Reflexões Trabalhistas

Contrato de trabalho e cláusula de não concorrência: forma de proteção coletiva

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31 de outubro de 2014, 7h00

Spacca
O contrato de trabalho estabelece entre empregado e empregador uma relação obrigacional de conteúdo especial caracterizado pela fidúcia, inerente ao comprometimento e cumplicidade das partes. Este envolvimento na atividade empresarial comporta, de um lado, os interesses do empregador na preservação do negócio e, de outro lado, pelos trabalhadores, a preservação da empresa como geradora de recursos e de empregos.

A compatibilização de interesses da sociedade empresarial com os interesses dos empregados, sem ofender a garantia do direito à liberdade ao trabalho, não é tarefa fácil porque implica revisão de conceitos e de questionamento quanto à finalidade da cláusula.

Para sua observância durante o contrato de trabalho, a proteção contra o ato de concorrência foi inserido como de caráter disciplinar, considerado fato grave imputado ao empregado (art. 482, “c”, da CLT).

Todavia, após a rescisão contratual, quando o empregado adquire liberdade para recolocação no mercado, parecem surgir três campos de preocupações: (i) do lado empresarial e (ii) do lado do empregado retirante e (iii) do lado dos trabalhadores que permanecem na empresa.

Para as empresas, parece normal que queiram guardar com reservas as informações transferidas ao empregado retirante em especial se ele foi capaz de absorver conhecimentos técnicos e estratégicos e que, nas mãos da concorrência, poderiam comprometer a continuidade do negócio ou que lhe afetaria de modo sério, ainda que temporariamente. A empresa estaria então legitimada a negociar com o empregado retirante condições para que seu patrimônio comercial ou industrial não sofresse riscos.

Se o contrato contiver previsão da condição de restrição possível, basta que o empregador a acione. Todavia, se o contrato for omisso quanto ao exercício da obrigação de não concorrência, a negociação pós contrato será mais difícil e dependerá da vontade do empregado. Há casos em que, em razão das circunstâncias da atividade profissional do empregado retirante, a fixação de cláusula de não concorrência poderia apresentar uma restrição profissional incompatível e ofender a liberdade ao trabalho e poderia ser imputada de nula.

Para o empregado retirante a confidencialidade de informações e o respeito à transmissão de conhecimentos do seu antigo empregador constitui obrigação natural de comprometimento ético e de boa fé. Portanto, mesmo sem cláusula de não concorrência, poderíamos dizer que há uma limitação ética e concorrencial natural que acompanha a vida profissional do empregado, cabendo-lhe, com exclusividade, a avaliação de quanto sua renúncia à permanência na mesma atividade ou setor impactará seu futuro profissional.

Para os empregados que permanecem na empresa há uma expectativa de continuidade dos contratos de trabalho e de que o empregador mantenha sua condição de atuação no mercado, com capacidade de continuar gerando empregos. Deste modo, caso o empregado retirante viesse a desempenhar suas atividades na concorrência, poderia comprometer a atividade do antigo empregador e, assim, colocaria em risco a permanência dos empregos. Neste ponto, a cláusula de não concorrência carrega na sua estipulação o interesse do grupo de trabalhadores que permanece na empresa e, portanto, sua negociação transcende das obrigações individuais negociadas entre empregado e empregador, passando a projetar-se por um campo de proteção mais amplo e com interesses diretos na preservação das condições de emprego.

Hodiernamente, a forma de transmissão de dados pelas redes sociais e a velocidade com que as informações se expandem, têm sido objeto de preocupação das empresas e, no momento da contratação, inserem cláusulas de compromisso de fidelidade ou de não concorrência (esta relegada a evento futuro e incerto de rescisão do contrato de trabalho).

Para alguns a previsão pós-contrato vincularia a renúncia do direito ao trabalho e, para outros, a restrição de mercado de trabalho não limita a atividade profissional em outros setores econômicos. As duas vertentes consideram que o único bem a ser protegido é o ex-empregado, uma pela renúncia à liberdade de trabalho e outra pela restrição da liberdade ao trabalho.

Assim sendo, parece que a cláusula da não concorrência poderia ser inserida no contexto da proteção mais ampla, considerando que não se protege exclusivamente o empregado retirante ou o patrimônio cultural e industrial da empresa, mas sim, a proteção objetivada leva em conta os empregados e os postos de trabalho, considerando que a concorrência poderia comprometer a continuidade dos negócios do ex-empregador.

Talvez, por esta razão, a pactuação de não concorrência poderia vir a ser objeto de negociação coletiva, ampliando o campo de aplicação para empregados em qualquer nível hierárquico e funcional, de forma a que a empresa e seus empregados não fossem submetidos a riscos em caso de mudança de empregador, no mesmo segmento econômico.

Importante que a análise da cláusula de não concorrência seja ampliada e que se encontre nela uma valorização do conhecimento que o contrato de trabalho possa gerar com a transferência de elementos de informação técnica e cultural que o empregado acumulou durante a prestação de serviços.

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