Acesso restrito

Lacunas na delação premiada prejudicam a defesa, dizem especialistas

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15 de outubro de 2014, 15h37

A Lei 12.850/2013 é um progresso e a delação premiada um instituto importante para combater o crime organizado. Porém, ainda há lacunas, principalmente ao que se refere à publicidade de seu conteúdo, o que prejudica a defesa. A opinião é dos professores de Direito Penal Guilherme Nucci (PUC-SP) e Pierpaolo Bottini (USP). O desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo e o advogado, respectivamente,  participaram do programa Entre Aspas, da GloboNews.

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Nucci (foto) explica que a lei fala em sigilo no momento em que distribui o processo até a homologação do juiz. Entretanto, ficou "um vácuo" quanto à fase de investigação. “A lei fala que o juiz pode decretar o sigilo. Então se o juiz não decretar, supõe-se então que pode se ter acesso pelo menos das partes e dos advogados. E em juízo, a lei é clara: cessa o sigilo. Ingressou a denúncia, o processo é publico”, diz.

A falta de acesso ao conteúdo da delação pelos advogados das partes é a principal reclamação de Pierpaolo Bottini. Segundo ele, os advogados têm acesso somente ao que é dito durante a oitiva em juízo.

“Não há nenhuma irregularidade em publicizar aqueles áudios. O grande problema é que os corréus nessa ação, os demais investigados, não tem acesso a delação original. Isso me parece violar o direito de ampla defesa e contraditório. Se a acusação tem acesso a tudo, em algum momento a defesa também deve ter esse acesso”, afirma Bottini. De acordo com ele, mesmo que a delação não seja utilizada formalmente para fundamentar a ação, o juiz tem acesso ao seu conteúdo e forma seu convencimento com base naquilo.

Nucci lembra que não está expresso na lei que a delação original é sigilosa. “Pelo contrário, a lei fala que o processo se torna público e a partir dai a lei tem todo o cuidado que o delator tenha sempre o advogado acompanhando, [com] contraditório e ampla defesa sempre garantidos”, afirma.

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Foro privilegiado
Os especialistas criticam também o desmembramento da ação devido ao foro privilegiado, o que também prejudica a defesa. Segundo Bottini (foto), a parte que menciona o parlamentar e que pode ser útil para a defesa não está acessível ao advogado porque o processo corre em sigilo. ”Essa cisão diz que você é acusado de tal coisa, você tem acesso a isso, mas o resto do que você também está sendo acusado e que você vai responder depois você não tem acesso. É difícil bolar uma estratégia assim”, critica.

“Esse é o grande problema do foro privilegiado e já aconteceu no mensalão a mesma coisa. Você leva tudo para o STF e depois há a cisão. E é pior, porque o conjunto da prova não é visível. Fica um pedaço em primeira instância e outro no STF. Isso é uma catástrofe para a linha de defesa”, complementa Nucci.

Renúncia a direitos
Bottini apontou um ponto dos acordo feitos pelos réus na operação lava jato que lhe causou preocupação. A renúncia a direitos. Paulo Roberto Costa e Albero Youssef tiveram que desistir dos recursos referente à ação, mesmo os que dizem respeito a questões técnicas.

“É evidente que o sujeito que faz a delação premiada é obrigado a falar a verdade e ele renuncia um direito fundamental que é o direito ao silêncio. Agora eu não acho que ele tem que renunciar um direito de ver questionada questões técnicas como a competência do juizo, validade de provas. Isso não está na lei”, afirma. Para Nucci, essa cláusula não tem validade. “[Quanto a] renunciar ação de Habeas Corpus, recursos, não acho que seja válido”, complementou.

Os advogados ressaltaram durante o programa que somente a delação não é suficiente para condenar alguém, sendo necessária a produção de provas. “A importância da delação é orientar a investigação, mas ela em si não serve como prova. Muitas vezes a gente tem a impressão que o que o delator diz é algo real ou verdadeiro, mas não necessariamente é. Ele indica aonde estão as provas, indica para onde a investigação deve seguir e se aquilo não resultar em prova a mera declaração dele não tem validade alguma”, explica Bottini.

Nucci também defendeu a atuação do juiz Sergio Moro, responsável pela condução do processo em primeira instância, sobre a possibilidade de uso político da operação "lava jato". “As coisas acontecem quando tem que acontecer. Pode ser que o momento político não tenha sido propicio para alguma parte, mas a Justiça tem que trabalhar e na hora que a coisa acontece tomar providências. Se o processo é público a sociedade tem o direito de saber o que acontece”, diz.

Nucci observa ainda que, assim como acontece em países que utilizam a delação há mais tempo, erros de condenação podem acontecer. De acordo com Nucci, a lei atual foi feita para consagrar algo que já acontecia. “Eu, como juiz há muitos anos, já vi delações que não eram premiadas à época de pessoas que integravam o crime organizado e denunciavam seus comparsas muitas vezes para não responder sozinho. E, logicamente, na época era mais chocante, porque não tinha nenhuma proteção ou regulamentação”, conta.

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