Apuração sem fim

Banco de Brasília pagará R$ 250 mil a ex-gerente por não buscar provas de desvios

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27 de outubro de 2014, 6h08

Se uma ex-bancária acusada de vazar informações de clientes é transferida para uma função que não lhe compete e o banco prolonga, sem motivo, uma investigação interna — mesmo que outro parecer da instituição diga que não houve quebra de sigilo —, há assédio moral.

Assim entendeu a 7ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho ao condenar, por unanimidade, em R$ 250 mil o Banco de Brasília (BRB) por danos morais a uma ex-gerente que havia prestado depoimento em uma investigação da Polícia Federal sobre suposto esquema de desvio de dinheiro que envolveria políticos — e empresas correntistas do banco em que ela trabalhava, em Brasília.

O ministro Cláudio Brandão, relator do caso, justificou a decisão por entender que, apesar de o banco alegar como essencial o acesso aos depoimentos da Polícia Federal para terminar a investigação da autora do processo, os autos mostravam que a instituição nunca havia feito o pedido à PF. “Tal conduta ficou caracterizada pela ausência de prova de requisição das informações junto à Polícia Federal; ao fato de haver sido privada do exercício de suas atividades e, mais, por não lhe haver sido possível candidatar-se ao cargo [em um conselho do banco]”, afirma o acórdão.

Em fevereiro e março de 2003, a bancária, então gerente da Agência JK, em Brasília, foi intimada pela PF a prestar depoimento em inquérito que apurava denúncias de desvio de dinheiro do Instituto Candango de Solidariedade (ICS), por meio de empresas prestadoras de serviços, para campanhas eleitorais. Tanto o ICS quanto as empresas envolvidas — Adler e Linknet — eram correntistas da Agência JK.

Logo depois do segundo depoimento, o jornal O Globo publicou reportagem com o título "Parecer de procurador-geral deverá ser favorável à cassação de Roriz" (então governador do DF), com informações relativas ao depoimento da gerente à PF sobre a conta da Linknet.

O banco abriu sindicância por entender que a gerente havia vazado informações sigilosas de seus clientes. Na reclamação trabalhista, a bancária afirma que a auditoria interna concluiu que não houve quebra de sigilo bancário, mas, mesmo assim, por determinação direta da presidência do banco, foi aberto procedimento administrativo disciplinar (PAD).

Em abril de 2003, ela foi afastada da agência e lotada em setor na qual, conforme alegou, "realizava tarefas divorciadas do cargo de gerente e sem contato humano". Na mesma época, sua candidatura para compor o conselho do Regius, fundo de previdência privada do BRB, foi rejeitada.

O processo administrativo, porém, não foi concluído. Depois de várias licenças médicas para tratamento de depressão pelo que definiu como "grave estado de tensão e estresse", agravado pelo "isolado e hostil ambiente de trabalho" e da falta de informação sobre o PAD, a gerente acabou aderindo a plano de desligamento voluntário (PDV) e, posteriormente, passou em concurso para a Caixa Econômica Federal.

O BRB, na contestação da reclamação trabalhista, informou que a auditoria interna só foi feita porque os dados relativos ao sigilo bancário da empresa cliente foram atribuídos pela imprensa à gerente. Negou, porém, que a auditoria tenha concluído por sua inocência, e sim que seriam necessários mais elementos para a apuração do caso. Segundo os autos, no entanto, o ministro relator Cláudio Brandão, desdisse o BRB e apontou que o banco havia sim concluído uma investigação anterior, que inocentava a ex-gerente.

Contudo, a defesa alegou que a Linknet processou o banco e a gerente pela suposta quebra de sigilo, o que contribuiria para a abertura do PAD. O deslocamento de funções foi classificado pelo banco como praxe para viabilizar as investigações e preservar a trabalhadora. E, sobre a demora na conclusão do processo (que acabou extinto quando a gerente aderiu ao PDV), alegou que este foi interrompido várias vezes devido às sucessivas licenças médicas e por não ter acesso ao depoimento da bancária à PF, documento que considerou essencial.

Decisão favorável
A juíza da 10ª Vara do Trabalho de Brasília entendeu estar configurado o assédio moral e condenou o BRB a pagar indenização no valor de cem vezes a última remuneração da gerente, o que, à época, equivalia R$ 399 mil. O Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (DF-TO) reformou a sentença, afirmando que a suspeita de vazamento autorizava a instauração do PAD. “Diante da gravidade da situação, não constituiu conduta abusiva" por parte do banco, decidiu a segunda instância. 

No TST, o ministro Cláudio Brandão analisou o caso sob dois prismas: a instauração do PAD e a forma como este foi conduzido pelo banco. No primeiro ponto, ele assinalou que a quebra do sigilo bancário sem autorização judicial, como exige a Lei Complementar 105/2001, constitui crime e sujeita os responsáveis à pena de reclusão e multa, e a possibilidade de que isso tivesse ocorrido justificaria a instauração do PAD. Ele acolheu, porém, os argumentos dos demais ministros, que consideraram a instauração abusiva porque a comissão de auditoria, em apuração prévia, concluiu pela ausência de responsabilidade da gerente na divulgação das informações. Assim, no entendimento da Turma, a instauração de outro procedimento a fim de apurar os mesmos fatos "revelou, na essência, forma de pressão para impedir ou dificultar a efetiva apuração".

Com relação à condução do PAD, o ministro Cláudio Brandão ressaltou que, segundo o TRT, embora o banco alegasse ser essencial a cópia dos depoimentos à PF para a sua conclusão, "a prova revelou que tal órgão jamais fora oficiado". Assim, ainda que tivesse sido lícito na origem, o procedimento acabou se revelando abusivo, porque o banco "não adotou a diligência necessária no sentido de impulsionar o andamento do processo e concluí-lo; ao contrário, prolongou-o sem justo motivo".

Por unanimidade, a Turma deu provimento ao recurso e fixou a indenização em R$ 250 mil. "A quantia permitirá à trabalhadora adquirir bens e contratar serviços aptos a melhorar sua qualidade de vida e, com isso, auxiliar na superação do dano imaterial sofrido em decorrência do assédio moral vivenciado", afirma o texto.

A Turma ainda determinou que o Ministério Público do Trabalho e o do Distrito Federal sejam oficiados "para que se discuta, enfim, a licitude do comportamento adotado pelo presidente do banco, em razão da pressão havida no sentido de não facilitar o trabalho de investigação". Com informações da Assessoria de Comunicação do Tribunal Superior do Trabalho.

Clique aqui para ler a decisão.

RR-48200-97.2006.5.10.0010

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