Concorrência Fiscal

Como trabalhar a cooperação na nova Ordem Jurídica Transnacional?

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16 de outubro de 2014, 8h53

Artigo produzido no âmbito das pesquisas desenvolvidas no NEF/FGV Direito SP. As opiniões emitidas são de responsabilidade exclusiva de seus autores.

No último dia 22 de Setembro, o Núcleo de Estudos Fiscais da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas, em seu workshop semanal, discutiu o texto The International Tax Regime: Historical Evolution and Political Change[1] (O Regime Tributário Transnacional: Evolução Histórica e Mudanças Políticas), dos autores Philipp Genschel e Thomas Rixen.

Na linha do trabalhado pelos autores, o debate reconstruiu a dinâmica da Ordem Jurídica Transnacional (TLO na sigla em inglês) até os dias atuais, com destaque para o trilema da tributação internacional: como trabalhar o pleno exercício da soberania fiscal, evitar a dupla tributação e, ao mesmo tempo, conter a concorrência fiscal?

Desde a sua criação, em 1920, até meados de 1960, a TLO tinha como principal escopo evitar a dupla tributação internacional. Esse movimento teve sua origem com o término da primeira grande guerra mundial, na tentativa dos países de evitar maiores conflitos externos. Em 1928, foi consolidado pela Liga das Nações, o primeiro modelo de Convenção multilateral que conciliou os princípios da tributação no Estado da Fonte e da Residência.

Posteriormente, em 1950, o tema entrou na pauta do Comitê de Assuntos Fiscais da OCDE, o que contribuiu para o alto grau de alinhamento e solução normativa da questão. Em 1963 foi publicada a Convenção Modelo da OCDE para evitar a dupla tributação internacional, responsável pela consolidação dos princípios da territorialidade (fonte) e universalidade (residência).

A despeito do caráter não vinculativo, a Convenção Modelo teve ampla aceitação pelos Estados-Membros e não-Membros da OCDE, visto que alocou a tributação dos rendimentos ativos[2] no Estado da fonte produtora dos rendimentos (tributação na origem, atendendo aos países importadores de capital) e a tributação dos rendimentos passivos[3] no Estado de residência dos beneficiários (tributação no destino, em observância aos interesses dos países exportadores de capital).

No entanto, o modelo resguardou a soberania dos Estados capacitando-os a concederem incentivos agressivos de forma a afastar a tributação dos governos estrangeiros e viabilizou aos contribuintes explorarem a diferença resultante dos níveis de tributação nacionais para efeitos de planejamento. Portanto, se por um lado a convenção evitou a dupla tributação internacional, de outro conduziu para o problema da concorrência fiscal.

Para conter esta nova realidade, na década de 1960, os EUA introduziram unilateralmente normas antielisivas específicas[4] com reflexos globais[5], corroendo o alinhamento outrora conseguido com a Convenção Modelo para evitar a dupla tributação.

Vale mencionar que tais normas não foram rapidamente aceitas no âmbito da OCDE em razão da sua incompatibilidade[6] com a TLO vigente pois, na ideia de conter a concorrência fiscal, acabavam justamente por ocasionar a dupla tributação internacional.

Este contexto gerou a necessidade de equilibrar o trilema da tributação internacional. A busca de soluções passou por duas fases: a primeira, malsucedida em face dos já ditos antagonismos de reinterpretação da convenção modelo para adaptá-la às normas antielisivas e a segunda, marcada pela construção da nova TLO, de combate à concorrência fiscal prejudicial.

A nova TLO centrou-se na principal causa de concorrência fiscal: a soberania fiscal. Desenvolveu-se através do modelo de acordo não vinculativo sobre troca de informações em matéria fiscal[7], resultado do Fórum Global sobre transparência e troca de informações para fins fiscais ocorrido em 1998[8] e da publicação da lista dos paraísos fiscais e dos regimes fiscais preferenciais em 2000[9].

Embora criado sob o crivo do Comitê de Assuntos Fiscais da OCDE, o Fórum Global está cada vez mais independente dele e opera como uma organização internacional com objetivos próprios. Hoje com 123 Estados-membros em todo o mundo, é muito mais abrangente do que o Comitê da OCDE[10].

A OCDE ao tentar trabalhar a soberania fiscal em nível internacional, restringindo a liberdade dos Estados de se envolverem em estratégias concorrenciais fiscais agressivas para atração de investimentos, naturalmente sofreu forte resistência porque os países não estão interessados em renunciar parcela de receita tributária ou redistribuir receitas.

Como pensar na eficácia do atual Plano de ação para o combate à erosão da base tributária e à transferência de lucros (BEPS na sigla em inglês) sem antes refletir se estamos prontos em nível nacional e mundial para trabalharmos a cooperação internacional, com transparência de dados e informações? Os Estados estão interessados em cooperar administrativamente e redistribuir receitas[11] para garantir neutralidade e justiça fiscal?

Verificamos a forte movimentação internacional para sensibilização quanto à importância da cooperação[12]. Contudo, precisamos superar o retrógrado conceito de soberania fiscal. Limitar o exercício da soberania não deixa de ser uma forma dos países optarem livremente, no uso de suas atribuições estratégicas, por uma política fiscal transparente e neutra em âmbito global.

Constatamos que questões como a justiça distributiva, a concorrência fiscal e o exercício da soberania permeiam não só as nossas discussões internas em torno da guerra fiscal e o federalismo brasileiro, mas também demandam solução na ordem internacional. A experiência vivida pela OCDE nos inspira e nos desafia a refletir de que maneira podemos conduzir internamente a questão do exercício da soberania pelos entes federativos, ressalvando o fato das organizações internacionais não terem poder normativo vinculativo.


[1] Disponível em: http://goo.gl/h4h6D5. Acesso em 09/10/2014.

[2] Renda do trabalho individual e a renda da pessoa jurídica decorrente do exercício de sua atividade empresarial.

[3] Juros, Dividendos, Royalties.

[4] São normas antielisivas específicas as: CFC rules (Legislação sobre Tributação de Sociedades Controladas no Exterior), transfer price (Preços de Transferência) and thin capitalization (Subcapitalização).

[5] A adoção dessas normas impactou os países com os quais os EUA já mantinha relação comercial e influenciou outros a editarem normas no mesmo sentido.

[6] No âmbito da OCDE muitos especialistas consideraram normas antielisão internas violadoras das regras estabelecidas na TLO para evitar a dupla tributação. Segundo eles, os governos tinham que reservar explicitamente o direito de utilizar essa legislação nos seus acordos fiscais bilaterais, a fim de satisfazer as obrigações pactuadas nos tratados. Somente em 2005, a OCDE considerou a CFC compatível com a Convenção Modelo.

[7] Model Agreement on Information Exchange 2002.

[8]Forum on Harmful Tax Practices. Ver OECD. 1998. Harmful Tax Competition. An Emerging Global Issue. Paris: OECD.

[9] The OECD blacklist of 2000.

[10] Ver: http://goo.gl/UrS78H.

[11] Eventuais acordos de redistribuição de arrecadação tributária.

[12] Conforme já escrevemos: “Estamos preparados para os desafios do direito tributário atual?”. Disponível em: http://goo.gl/b1MpmD.

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