Trabalho perene

Dia de combate a cartéis marca primeiro acordo de leniência no Brasil

Autores

27 de outubro de 2014, 7h58

Celebrou-se no dia 8 de outubro o sexto aniversário do Dia Nacional de Combate a Cartéis. A data marca o dia da assinatura, em 2003, do primeiro acordo de leniência no Brasil, mecanismo que permite que o integrante de um cartel confesse sua participação no ilícito e entregue provas contra os demais integrantes do conluio, em troca de imunidade. A comemoração deste ano é relevante na medida em que celebra mais de uma década do programa de leniência brasileiro. O presente ano também é o segundo de vigência da nova Lei de Defesa da Concorrência (Lei 12.529/11), tempo suficiente para avaliar os impactos iniciais da nova legislação, bem como para traçar perspectivas relacionadas ao combate a cartéis no Brasil.

O epicentro institucional da política brasileira anticartéis é o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), uma entidade com feições particulares. Em sua função de defesa da concorrência no país, o Cade é, por um lado, responsável pela distinta e complexa análise de grandes fusões e aquisições com repercussão no território nacional. Sua outra principal competência é a repressão a condutas anticompetitivas, sendo a mais grave delas o cartel, acordo ilícito entre concorrentes para fixação de preços ou divisão de mercados, com impactos negativos severos sobre os consumidores e a cadeia produtiva. Incluem-se nesse rol os cartéis entre licitantes na oferta de produtos e serviços à Administração Pública, foco crescente de atenção do órgão.

Para a execução dessa tarefa, o Cade conta com um corpo técnico relativamente pequeno, mas multifacetado e altamente especializado. Seus agentes, a um só tempo, apuram denúncias, conduzem investigações, negociam acordos de leniência, realizam buscas e apreensões, efetuam análises econômicas e jurídicas complexas e, ao final, aplicam punições ou celebram acordos.

Uma característica essencial do Cade diz respeito ao seu papel central de cooperação com os diversos agentes relacionados à política de combate a cartéis. O Conselho dialoga e trabalha em conjunto, diuturnamente, com os Ministérios Públicos Federal e Estaduais, órgãos de controle nos diferentes níveis da federação, agências reguladoras, forças policiais e autoridades internacionais.

É relevante destacar que um órgão estatal brasileiro é reconhecido internacionalmente por entidades como a Global Competition Review como uma das oito principais agências antitruste do mundo, sendo parada obrigatória para leniências em cartéis internacionais e parte relevante das discussões de política concorrencial em fóruns estrangeiros. Nacionalmente, a atuação do Cade pautada por uma busca constante por maior eficiência também é digna de nota.

A Lei 12.529/11 racionalizou a estrutura do Conselho e o trâmite de seus processos. O plano de gestão que lhe seguiu logrou, por outro lado, reduzir o estoque de processos, implementando uma política de triagem e a priorização de casos com maior potencial ofensivo e chance de condenação.

O programa de leniência pioneiro iniciado em 2003 e aperfeiçoado ao longo dos anos, hoje referência para mecanismos semelhantes no Brasil, se consolidou e provou ser um instrumento imprescindível de grande sucesso na investigação de cartéis, gerando casos significativos. Já são quase 40 acordos assinados, 15 deles a partir de 2012, todos desbaratando cartéis com efeitos deletérios aos consumidores e à economia nacional.

Para além do programa de leniência, a condenação de cartéis pelo colegiado também cresceu significativamente nos últimos anos. Desde a entrada em vigor da nova Lei Antitruste em meados de 2012, o Tribunal do Cade já condenou 19 casos envolvendo cartéis. O Conselho também se notabiliza entre os órgãos da Administração Federal por seu papel na negociação de acordos com empresas e pessoas investigadas por práticas anticompetitivas, como forma de garantir a cessação da conduta, obter o pagamento de contraprestação pecuniária dissuasória e encerrar os processos, evitando o seu prolongamento administrativo e judicial. Foram assinados 20 Termos de Compromisso de Cessação em processos de cartel desde a nova lei. O Cade, com isso, é o maior contribuinte do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, para onde são dirigidos os recursos arrecadados com sanções impostas pelo órgão. Considerando somente os últimos dois anos, a partir da entrada em vigor da nova legislação, o Cade já aplicou mais de R$ 605 milhões em multas e mais de R$ 250 milhões em acordos.

Os sucessos da política de combate a cartéis, por outro lado, devem ser sopesados com a contínua necessidade de aprimoramento. Se é bem verdade que a atuação do Cade e de seus parceiros evoluiu consideravelmente, não se pode esquecer que a cultura de concorrência brasileira ainda é pobre, e que há inúmeros cartéis em atuação a serem desvendados e combatidos, por meio de um trabalho constante e que precisa crescer.

São passos necessários, entre outros, o fortalecimento da previsibilidade, da segurança e o crescimento dos acordos de leniência. Ao mesmo tempo, os investimentos em capacidade de investigação e detecção de cartéis devem ser incrementados. Os cuidados com recursos humanos, gestão mais eficiente e tempo de duração dos processos devem ser pautas prioritárias. A diversificação geográfica e material dos mercados objeto de investigações deve ser crescente. A aproximação e coordenação adequada entre os parceiros da política de combate a cartéis deve ser objeto de melhorias e estreitamentos constantes, e a advocacia em prol da difusão da cultura de concorrência no país é um trabalho perene.

O Dia Nacional de Combate a Cartéis tem a função de nos lembrar disso.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!