Segurança x privacidade

EUA julgarão se Polícia pode vasculhar registros de hotéis sem ordem judicial

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25 de outubro de 2014, 5h41

A Suprema Corte dos EUA aceitou, nesta semana, decidir se a Polícia pode inspecionar registros de hóspedes em hotéis e motéis em suas investigações, sem mandado judicial. É mais um confronto, que já está se tornando corriqueiro, entre os ideais americanos de segurança e os dos direitos civis, principalmente o da privacidade, protegido pela Quarta Emenda da Constituição do país.

A Constituição dos EUA tem 27 emendas, uma das quais, a 18ª, que proibiu a fabricação e venda de bebidas alcoólicas no país, mas que foi rejeitada em 1933. De todas essas emendas, a mais vulnerável é exatamente a Quarta Emenda, que proíbe buscas e apreensões sem mandado judicial, baseadas em causa provável. Essa emenda também estabeleceu os princípios da privacidade.

Os ideais de segurança — mais do governo americano do que dos cidadãos — se exacerbaram depois dos ataques às torres gêmeas de Nova York, em 11 de setembro de 2001. Desde então, a Quarta Emenda vem sofrendo ataques contínuos das forças que, supostamente, deveriam se encarregar da execução das leis: os órgãos de segurança.

Os casos de violação dessa emenda se sucedem nos tribunais. Além do caso atual, dos registros dos hóspedes em hotéis e motéis, há outras questões em que a exigência de supervisão judicial é ignorada: a Polícia faz busca em celulares de qualquer pessoa detida; instala GPS e monitora os movimentos de veículos particulares; faz escutas e buscas em registros telefônicos nas operadoras; espia e-mails e computadores de qualquer pessoa ou instituição; e coloca drones no ar para espionar pessoas e seguir veículos, entre outras supostas violações à Quarta Emenda.

Outro direito constitucional frequentemente em conflito com a segurança é o da liberdade de expressão, garantida pela Primeira Emenda da Constituição — provavelmente a favorita dos americanos. Órgãos de imprensa, entidades profissionais e jornalistas, particularmente, têm desafiado os órgãos de segurança nos tribunais, porque estão sempre sob ameaça, quando entrevistam ou escrevem sobre pessoas suspeitas de terrorismo.

A Polícia e os demais órgãos de segurança se defendem, em qualquer dos casos, com o argumento de que agem em nome da segurança nacional ou da segurança da população em geral. No caso perante a Suprema Corte, a cidade de Los Angeles argumenta que alguns motéis são refúgios de criminosos. A busca rápida seria necessária para prender fugitivos, traficantes de drogas e pessoas envolvidas em prostituição.

Para quem não conhece, um motel, nos EUA, é apenas um tipo de hotel, em que as palavras "motor" e "hotel" foram combinadas. Isto é, são hotéis de apenas dois andares, na maioria das vezes, com um amplo estacionamento, o que permite aos hóspedes de passagem estacionar o carro à frente do quarto. Os motéis são normalmente familiares e são preferidos pelas pessoas que viajam de carro e por motoristas profissionais. Em muitos deles, o serviço se restringe à recepção e limpeza do quarto e, por isso, são mais baratos.

Alguns motéis são preferidos pela população de baixa renda — e também pelos criminosos visados pela Polícia. Diversas cidades, incluindo Los Angeles, Atlanta, Denver e Seattle, aprovaram leis que obrigam os hotéis e motéis a registrar os hóspedes e a tornar esses registros imediatamente disponíveis à Polícia ou a agentes de segurança nacional, mesmo sem mandado judicial.

A lei que será examinada pela Suprema Corte é a de Los Angeles. Em dezembro, um tribunal de recursos de São Francisco, Califórnia, decidiu, por 7 a 4 votos, que a lei era inconstitucional, porque violava a Quarta Emenda, de acordo com os jornais New York Times, Washington Post e Boston Globe.

O juiz Paul Watford escreveu, pela maioria, que os hóspedes de hotéis já renunciam a seu direito à privacidade quando preenchem a ficha na recepção e fornecem diversas informações pessoais aos administradores dos estabelecimentos. No entanto, os hotéis e os motéis são protegidos pela Quarta Emenda: qualquer busca e apreensão só pode ser feita com mandado judicial.

“Empresas, de uma maneira geral, não são obrigadas a abrir seus registros, com informações comercialmente sensíveis, a órgãos de segurança”, ele escreveu. Os hotéis e motéis, particularmente, não são obrigados, por exemplo, a divulgar suas listas de hóspedes, práticas de preços, taxas de ocupação, entre outras informações empresariais e pessoais.

A ação foi originalmente movida por um grupo de motéis da área de Los Angeles. Eles alegam que não têm problemas com a parte da lei que obriga os hóspedes a se registrarem e a apresentarem documentos e de manterem os registros, até porque isso já é uma tradição aceita por todos. Mas não concordam com a parte que dá direito a qualquer policial de entrar no estabelecimento e inspecionar os registros sem supervisão judicial.

Os advogados da cidade de Los Angeles alegam, por sua vez, que a lei é uma ferramenta importante para a polícia combater o crime. A Polícia, segundo os advogados, precisa ter acesso imediato aos registros de motéis do tipo “parquímetro”, que servem como chamariz para criminosos. Isso seria “particularmente útil nos momentos subsequentes a ataques terroristas”, dizem. Isso confere à busca sem mandato o atributo “em nome da segurança nacional”.

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