Propaganda enganosa

Registro de uma só reclamação não impõe mudanças em embalagens de produto

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23 de outubro de 2014, 17h08

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A concessão de antecipação da tutela em ação coletiva deve ser examinada sob a ótica dos interesses transindividuais. O fundamento levou a 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a derrubar, em definitivo, liminar que obrigava um fabricante de chocolate a alterar todas as embalagens de uma determinada marca. O pedido foi feito em Ação Civil Pública do Ministério Público estadual.

O colegiado entendeu que o fato de todo o processo estar ancorado na reclamação de um só consumidor descaracteriza, por si só, o próprio requisito de verossimilhança da alegação de dano individual homogêneo, coletivo ou difuso. Logo, sem verossimilhança ou perigo de dano, não se pode dar antecipação de tutela.

‘‘Desse modo, afiguram-se absolutamente escassos os indícios obtidos anteriormente à propositura da demanda quanto à efetiva (possibilidade de) ocorrência de dano à coletividade dos consumidores, o que finda por, uma vez trazida a questão ao exame do Juiz, obstar o deferimento do pleito de antecipação de tutela’’, escreveu no acórdão o desembargador-relator Umberto Guaspari Sudbrack. Ele já havia se pronunciado contra a liminar quando analisou o efeito suspensivo, pedido pelo fabricante.

O imbróglio teve início quando uma consumidora de Porto Alegre notou, na gôndola do supermercado que frequenta, que a foto estampada na embalagem de ‘‘Colomba Pascal Visconti’’ (achocolatado cozido) não correspondia ao produto. O fato chegou até o conhecimento do Ministério Público estadual e deu ensejo à instauração de Inquérito Civil, a fim de apurar possível publicidade enganosa, proibida pelo artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor. Além do ‘‘Colomba’’, a Pandurata Alimentos fabrica e distribui os produtos Bauducco e Chocottone.

O MP, então, procurou o fabricante, propondo a assinatura de um Termo de Ajuste de Conduta, solução extrajudicial que poria fim ao problema constatado pela consumidora. Segundo os autos, a empresa se recusou a assinar o TAC, por considerar o seu conteúdo ‘‘genérico e abstrato’’. Afinal, as medidas propostas atingiriam todas as embalagens de centenas de produtos fabricados.

Sem acordo, o MP voltou à carga, ajuizando Ação Civil Pública de Consumo, com pedido de liminar, na 15ª Vara Cível do Foro Central da Capital gaúcha. Em despacho de 9 de dezembro de 2013, o juiz Giovanni Conti concedeu a antecipação de tutela, por vislumbrar a verossimilhança do direito alegado e o perigo de demora — para evitar que a ‘‘ofensa se perpetuasse'', prejudicando toda a coletividade. Na decisão liminar, Conti deu prazo de 48 horas, a contar da data de intimação, para o fabricante se abster de veicular propaganda enganosa, “seja através de fotos ilustrativas incompatíveis com a realidade do produto, seja através da não correspondência do rótulo com o produto respectivo”. Em caso de descumprimento, fixou multa diária no valor de R$ 1 mil.

A empresa pediu, em Agravo de Instrumento, a concessão do efeito suspensivo — o recurso é cabível quando há relevante motivação e receio de lesão. Argumentou que todo o processo se baseou numa única reclamação, no universo de nove milhões de ‘‘Colombas’’ distribuídas na Páscoa de 2013. Além disso, o Inquérito Civil não apontou ou constatou qualquer irregularidade em relação ao produto denunciado.

Em decisão proferida na sessão do dia 10 de março deste ano, o desembargador Umberto Guaspari Sudbrack, da 12ª Câmara Cível do TJ-RS, acatou a argumentação do fabricante-réu e suspendeu os efeitos da liminar. Sudbrack levou em conta que se trata de apenas uma reclamação e que a empresa reconheceu, nos autos, a necessidade de readequar as embalagens para o ano de 2014, especialmente quanto às informações solicitadas.

‘‘Há, sim, receio de lesão grave ou de difícil reparação contra a ora recorrente [fabricante], que pode ver-se obrigada a, desde já, ter de modificar todas as embalagens de suas linhas de produtos (sem que nem mesmo se tenha dito quais são as adequações necessárias), certamente a um custo elevado, antes mesmo de ser instaurado o contraditório e a ampla defesa, além da multa diária imposta R$ 1.000,00 (mil reais), o que, nesse contexto, apresenta-se, a toda a evidência, demasiado’’, escreveu na decisão.

Com a suspensão da liminar, o relator comunicou o juízo de origem, o MP e as partes, para apresentação de respostas ao recurso. O julgamento de mérito do Agravo de Instrumento ocorreu na sessão de julgamento do dia 21 de setembro.

Clique aqui para ler o acórdão.

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