Leilões eletrônicos

Juíza acusada de “ludibriar” órgãos para dispensa de licitação é absolvida

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15 de outubro de 2014, 11h35

Quase seis anos depois de ter sido acusada de “ludibriar” agentes públicos, uma juíza federal de São Paulo foi absolvida pelo Órgão Especial do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade.

O Ministério Público Federal dizia que a juíza e outras duas pessoas haviam induzido tribunais e o Ministério da Justiça a implantar sem licitação uma ferramenta eletrônica para leilões judiciais, deixando de informar que uma empresa estava por trás disso. Entretanto, o TRF-3 rejeitou todos os argumentos por dois motivos: falta de provas e ausência de poder dos réus para dispensar licitações.

Elizabeth Leão, titular da 12ª Vara Federal Cível da capital paulista, foi presidente do Instituto Nacional de Qualidade Judiciária (INQJ), organização sem fins lucrativos formada em 2003 por membros da magistratura com a proposta de melhorar a “gestão da qualidade dos serviços prestados ao cidadão por magistrados e servidores”, prestando consultorias a tribunais. Em 2004, o instituto e uma empresa de tecnologia desenvolveram o Projeto LEJ – Leilão Eletrônico Judicial, uma plataforma criada para pregões online.

O sistema se espalhou pelo país. O uso era gratuito, e cada leilão rendia 5% de comissão à entidade. No ano seguinte, o Conselho Nacional de Justiça determinou que tribunais cancelassem todas as parcerias firmadas com o INQJ, depois de a revista Consultor Jurídico noticiar que leiloeiros diziam ter perdido espaço no mercado por suposto lobby da juíza.

O MPF enxergou irregularidades na contratação direta feita pelo Ministério da Justiça e pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas-SP), alegando que o instituto omitiu sociedade com a S4B Digital, que seria a “proprietária efetiva da ferramenta eletrônica”.

Segundo a denúncia, a distribuição de lucros transformava o negócio em sociedade comercial e exigia o procedimento licitatório. A presidente do instituto foi acusada de patrocinar interesse privado perante a administração, juntamente com o então diretor-executivo da entidade, Rodrigo Santos, e o sócio-majoritário da S4B, Ronaldo Santoro.

Declarações não convincentes
A relatora do caso, desembargadora federal Cecília Marcondes, avaliou que o MPF não conseguiu comprovar nenhuma prática criminosa. “As testemunhas de acusação ouvidas, em sua maioria leiloeiros que se sentiram prejudicados com a implantação da ferramenta eletrônica para realização de leilões judiciais, não foram convincentes quanto à atuação dos réus”, disse.

Segundo ela, agentes públicos que participaram das negociações com o instituto negaram qualquer lobby, disseram que a participação da S4B já era conhecida e justificaram a parceria pela exclusividade e utilidade da ferramenta. No TRT-15, por exemplo, o sistema só foi adotado depois de processo administrativo que tramitou “por pelo menos dois anos, com pareceres de diversas áreas técnicas”.

A relatora disse ainda que os acusados não poderiam responder por quaisquer descumprimentos à Lei de Licitações (Lei 8.666/1993), pois não tinham competência para conduzir contratações.

A decisão diz que não pode ser atribuída a Elizabeth “qualquer ingerência na condução dos procedimentos administrativos realizados pelo Ministério da Justiça e pelo TRT-15”. Para a desembargadora, o MPF não viu nenhum ato ilícito na conduta de quem era responsável pelas formalizações de parcerias e preferiu “denunciar apenas os terceiros”.

Projeto morto
Com a denúncia, uma liminar proibiu que o instituto usasse recursos dos leilões para tocar outras iniciativas e a entidade encerrou seus projetos em 2009. “Os juízes que se envolveram com o INQJ militaram para melhorar a gestão do Judiciário, mas viraram magistrados tradicionais, voltados apenas a despachos e sentenças, enquanto os pregões voltaram às mãos dos leiloeiros tradicionais”, afirma o ex-diretor-executivo Rodrigo Santos.

“A decisão pelo menos nos tira um peso e comprova finalmente a lisura e a honestidade que conduzimos nossas atividades”, diz ele, que foi defendido pelo advogado Rogério Taffarello, do escritório Andrade e Taffarello Advogados.

Elizabeth Leão está em férias, segundo seu gabinete. No processo, ela disse que sua conduta “sempre esteve pautada na retidão, seriedade e lisura em suas ações pessoais e profissionais, sobretudo no exercício dos cargos ocupados no INQJ”.

Declarou ainda que o instituto nunca escondeu a parceria com a S4B Digital. O sócio da empresa alegou que não houve nenhum dano ao erário e que inexistia outra tecnologia no mercado que pudesse concorrer com o LEJ, justificando a contratação direta.

A recomendação do CNJ que vetou parcerias entre tribunais e a entidade é questionada no Supremo Tribunal Federal, e desde 2012 espera para ser incluída na pauta do Plenário.

Clique aqui para ler o acórdão.
0008497-66.2009.4.03.0000

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