Suspeita de suicídio

Juíza se retrata por comentário no Facebook sobre morte de servidora no TRT-2

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17 de outubro de 2014, 13h14

A tragédia ocorrida no fórum trabalhista Ruy Barbosa, na capital paulista, nesta segunda-feira (13/10), quando morreu a servidora Amanda Priscila Santos Costa, repercute entre os trabalhadores do Direito. Um comentário de uma juíza a respeito do assunto na internet provocou revolta entre colegas, o que fez com que ela divulgasse uma retratação. O caso rendeu uma nota da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 2ª Região (Amatra-2).

O corpo da técnica judiciária de Natal (RN) foi encontrado pela manhã, e a Polícia investiga se ela cometeu suicídio. A hipótese é que ela teria pulado do oitavo andar do edifício, onde fica a 62ª Vara do Trabalho, na qual trabalhava desde agosto. A presidente da corte, Silvia Regina Pondé Galvão Devonald, decretou luto de três dias.

Em sua conta no Facebook, a juíza Elisa Maria Secco Andreoni fez comentários sobre o fato ter ocorrido durante o expediente do tribunal, provocando críticas até mesmo aos demais magistrados. Depois, no entanto, Elisa publicou um texto na rede social, admitindo ter errado. A nota, intitulada “Carta Aberta à Sociedade”, a juíza diz ter sido “insensível” ao se perguntar “Meu Deus, porque alguém faz isso num lugar onde tanta gente necessitada precisa dos serviços?”. Afirma ainda sentir remorso e que “a repercussão do ato não corresponde àquilo que sou e isso deve ser refletido principalmente por quem não me conhece”.

Ela também critica quem usou suas palavras para acusar toda a magistratura. “Isso não pode ser usado para macular uma classe. A responsabilidade é exclusivamente minha”, escreveu. E pede que sua retratação seja divulgada.

Elisa atribui a “manifestação afobada” ao fato de estar “completamente envolvida com minha missão na 26ª VT [Vara do Trabalho], no afã de ajudar quem precisa e está lutando para sobreviver”. E desabafa sobre suas condições de trabalho, afirmando que a assumiu no último dia 4 de setembro, com serviços atrasados em “mais de um ano”, “7 mil petições por despachar” e “cerca de 500 petições de recurso que nem sequer foram juntadas aos autos”. Para solucionar o problema, afirma ter contado com a ajuda dos servidores da equipe, com quem fixou a meta de fazer “75 audiências por semana”.

Em nota divulgada nesta quarta-feira (15/10), a Amatra-2 lamentou a morte da servidora e elogiou o pedido de desculpas divulgado pela juíza, o qual “traduz com melhor desenvoltura seus pensamentos, sua retratação e resgata sua relevante história como servidora e magistrada”. A entidade defende a juíza ao dizer que as relações sociais e humanas “não podem ser definidas ou catalogadas por um único ato”. E conclama os juízes a se preocuparem com as condições de trabalho de magistrados e servidores, bem como pede ao Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região aprimore sua política de recursos humanos, “a fim de que contemple a avaliação do clima organizacional e atue com vigor em busca de solução a eventuais problemas”.

Leia a retratação da juíza Elina Andreoni:

CARTA ABERTA À SOCIEDADE

Por Elisa Maria Secco Andreoni

Fui insensível!

Fui servidora pública da Justiça do Trabalho por 17 anos, empossada em 1989. Sou juíza há apenas 9 anos. Até hoje digo que me sinto mais servidora do que juíza. Quem me conhece sabe disso.

Na 26a Vara do Trabalho de São Paulo, local onde fui empossada como servidora e pude passar grande parte de minha vida profissional, pude casar, ter meu filho, muito bem recebido na creche do TRT.

Por algo inexplicável, a vida quis que, no dia 04/09/2014, fosse empossada como juíza titular nessa mesma Vara do Trabalho.

Meu sentimento com relação a essa coincidência? Amor!

A 26a Vara do Trabalho de São Paulo está destruída. Quem é servidor sabe disso. Fiquei desolada com a situação dessa Vara, serviço de mais de um ano por fazer. Mais de 7 mil petições para despachar. Cerca de 500 petições de recurso que nem sequer foram juntadas aos autos. Alvarás de levantamento? Os reclamantes nem sabiam mais o que era isso…

Quem algum dia desejou trabalhar nesta Vara? Eu! E a equipe maravilhosa que lá está.

Foi-me perguntado, várias vezes, se iria pedir remoção da Vara, porque impossível consertar o que foi estragado durante anos e anos. Eu respondia convicta: obviamente que não!!!

