja considerada não abusiva, os salários são devidos, pois o empregador não cumpriu com as regras da Lei 7.783/89.

Se as partes ajustarem o pagamento de salários durante a greve, por acordo ou convenção coletiva, ou até por determinação da Justiça do Trabalho, haverá interrupção do contrato de trabalho e não sua suspensão.

O TST vinha entendendo que, mesmo que a greve seja considerada não-abusiva, os dias parados são indevidos, se os empregados não trabalharem. Se existe suspensão dos efeitos do contrato de trabalho, não há pagamento de salário, por não haver prestação de serviços:

… 2. Greve e pagamento dos dias de paralisação. Sem contraprestação de trabalho, não pode haver pagamento de salário. Recurso Ordinário em Dissídio Coletivo conhecido e provido (Ac. da SDC do TST, RO DC 17.956/90.4-15ª R., j. 17.9.91, Rel. Antonio Amaral, DJU 1 19.12.91, p. 18.884).

A participação do empregado em movimento grevista importa na suspensão do contrato de trabalho e, nesta circunstância, autoriza o empregador a não efetuar o pagamento dos salários nos dias de paralisação. A lógica é uma só: sem prestação de serviço inexiste cogitar-se de pagamento do respectivo salário. Este é o ônus que deve suportar o empregado na oportunidade em que decide aderir ao movimento grevista. ….. (SDI, E-RR, 383.124, Ac. SBDI-1, j. 27-9-99, Rel. Leonaldo Silva, LTr 63-11/1494-5).

A Orientação Jurisprudencial 10 da SDC do TST menciona que “é incompatível com a declaração de abusividade de movimento grevista o estabelecimento de quaisquer vantagens ou garantias a seus partícipes, que assumiram os riscos inerentes à utilização do instrumento de pressão máximo”. Isso significa que não há direito a nenhuma vantagem ou garantia na greve abusiva, sendo indevidos, portanto, os salários aos empregados que não trabalharam.

O STJ entendeu que:

“É firme a jurisprudência do STJ no sentido de que é legítimo o ato da Administração que promove o desconto dos dias não-trabalhados pelos servidores públicos participantes de movimento paredista, diante da suspensão do contrato de trabalho (…), salvo a existência de acordo entre as partes para que haja compensação dos dias paralisados” (2ª T., Recurso Especial 1450.265-SC, j. 18.6.2014, Rel. Min. Mauro Campbell Marques).

O Supremo Tribunal Federal entendeu que “os salários dos dias de paralisação não deverão ser pagos, salvo no caso em que a greve tenha sido provocada justamente por atraso no pagamento aos servidores públicos civis, ou por outras situações excepcionais que justifiquem o afastamento da premissa da suspensão do contrato de trabalho (art. 7º da Lei 7.783/1989, in fine)” (RE 456.530/SC, j. 13.5.10, Rel. Min. Joaquim Barbosa).

A OIT não tem uma convenção sobre greve. A Convenção 87 da OIT não trata de greve, mas de liberdade sindical. O Comitê de Liberdade Sindical da OIT declarou não haver nenhuma objeção à dedução dos salários dos dias de greve.[1]

O Código do Trabalho do Chile afirma que a greve suspende o contrato de trabalho e o empregador não tem de pagar remuneração ao empregado (art. 377).

O Código de Trabalho de Portugal prevê que a “a greve suspende o contrato de trabalho de trabalhador e aderente, incluindo o direito à retribuição” (artigo 536º, 1). Leciona Pedro Romano Martinez que “não havendo laboração, a contrapartida usualmente percebida pelos trabalhadores não grevistas pode sofrer um decréscimo quando, em parte, a retribuição esteja relacionada com a produtividade, que será reduzida ou nula durante o período de greve”.[2] Monteiro Fernandes afirma que “a suspensão do contrato decorrente da greve faz cessar, temporariamente o direito à retribuição”.[3] Bernardo Lobo Gama Xavier assevera que durante a greve não há direito à retribuição, “o que aliás deriva da aplicação pura e simples da suspensão das relações contratuais por motivos ligados à situação do trabalhador”.[4]

Gerard Couturier afirma que a greve importa a suspende a execução do contrato de trabalho. Em consequência, o empregador fica desobrigado de pagar os salários.[5] Jean Claude Javillier leciona que durante a greve “o princípio seguido é o da proporcionalidade entre perda de salário e duração da greve”.[6] Isso significa que são descontados os dias não trabalhados na greve. O empregador não paga os salários dos empregados em greve, de forma proporcional à duração da greve.[7] Hélène Sinay afirma que a obrigação salarial fica privada durante a falta de prestação de serviços na greve.[8] A Corte de Cassação já decidiu que é possível o desconto dos dias parados na greve (Chambre Sociale, Processo 11-24039, decisão de 23.1.2013).

Na Argentina, também houve decisão no sentido da possibilidade do desconto dos dias parados na greve (Cámara Nacional de Apelaciones del Trabajo, Sala IV, Expediente 36601/2007, j. 12.11.2008).

O STF entende que a Lei 7.783/89 pode ser aplicada na greve de funcionários públicos. Logo, podem ser feitos os descontos dos dias não trabalhados durante a greve dos funcionários públicos. O administrador público que não fizer o desconto de dias parados incorre em improbidade administrativa.

O artigo 7º da Lei 7.783/89, ao contrário do parágrafo único do artigo 20 da Lei 4.330/64, não tratou do pagamento dos salários referentes aos dias de greve. Essa matéria passou para o âmbito negocial das partes. Se as partes ajustarem o pagamento dos dias parados, sendo atendidas ou não as reivindicações do movimento paredista, será perfeitamente lícito o pactuado.

De outro modo, inexistindo acordo entre as partes, a Justiça do Trabalho decidirá sobre o não-pagamento dos dias parados. Caso a greve seja declarada abusiva, os salários são indevidos.


[1] BIT, Genève, La liberté syndicale, Ementa n. 654, p.137.

[2] MARTINEZ, Pedro Romano. Direito do trabalho. 5ª ed. Coimbra: Almedina, 2010, p. 1324.

[3] FERNANDES, António Monteiro de Lemos. Direito do trabalho 15ª ed. Coimbra: Almedina, 2010, p. 989.

[4] XAVIER, Bernardo da Gama Lobo. Direito de greve., Lisboa: Verbo, 1984, p. 202.

[5] COUTURIER, Gèrard. Traité de droit du travail. 2 /Les relations collectives de travail. Paris, PUF, 2001, p. 396.

[6] JAVILLIER, Jean Claude. Manual de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1988, p. 227.

[7] RAY, Jean-Emmanuel. Droit du travail. Paris: Liaison, 2011, p. 672.

[8] SINAY, Hélène, La greve. Paris: Daloz, 1966, p. 264.

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