Segunda Leitura

Órgãos ligados ao sistema de Justiça precisam trabalhar juntos

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

19 de outubro de 2014, 7h01

Spacca
Todos sabem que o Brasil é um país privilegiado. Tem um território enorme, rico em recursos naturais, sua população fala só uma língua e a religiosidade,  fixada preponderantemente no Cristianismo, é exercida com respeito recíproco e sem extremismos. Apesar disso, o país não avança. Continuamos tendo problemas sérios na área de saúde, segurança, educação, tudo em meio a uma crescente corrupção.

Ao discutirmos nossas mazelas, atribuímos uns aos outros a responsabilidade. Os outros,  sempre os outros, são os responsáveis por tudo de ruim que acontece. É comum dizer-se: “isto é Brasil” quando algo não funciona. Mas nós somos o Brasil. Estamos ajudando a transformar as coisas para melhor?

Nem sempre percebemos que podemos auxiliar e muito. Por exemplo, um museu dificilmente será bem cuidado se depender apenas dos seus funcionários e, por isso, associações de apoio a essas instituições são essenciais para que esteja sempre bem conservado e prestando um bom serviço à sociedade. Quem se habilita a ajudar, prestando serviço voluntário?

No sistema de Justiça, visto de uma forma ampla, não é diferente. Cada órgão luta com todas as forças para aumentar sua parcela de poder e para, consequentemente, obter mais vantagens. Nesta peleja de interesses corporativos, o vencedor nem sempre é bem identificado, mas o perdedor sempre é o Brasil e a sua população.

As lutas institucionais surgem de maneira diversificada, com avanços e retrocessos. Vejamos alguns exemplos.

A magistratura e o Ministério Público, muito embora sejam carreiras gêmeas, travam uma disputa silenciosa por poder. Nos últimos anos promotores e procuradores da República têm conseguido mais vitórias. Por isso os juízes federais se rebelam, querendo direitos que são concedidos ao MPF. Será que algum dia alguém pensou que direitos e deveres deveriam ter um mínimo de uniformidade? Que o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público deveriam manter diálogo permanente e proferir decisões administrativas comuns às duas carreiras?

Polícia Civil e Polícia Militar disputam espaço. Agora as Guardas Municipais, fortalecidas por lei recente, também reivindicarão atribuições. A luta vai de atividades judiciárias (por exemplo, pode a PM lavrar Termo Circunstanciado em crimes menores?) a vencimentos. Desconfianças recíprocas dificultam a aproximação.  O que falta? Uma liderança respeitada?

A Defensoria Pública é um órgão mais novo e que exerce funções da mais alta relevância. Na busca de fixar sua posição, reivindica sentar-se ao lado do juiz nas audiências, tal qual o MP. Será aí que ela firmará reconhecimento? Ou será atendendo as pessoas carentes que veem no órgão a sua última esperança de conseguir valer os seus direitos?

Os advogados fazem parte do sistema de Justiça e, por isso, devem trabalhar juntos com os outros órgãos da administração. Evidentemente, devem participar das discussões que resultem em aprimoramento dos serviços judiciários. Ao manifestar-se sobre as inovações, tem a OAB procurado fazer prevalecer o interesse público sobre o corporativo? Nem sempre isto será fácil. A classe protesta, aliás, como todas as outras. Mas aí, na preocupação com o interesse público, está a grandeza de um líder.

Tribunais vêm procurando modernizar-se, atender melhor os que os procuram. Esta é uma nova e boa realidade. Mas não se vê trabalharem juntos. Normalmente atuam como isoladamente, mesmo encontrando-se na mesma capital (TJ, TRF TRT, TER e TJM). Enquanto no mundo corporativo as empresas se unem para fortalecer-se (TAM e LAN, por exemplo), dividem espaços para diminuir os custos (como lojas em aeroportos) e promovem a capacitação de seus empregados em conjunto, os tribunais continuam agindo como se fossem ilhas, cada um com suas metas. Por exemplo, que  dificuldade haveria em promover-se um curso único para agentes de segurança de TJs e TRFs?

O MPF e os MPEs também têm as suas rivalidades. Atrás delas vem sempre uma frase dita em voz baixa, insinuando que a outra instituição não é eficiente ou confiável. E aí se mesclam atribuições e se complicam as soluções. Por exemplo, o promotor celebrou um Termo de Ajustamento de Conduta após longa conversação e o acordo é homologado pelo Conselho Superior, como manda a lei. Surpreendentemente, entra uma ação civil pública proposta pelo MPF, criando uma insegurança jurídica que ocasiona inúmeras dificuldades aos envolvidos, desde a incompreensão do que está a ocorrer até ao descumprimento de contratos de financiamento. Isto se multiplica se o investidor for estrangeiro.

Dentro da segurança pública, apesar da precariedade das estruturas existentes, peritos e papiloscopistas travam uma luta surda, porque os segundos fazem análises e identificações equivalentes a laudos (como morto com duas identidades) e por isso querem ser considerados peritos.  Não será de surpreender que agentes de segurança (investigadores) se coloquem ao lado dos peritos apenas para que os vencimentos dos papiloscopistas não superem os seus.

Duplicidade de prédios, de bibliotecas, estruturas caras envolvendo servidores públicos, veículos e material de trabalho, realização de congressos de forma isolada, tudo isto revela arrogância de um lado (este é o meu castelo, aqui sou o senhor) e falta de preocupação com o interesse público. Será que isto tem que ser assim?

Dia 9 passado em Santiago, Chile, assisti a uma palestra do juiz de Marco, do Tribunal Administrativo de Terras e Meio Ambiente do Estado de Ontário, Canadá. Narrou o palestrante que no seu estado existem cinco tribunais administrativos e que eles criaram uma junta, que se reúne periodicamente para discutir formas de prestar seus serviços com uniformidade e eficiência. Além disto, eles se auxiliam nas necessidades, inclusive com cessão de servidores em casos de emergência.

No Brasil, em que pese predominar o individualismo, já existem experiências de trabalho conjunto, com sucesso. Vejamos um exemplo.

Em 2010 foi criada a  Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública (Enasp) por  iniciativa conjunta do CNJ, do CNMP e do Ministério da Justiça. Para a composição foram convidadas outras instituições, como a Ordem dos Advogados do Brasil e a Defensoria Pública.  Foram escolhidas três linhas de ação, combate aos crimes de homicídio, fim de cumprimento de penas de prisão em Delegacias e cadastro nacional de mandados de prisão.  O resultado foi positivo. Por exemplo, muitos crimes de homicídio, sabidamente, não são investigados e, mais ainda, não vão a julgamento. Outro, maior ainda, não chega ao fim. Foi criado um plano de metas que alcançou bons resultados. Milhares de BOs saíram dos arquivos e processos foram movimentados. Vale a pena conferir as  estatísticas neste link.

Muitas outras medidas vêm sendo tomadas em diversos pontos do território nacional. Sei que não é fácil. Há rivalidades, desconfiança (justificada em alguns casos), descrença, enfim, uma série de obstáculos. Esta área não é para ingênuos. Mas  é no tamanho do desafio que está o encanto. É preciso energia e persistência para não desistir. Deletar o passado, olhar para a frente e, com união de esforços, alcançar resultados.

Afinal, se o presidente Obama venceu com a frase yes, we can, não podemos ficar por baixo, temos que concluir com um sonoro yes, we can também, isto e muito mais”.

Autores

  • Brave

    é desembargador federal aposentado do TRF 4ª Região, onde foi corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR, pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Vice-presidente para a América Latina da "International Association for Courts Administration - IACA", com sede em Louisville (EUA). É presidente do Ibrajus.

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