Consultor Jurídico

Sede de punições inverteu ordem dos direitos, dizem especialistas

22 de outubro de 2014, 21h01

Por Redação ConJur

imprimir

Divulgação
Existe uma inversão de valores no uso do Direito Penal. O chamado “bem jurídico” pertencente à sociedade não deve ser pivô da condenação de alguém. Pelo contrário, deve ser entendido como o direito fundamental de um indivíduo diante de uma afronta, inclusive diante de uma ação penal. O entendimento é do renomado professor e doutrinador Juarez Tavares (foto), que palestrou nesta quarta-feira (22/10) na XXII Conferência Nacional dos Advogados, que acontece no Rio de Janeiro.

Tavares propôs um novo entendimento à luz dos limites do Direito Penal e da Constituição: “O bem jurídico não existe como uma entidade autônoma da própria sociedade. O bem jurídico é a expressão das desigualdades e do conflito social. Não é possível criar um conceito de bem jurídico que escape a esses contextos sociais”, explicou. Ele chamou de “positivismo exegético” as fundamentações genéricas — como a moralidade pública — de tipos penais com base em bens jurídicos. “O que é mais saudável é não usá-los como constituidores da proteção, mas como pressuposto da incriminação. Os bens jurídicos servem como referência para que as pessoas não sejam incriminadas”, concluiu.

O advogado Pedro Paulo de Medeiros, por sua vez, falou do mito da lei penal como instrumento de combate à criminalidade, entendido como populismo penal. “A resposta imediata para a sensação de segurança da sociedade tem sido o Direito Penal, mas ninguém pergunta se esse é o remédio adequado”, explicitou ele. “Você tem que ir à raiz do problema.” O aumento do número de crimes, segundo o advogado, está diretamente relacionado ao aumento da população, sem necessariamente haver um ganho qualitativo.

Reprodução
Juliano Breda (foto), presidente da OAB-PR, também falou no evento. Ele abordou os limites éticos do Estado no uso da da delação premiada. “A delação tornou-se a reencarnação moderna dos medievais meios de obtenção de provas. Lá com sangue, aqui com tecnologia. Lá combatia-se a heresia, aqui a corrupção como inimigos do Estado”, disse. Segundo Breda, o “plea bargaining” anula séculos de desenvolvimento científico do Direito Processual Penal e transforma o Direito Penal em mero instrumento do processo penal para a obtenção de provas.

O professor Paulo Barrozo discorreu sobre os desafios democráticos do Direito Penal. Para ele, quando democracias punem, o condenado não é o único a sofrer a punição, mas as próprias democracias. “O modo de punir reafirma a forma e a substância do próprio Estado”, afirmou.

A desembargadora Simone Schreiber, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, discorreu sobre a publicidade opressiva e a Justiça penal. Segundo ela, o aparente conflito entre liberdade de expressão e o devido processo legal, no contexto de profunda pressão da mídia em casos amplamente divulgados, não deve se encerrar na ideia de que a liberdade de expressão é absoluta. “É possível aplicar medidas de proteção que não implicam o cerceamento da liberdade de expressão, como o sequestro de jurados”, disse Simone. “Há também o segredo de Justiça, que poderia ferir a liberdade de expressão e até a censura por um determinado período de tempo.”

Reprodução
A influência da mídia nos julgamentos penais também foi abordada pelo advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay (foto), que falou sobre o exercício de defesa nesses processos. “Com os vazamentos da mídia, o segredo de Justiça passou a não beneficiar o réu, e precisamos ter informantes nos jornais para saber o que vai ser dito”, criticou ele. “A mídia virou uma instrumento para pré-julgar nossos clientes.”

Jacinto Coutinho, advogado e professor, com diversos livros publicados sobre o assunto, comentou a positivação de delitos previstos em convenções internacionais. O mundo cibernético intensificou a troca de ideias e disso decorreu, segundo ele, o intercâmbio de normas. “O problema não é a globalização, mas o neoliberalismo”, afirmou, sobre os problemas do processo de integração.

Alexandre Wunderlich, conselheiro federal da OAB-RS e coordenador do departamento de Direito Penal e Processual Penal da PUC-RS, comentou a reforma do Código Penal Brasileiro. O projeto foi alvo de severas críticas em 2013. “A doutrina penal brasileira praticamente é uníssona contra esse projeto”, criticou. “Sentimos saudade da reforma penal, ainda em tempos da ditadura, em 1984, da parte geral do código.” O novo compêndio de leis penais, segundo Wunderlich, tem até um viés liberal positivo, mas acaba perdendo-se na sanha punitiva. “Nenhum dos pontos favoráveis está contido no substitutivo apresentado no fim de 2013”, completou.

A mesa de debates teve como presidente o advogado José Roberto Batochio, acompanhado do também advogado e conselheiro federal pela OAB gaúcha Renato da Costa Figueira, que atuou como relator. O advogado Jorge Aurélio Silva foi o secretário da mesa. Com informações da Assessoria de Imprensa da OAB.