Ataques pessoais

Eleitor tem o direito de conhecer caráter e o passado dos candidatos

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21 de outubro de 2014, 14h08

Richard Nixon concorria contra John F. Kennedy na eleição americana de 1960. Republicanos e Democratas apresentaram ideias e propostas. No entanto, muitos dizem que a eleição se definiu a partir de um comercial veiculado por Kennedy, questionando o envolvimento de Nixon em casos de corrupção. “Você compraria um carro de segunda mão deste homem?”, questionava o spot da campanha democrata. Como todos sabem, Nixon perdeu aquela eleição.

Em desaconselhável mudança de entendimento às vésperas da eleição, desde a última semana o TSE passou a entender que “o horário eleitoral deve ser usado para a apresentação de ideias e propostas e não para ataques pessoais”. O spot de Kennedy seria censurado por esta nova orientação do TSE. Haveria veto ao ataque pessoal, questionando a índole de Nixon. A decisão é perigosa e já resultou na proibição de inúmeros comerciais da campanha de Dilma e Aécio.

É lícita a veiculação de propaganda negativa, inclusive de caráter pessoal. A liberdade de crítica é um direito marcante do processo democrático, decide sempre o Supremo. E é certo que a legitimidade do processo eleitoral depende da plena liberdade de criticar os adversários.

Os ataques e as críticas são salutares para a democracia. O eleitor, ninguém pode duvidar, tem o direito de conhecer ideias e propostas. Mas também tem direito em conhecer o caráter dos candidatos e grupos políticos que apresentam tais ideias e propostas. Só seria legítimo restringir o debate apenas em torno de ideias e propostas se os candidatos (e seus grupos políticos) fossem idênticos em virtudes e defeitos. E esta identidade não existe. Em torno de boas propostas há candidatos qualificados; outros nem tanto. E o eleitor tem direito de conhecê-los, o que não se alcança restringindo a crítica pessoal.

Por outro lado, se desautorizado estiver o ataque pessoal, também não poderia ser permitido o elogio pessoal. É dizer: se não é lícito atacar o candidato, mas apenas suas ideias e propostas; em idêntica medida os elogios só poderiam estar em torno das propostas, nunca em relação aos próprios candidatos. O raciocínio inverso mostra que a limitação cogitada pelo TSE não deve prosperar.

Muitos reclamam do excesso de ataques pessoais, mas a verdade é que o problema da democracia brasileira está no extremo oposto: na escassez de propaganda negativa. É a conclusão do americano Scott W. Desposato, professor de Ciência Política na Universidade da Califórnia. Em recente entrevista, Desposato explicou que a propaganda negativa é recomendada por ser mais informativa. Com os ataques feitos pelos candidatos contra os seus adversários, argumenta, o eleitor decide o voto mais bem informado sobre as opções políticas. Na última Joint Section do Consórcio Europeu de Pesquisa Política, realizado em 2013, na Alemanha, Desposato concluiu: os latino-americanos não gostam de campanha negativa — mas eles precisam mais dela.

O TSE deve liberar a discussão em torno da índole, do caráter, do comportamento, revelados por atitudes pessoais. O eleitor não pode ser impedido de ter acesso ao passado dos candidatos. E sobre o passado dos candidatos, é evidente que apenas os adversários podem apresentar visões negativas úteis à livre formação da vontade eleitoral. Propostas e ideias devem ser conhecidas. Mas não menos importante é conhecer quem se apresenta para executá-las. Aqui entra a essencialidade da propaganda negativa para a democracia.

É verdade que o Brasil tem um sistema legal atípico de controle de conteúdo da propaganda eleitoral. Não obstante, sempre houve uma redução teleológica das regras que limitam a liberdade de expressão na campanha eleitoral. Se houver exageros nos ataques, o filtro deve estar apenas com o próprio eleitor — que poderá deixar de votar no candidato que extrapolar. É o conhecido efeito bumerangue. Por isso a ideia é deixar tudo para a autorregulação do mercado eleitoral, como na maioria das democracias. Evitando aquilo que o ministro Gilmar Mendes já batizou, noutro contexto, de burocratização do processo eleitoral.

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