Manifestações proibidas

Liberdade de expressão só vale até a calçada da Suprema Corte dos EUA

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14 de outubro de 2014, 10h08

A liberdade de expressão é o melhor remédio para manter a saúde da democracia, mesmo que, às vezes, tenha um gosto amargo. Frequentemente, ela requer que as pessoas ouçam o que não querem ouvir. Protegê-la é necessário, para não reprimir o debate público. Essa é a posição da Suprema Corte dos EUA. Apenas no que se refere aos domínios alheios, porém. Nos próprios domínios, a corte reprime a liberdade de expressão, diz o jornal The New York Times.

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Em junho, o presidente da Suprema Corte, John Roberts (foto), desenvolveu essa teoria ao acabar com “zonas de proteção” em torno de clínicas de aborto em Massachusetts. Com isso, as mulheres que vão a essas clínicas têm de enfrentar os gritos e as ofensas de grupos contra o aborto. “Prevalecem os interesses vitais da Primeira Emenda" — o dispositivo constitucional que protege a liberdade de expressão e outras liberdades civis nos EUA —, escreveu Roberts.

Esse é apenas um exemplo das diversas decisões que a corte tomou a favor da liberdade de expressão nos últimos anos. A Suprema Corte garantiu, por exemplo, o direito de manifestantes protestarem no enterro de um soldado, de cineastas produzirem filmes pornográficos e de empresas produzirem vídeos e jogos violentos, apesar do mal que podem fazer às crianças — tudo em nome da liberdade de expressão.

Mas a devoção da corte à liberdade de expressão termina nos limites da grande praça de mármore da Suprema Corte — e não entra. Com seus grandes espaços, bancos e fontes, a praça parece um lugar convidativo para manifestações públicas. Entretanto, a corte insiste em proibir qualquer manifestação em sua praça, diz o jornal. Os policiais que protegem a corte mandam os visitantes retirar até mesmo um bottom com mensagem política que possam estar usando.

Um caso de manifestação individual terminou na Justiça. O estudante Harold Hodge Jr., de Maryland, foi preso na praça em 2011 porque carregava uma placa que dizia: “O governo americano permite à Polícia matar e tratar com brutalidade, ilegalmente, cidadãos afro-americanos e hispânicos”.

No ano passado, um juiz federal derrubou a lei que proibia protestos na praça da Suprema Corte. O juiz escreveu que essa lei era “incompatível com a Primeira Emenda”. A diretora da Suprema Corte Pamela Talkin recorreu da decisão e, no mês passado, um painel de três juízes do tribunal de recursos do Distrito de Colúmbia começou a ouvir o caso.

A declaração na placa do estudante de Maryland é um exemplo típico de expressão que a Primeira Emenda pretende proteger, com as bênçãos da Suprema Corte. No entanto, ocorre o contrário. As últimas notícias são de que os policiais ameaçaram prender uma mulher que entrou na praça com uma placa que trazia, exatamente, o texto da Primeira Emenda.

A lei em discussão na Justiça, aprovada em 1949, proíbe “procissões ou assembleias” ou a e exibição de “uma bandeira, faixa ou dispositivo elaborados ou adaptados para levar ao público informações sobre um partido, organização ou movimento” no edifício da Suprema Corte ou em suas dependências externas.

Em 1983, a Suprema Corte aliviou — no caso United States v. Grace — um pouco as restrições. Decidiu que demonstrações poderiam ser feitas nas calçadas laterais da corte. As calçadas, que são amplas, porém separadas da praça por escadarias, têm sido usadas, desde então, para todos os tipos de protestos, diz o jornal. Mas o concreto das calçadas acaba onde começa o mármore da praça — e a censura à Primeira Emenda.

A explicação dos advogados do Departamento de Justiça, que representam a diretora da Suprema Corte, é “curiosa”, diz o The New York Times: “Demonstrações do lado de fora dos tribunais podem dar origem a esforços aparentes para sujeitar as autoridades judiciais a influências inapropriadas”.

A ideia de que os ministros da Suprema Corte poderiam, realmente, ser influenciados por placas de protestos é difícil de aceitar, diz o jornal. “Se os ministros fossem susceptíveis a tal sorte de influência, não há razão para pensar que as placas nas calçadas laterais seriam menos eficazes”, afirma.

A Suprema Corte se defende com o argumento de que o importante é a “percepção do público”. Na decisão de 1983, a corte disse que a lei pode se justificar pelo desejo de impedir o público de pensar “que a Suprema Corte está sujeita a influências externas”. O receio, no caso, não é o de que os ministros iriam, de fato, ser influenciados pelos protestos, mas o de que as pessoas iriam pensar, erradamente, que isso realmente acontece.

Segundo o jornal, “essa não é uma visão lisonjeira da população”. Além disso, ela contraria uma decisão recente da própria Suprema Corte (em the Citizens United decision), que defendeu a ideia de que as pessoas, em uma democracia, respondem com ceticismo às mensagens políticas que as bombardeiam antes das eleições.

“Nós honramos da Primeira Emenda, escreveu pela maioria o ministro Anthony Kennedy, ao defender o direito de qualquer um se manifestar e ao confiar que as pessoas têm capacidade para julgar o que é verdadeiro e o que é falso”.

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