Superando todas essas adversidades, a equipe da 26a VT resolveu me ajudar. Arregaçaram as mangas no dia seguinte. Eu fiquei extremamente comovida com isso. Tenho-os como anjos na minha vida e na minha história na Justiça do Trabalho.

Estamos mais unidos do que nunca e, nessa luta árdua, decididos de que os trabalhadores receberão seus créditos o mais rápido possível.

Impus-me cerca de 75 audiências por semana. Sinto um cansaço que chega a me dar enjôo, mas até então estava feliz.

Quando soube do ocorrido no fórum, lembro claramente ter me perguntado: Meu Deus, porque alguém faz isso num lugar onde tanta gente necessitada precisa dos serviços?

Fui insensível? Fui extremamente! Sou insensível? Não!

Minha mensagem não foi dirigida a ninguém em especial. Foi uma manifestação afobada de dentro do carro, indo para a Barra Funda, às 7h45 da manhã, com 25 audiências na pauta à minha espera… Uma delas marcadas antecipadamente, por conta de uma pessoa que precisava comparecer com bebê pequenino.

Se tenho remorso? Tenho muito!

Errei sim, sem saber quem era e ao menos ter a informação do que realmente ocorria naquele momento, porque estava completamente envolvida com minha missão na 26aVT, no afã de ajudar quem precisa e está lutando para sobreviver.

Vejam, isso não significa que não errei! Errei, eu sei. Mas não posso fazer uma retratação insincera.

A repercussão do ato não corresponde aquilo que sou e isso deve ser refletido principalmente por quem não me conhece.

Seriam melhores aqueles que usam esse ato isolado para desqualificar a magistratura? Isso não pode ser usado para macular uma classe. A responsabilidade é exclusivamente minha.

Eu sou servidora da Justiça do Trabalho. Fui insensível, mas amo os servidores do Poder Judiciário, pois tudo o que tenho está aqui e quem me conhece sabe disso.

Sei que minha mensagem não amenizará o ódio que está se propagando por parte de pessoas que nem sequer me conhecem.

Mesmo assim, essa mensagem também deveria ser propagada.

Meu nome é Elisa Andreoni, mãe, esposa, filha de uma mãe com Alzheimer que depende de mim, apaixonada pelo trabalho.

Eu fui, sou e sempre serei uma servidora do Poder Judiciário.

Estou à disposição de quem quiser me conhecer e que precisar de mim, seja de onde for.

Obrigada pela oportunidade do desabafo.

Leia a nota da Amatra-2:

NOTA PÚBLICA DA ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS DA JUSTIÇA DO TRABALHO DO TRABALHO DA 2ª REGIÃO

A Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 2ª Região – AMATRA-2, entidade representativa dos juízes do trabalho do TRT da 2ª Região, nesse momento de profunda tristeza pela morte da servidora Amanda Priscila Santos Costa, vem se manifestar nos seguintes termos:

a) lamenta a irreparável perda da servidora Amanda Priscila Santos Costa, técnica judiciária da 62ª Vara do Trabalho, que enobrecia, de forma insubstituível, a classe dos funcionários públicos do TRT da 2ª Região;

b) entende necessária e profícua a Carta Aberta à Sociedade realizada pela juíza Elisa Maria Secco Andreoni, que traduz com melhor desenvoltura seus pensamentos, sua retratação e resgata sua relevante história como servidora e magistrada no TRT da 2ª Região;

c) deseja a reflexão de todas as pessoas integrantes do quadro do TRT da 2ª Região sobre a complexidade das relações sociais e humanas, que não podem ser definidas ou catalogadas por um único ato;

d) enaltece a vida como bem jurídico absoluto, a ser defendido de forma intransigente;

e) conclama todos os magistrados e servidores a se direcionarem para a principal preocupação do ambiente de trabalho no Poder Judiciário: garantir condições de trabalho dignas a todos seus trabalhadores (juízes, servidores e terceirizados);

f) insta o aprimoramento na política de Recursos Humanos do TRT da 2ª Região, a fim de que contemple a avaliação do clima organizacional e atue com vigor em busca de solução a eventuais problemas apontados por magistrados e servidores;

g) exige a garantia de independência das decisões médicas do Serviço de Saúde do TRT da 2ª Região, a fim de que apenas critérios técnicos as subsidiem; e

h) sugere a criação de comissão paritária com entidade representativa dos servidores públicos para debates de temas sobre o ambiente de trabalho e para que atue na conciliação facultativa entre juízes e servidores.

A Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 2ª Região – AMATRA-2 permanecerá acompanhando de perto as apurações do ocorrido e encaminhará sugestões para a administração do TRT da 2ª Região sobre o tema.

São Paulo, 15 de outubro de 2014.

Patricia Almeida Ramos

Presidente da AMATRA-2

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